sábado, 1 de maio de 2010

A ARBITRAGEM NO SEGMENTO IMOBILIÁRIO


Solução de conflitos por arbitragem cresce em diversas áreas, mas no mercado imobiliário ainda não pegou.

Desde que foi instituída no Brasil, em 1996, como alternativa à justiça tradicional para a resolução de litígios, a arbitragem tem sido cada vez mais utilizada, sobretudo para equacionar controvérsias em contratos de grandes corporações. Levantamento da Fundação Getúlio Vargas junto às cinco principais câmaras de arbitragem do País comprova isso, ao mostrar que os valores envolvidos em arbitragem cresceram 42% em 2008 em relação ao ano anterior, chegando a R$ 844 milhões. O mesmo ritmo de evolução, porém, não é constatado na utilização do instrumento para compra e venda de imóveis, embora o mercado imobiliário seja justamente um dos que mais acumula processos na área cível segundo pesquisa recente do Conselho Nacional de Justiça.

Falta de divulgação e informação são algumas das explicações para menor adesão nesse segmento, a despeito do potencial de utilização desse instrumento para equacionar conflitos de consumo. "As relações de locações de imóveis, por exemplo, são uma boa oportunidade para aplicação da arbitragem para compor divergências entre locador e locatário", defende Valdirene Geraldino Justo, diretora da Câmara de Arbitragem e Mediação Cam Brasil. O mesmo ocorre em conflitos entre construtores e prestadores de serviços, ou mesmo em problemas oriundos do mau pagamento, em compra e venda de bens. "No caso específico do mercado imobiliário, que é uma área propícia a gerar conflitos complexos em razão da enorme gama de participantes da cadeia envolvidos, as ações judiciais podem durar cerca de dez anos, enquanto que nas câmaras arbitrais a solução varia entre seis meses e dois anos", compara o engenheiro e advogado Francisco Maia Neto, diretor da Precisão Consultoria.

Poderiam ser mais comuns casos como o relatado por Mauro Cunha Azevedo Neto, sócio do escritório Lia Justiniano, Cunha Azevedo & Nascimento. O advogado, que também é secretário geral da Câmara de Arbitragem Empresarial de São Paulo, atualmente trabalha em uma controvérsia avaliada em R$ 100 mil entre uma incorporadora e um comprador. Nesse caso, o comprador reclama falta de outorga de escritura do imóvel adquirido conforme definido em contrato, bem como o não pagamento de multas contratuais pelo atraso na entrega do imóvel. Para resolver a questão, será constituído um tribunal arbitral composto por um advogado, um perito contabilista e um engenheiro. O caso deve ser solucionado em pouco mais de três meses.

Também na Grande São Paulo, a arbitragem foi útil para uma construtora que enfrentava dificuldades por conta da inadimplência de alguns clientes. Sem revelar nomes por sigilo contratual, Emanuela Veneri, presidente da Arbimóvel, instituição especializada em solução de conflitos e consultoria jurídica no ramo imobiliário, diz que além do atraso no pagamento das prestações de um loteamento, foram identificados problemas com a falta de regularização dos lotes e o pagamento de impostos. Embora não tivesse inserido a cláusula compromissória nos contratos, a construtora tinha interesse em solucionar a pendência de forma rápida e amigável. Por isso, convidou os clientes endividados para conhecer a arbitragem. Emanuela conta que tanto a receptividade, quanto as negociações realizadas foram positivas para ambos os lados. "Até então, muitos dos compradores sequer sabiam como chegar à construtora para propor uma conversa ou um acordo", conta a advogada, segundo a qual uma das vantagens da arbitragem é a utilização de métodos de negociação e conciliação para solucionar os conflitos entre as partes.

Comum acordo
Embora possam ser encontradas câmaras arbitrais por todo o País, ainda são poucas as especializadas no setor imobiliá­rio. Com foco exclusivo nesse segmento, há apenas três: uma no Rio de Janeiro e duas em São Paulo, onde a primeira delas foi criada apenas no ano passado.

Para ampliar a atuação da justiça arbitral nas relações de compra e venda de imóveis, algumas barreiras precisam ser superadas. A começar pelo receio das empresas de bater de frente com os direitos do consumidor ao propor a arbitragem nos contratos de compra e venda. A cautela se justifica porque há vários dispositivos no Código de Defesa do Consumidor explicitando que as deliberações referentes à relação jurídica de consumo não podem ser tomadas unilateralmente por qualquer das partes. Ou seja, impor a escolha entre jurisdição estatal e jurisdição arbitral, como também a escolha do árbitro, é prática abusiva. "Mas é um equívoco achar que as questões que envolvem direitos do consumidor não podem ser solucionadas por arbitragem. Basta ver que o próprio Código incentiva a adoção dos mecanismos alternativos para a solução de controvérsias", diz Maia Neto.

Para tanto, porém, algumas exigências legais devem ser cumpridas. A principal delas é a existência, nos contratos de adesão, de cláusula compromissória que expresse a vontade dos envolvidos de renunciar à jurisdição estatal, em favor da particular, em eventuais divergências.

"A opção pela arbitragem só será válida se o consumidor tomar a iniciativa de instituir esse mecanismo ou se concordar, expressamente, com a sua instituição, desde que por escrito em documento anexo ou em negrito, com a assinatura ou visto especialmente para essa cláusula", explica Mauro Cunha Azevedo Neto. Feito isso, dificilmente a justiça estatal irá se sobrepor à arbitral. "Decisões recentes do judiciário mineiro e fluminense comprovam que em contratos comerciais o orgão tem rechaçado tentativas de descumprimento dos contratos de adesão", informa Maia Neto, da Precisão Consultoria.

A maior adoção da justiça arbitral no setor imobiliário brasileiro esbarra, ainda, na falta de informação sobre sua existência e também sobre os custos de um processo desse tipo. Normalmente, despesas administrativas e honorários são cobrados por um percentual sobre o porte da causa, sendo que quanto maior o valor em jogo, menor o percentual cobrado. Além disso, quando os custos são incompatíveis com a capacidade de pagamento do comprador, a cláusula arbitral não pode ser utilizada por força dos mecanismos de proteção ao consumidor. "Mas é mito achar que o procedimento arbitral é demasiadamente oneroso e só abrange grandes negócios", salienta Emanuela. Segundo ela, uma vez que a arbitragem esteja devidamente disseminada, todo tipo de conflito imobiliário que envolva direitos patrimoniais disponíveis poderá ser solucionado mais facilmente por esse instrumento, desde aqueles que envolvem a pessoa física que compra um imóvel até os negócios entre empresas de grande porte.

Artigo de Juliana Nakamura
REVISTA CONSTRUÇÃO MERCADO

Nenhum comentário:

Postar um comentário