terça-feira, 25 de maio de 2010

OS CONSELHOS DE FISCALIZAÇÃO PROFISSIONAL E A COMPROVAÇÃO DA INCONSTITUCIONALIDADE DA LEI 11.000/2004

O que nos interessa é a comprovação da inconstitucionalidade da Lei nº 11.000/2004, que pretendeu estender a todos os Conselhos de fiscalização profissional a inteira liberdade para a fixação de suas anuidades e taxas, além das diárias, “jetons” e auxílios de representação
De acordo com Valle Pereira, as autarquias corporativas “são criadas para desempenhar atividades típicas da administração pública, as quais não podem ser trespassadas para pessoas jurídicas de direito privado”. Diz ele, então, que:
“Não há dúvida de que os conselhos de fiscalização profissional exercem atividade de polícia administrativa por outorga do Estado. Por outro lado, e isso é extremamente importante também, em razão de sua natureza, por representarem a mais clara expressão do poder estatal, as atividades de polícia não podem ser delegadas a particulares, mesmo porque, como reconhece a doutrina, gozam elas de coercibilidade e auto-executoriedade, atributos que são desconhecidos, como regra, nas relações de direito privado.” (VALLE PEREIRA, Ricardo Teixeira do. Natureza Jurídica dos Conselhos de Fiscalização do Exercício Profissional, in Conselhos de Fiscalização Profissional. Doutrina e Jurisprudência. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2001, p. 57).
Os Conselhos de fiscalização profissional, criados por lei, são portanto autarquias, que recebem do Estado a incumbência de fiscalizar o exercício das profissões liberais regulamentadas, porque compete à União, nos termos do art. 21 da Constituição Federal, “organizar, manter e executar a inspeção do trabalho” (inciso XXIV). Assim, esses conselhos exercem atividades típicas de Estado, possuem o poder de polícia, estão (ou deveriam estar) autorizados, por lei (do Congresso Nacional, evidentemente), a nos obrigar ao pagamento dessas taxas e contribuições, a nos aplicar sanções, e a nos proibir de exercer a nossa profissão. Essas prerrogativas, portanto, lhes são conferidas pelo Estado, através de lei (pela União, através de lei federal). Ou, pelo menos, assim deveria ser, porque agora se pretende transferir, através da Lei nº 11.000/2004, aos Conselhos das profissões regulamentadas, a competência legiferante, que pertence à União (Congresso Nacional, com a sanção do Presidente da República), e que é indelegável, conforme será explicitado a seguir.

NATUREZA JURÍDICA DAS ANUIDADES E TAXAS

A competência tributária é o poder, que pertence ao Estado, de criar os tributos, para fazer face às suas necessidades. Esse poder, que é juridicamente limitado, pela Constituição e pelas leis, e que no Brasil pertence à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios, de acordo com a partilha prevista na Constituição Federal, consiste na determinação da incidência, da base de cálculo, da alíquota, do sujeito passivo da obrigação, das formas de lançamento e de cobrança, arrecadação e fiscalização.
Portanto, ninguém será obrigado a pagar um tributo, se ele não for criado por um ente público competente, ou seja, por uma das pessoas jurídicas de direito público interno: União, Estados, Distrito Federal e Municípios, através de lei ordinária (em certos casos, a Constituição exige lei complementar) e se essa lei não for regular, ou seja, se ela não estiver de acordo com os rígidos princípios constitucionais tributários.
O artigo 149 da Constituição Federal prevê, expressamente, que “Compete exclusivamente à União instituir contribuições sociais, de intervenção no domínio econômico e de interesse das categorias profissionais ou econômicas, como instrumento de sua atuação nas respectivas áreas, observado o disposto nos arts. 146, III, e 150, I e III, e sem prejuízo do previsto no art. 195, § 6º, relativamente às contribuições a que alude o dispositivo”.
De acordo com Luiza Gamba, as anuidades e taxas cobradas pelos Conselhos de fiscalização têm natureza jurídica tributária, sendo evidente que:
“...o regime jurídico que lhes é aplicável é o regime jurídico tributário, e, mais especificamente, o regime jurídico aplicável às contribuições especiais e às taxas, respectivamente. Ambas devem observar, pois, a atribuição constitucional de competência tributária, bem como os princípios constitucionais tributários, além de estarem sujeitas às normas gerais de direito tributário estabelecidas no Código Tributário Nacional, recepcionado como lei complementar à Constituição nos termos do art. 146, III, da CF.” (GAMBA, Luiza Hickel. Natureza Jurídica das Receitas dos Conselhos de Fiscalização Profissional, in Conselhos de Fiscalização Profissional, op. cit., p. 137).
Evidentemente, as anuidades pagas pelos profissionais liberais aos seus Órgãos de classe são “contribuições de interesse das categorias profissionais”, e devem, assim, “observar o disposto no art. 150, I e III” da Constituição Federal, conforme dito no art. 149, acima transcrito, ou seja, somente poderão ser “exigidas ou aumentadas através de lei” (inciso I do art. 150) e deverão respeitar as diversas limitações ao poder de tributar, constitucionalmente previstas (inciso III do art. 150). Além disso, as normas gerais em matéria de legislação tributária deverão ser estabelecidas através de lei complementar (art. 146, III). Ou seja, através do Código Tributário Nacional, originariamente uma Lei ordinária, editada sob a vigência da Constituição Federal de 1.946, mas recepcionada pela Constituição Federal de 1.988.
Da mesma forma, as diversas taxas, devidas aos Conselhos de fiscalização profissional, também deverão ser instituídas através de lei federal, nos termos do art. 145, II, da Constituição Federal, porque compete, conforme já foi dito, à União, organizar, manter e executar a inspeção do trabalho (Constituição Federal, art. 21, XXIV). Ressalte-se que instituir significa, entre outras coisas, fixar o valor do tributo, e não apenas dizer que ele deverá ser pago pelos profissionais liberais, ao seu Órgão de classe, ou tentar transferir aos Conselhos Profissionais a competência para fixar o valor das anuidades e taxas, como fizeram o Congresso Nacional e o Presidente da República, com a Lei nº 11.000/2004.
Assim, aos tributos definidos pelo Código Tributário Nacional (Lei nº 5.172/66), os impostos (art. 16), as taxas (art. 77) e as contribuições de melhoria (art. 81), a Constituição de 1988 acrescentou os empréstimos compulsórios e as contribuições parafiscais, que podem ser classificadas em três tipos: as contribuições sociais, as contribuições de intervenção no domínio econômico e as contribuições de interesse das categorias profissionais ou econômicas.
As anuidades e as taxas devidas aos Conselhos de fiscalização profissional são, portanto, contribuições parafiscais do terceiro tipo, isto é, contribuições de interesse das categorias profissionais ou econômicas, e estão sujeitas aos princípios constitucionais tributários, conforme já explicitado acima, a respeito do art. 149 da Constituição Federal, somente podendo ser exigidas ou aumentadas através de lei federal, etc.
Para Roque Carrazza, também não há nenhuma dúvida de que as contribuições de interesse das categorias profissionais têm natureza tributária:
“As contribuições de interesse das categorias profissionais ou econômicas, como instrumento de sua atuação nas respectivas áreas (contribuições corporativas), destinam-se a custear entidades (pessoas jurídicas de direito público ou privado) que têm por escopo fiscalizar e regular o exercício de determinadas atividades profissionais ou econômicas, bem como representar, coletiva ou individualmente, categorias profissionais, defendendo seus interesses. Enquadram-se nesta categoria as contribuições arrecadadas, de seus filiados, pelos sindicatos, as contribuições que os advogados e os estagiários pagam à Ordem dos Advogados do Brasil, as contribuições que os médicos pagam ao Conselho Regional de Medicina, etc. Tais contribuições também são tributos (revestindo, no caso dos conselhos profissionais, a natureza de taxa de polícia), devendo, destarte, ser instituídas ou aumentadas por meio de lei ordinária, sempre obedecido o regime jurídico tributário.”(CARRAZZA, Roque Antonio. Curso de Direito Constitucional Tributário. São Paulo: Malheiros Editores Ltda, 2003, p. 534).
Arrecadando esses tributos, e no desempenho do seu poder de polícia, (art. 78 do Código Tributário Nacional) os Conselhos Profissionais deverão executar as suas funções - que lhes foram legalmente transferidas -, estritamente no interesse público, e não apenas de acordo com os interesses de seus dirigentes, ou com os seus interesses corporativos. Aos Conselhos, cabe apenas a arrecadação desses tributos, mas não a sua fixação, a sua majoração e nem mesmo a concessão de descontos especiais para os inadimplentes, como costuma ser feito por alguns Conselhos, para “reduzir a inadimplência”. O princípio da estrita legalidade, aplicável em matéria tributária, torna impossível a utilização das resoluções, dos conselhos federais ou dos conselhos regionais, também, para essa finalidade.
Vejamos, à seguir, a explicação de Sacha Calmon, a respeito da tributação e da parafiscalidade, ou seja, da forma pela qual os Conselhos Profissionais podem ser autorizados a arrecadar as anuidades e taxas, indispensáveis ao desempenho de suas atribuições legais:
“Por outro lado, a essência jurídica do tributo é ser prestação pecuniária compulsória, em favor do Estado ou de pessoa por este indicada (parafiscalidade), que não constitua sanção de ato ilícito (não seja multa), instituída em lei (não decorrente de contrato). Intuitivo, também, que prestação pecuniária no caso do tributo não é feita para indenizar (recompor) nem para garantir (depósitos, fianças, cauções) admitindo cobrança administrativa. Sendo tal, a prestação pecuniária será tributo e estará, no Brasil, sob a disciplina dos princípios jurídico-tributários insertos na Constituição e nas leis de normas complementares.” (COÊLHO, Sacha Calmon Navarro. Comentários à Constituição de 1988: Sistema Tributário. Rio de Janeiro: Forense, 1990)
Essa é, também, a interpretação unânime do Superior Tribunal de Justiça, no Recurso Especial nº 225.301, julgado em 07.10.1999:
“TRIBUTÁRIO - CONTRIBUIÇÃO SOCIAL - ANUIDADE DEVIDA A CONSELHO REGIONAL DE FISCALIZAÇÃO DAS ATIVIDADES PROFISSIONAIS - NATUREZA - FIXAÇÃO - EXIGÊNCIA DE LEI. Compete exclusivamente à União instituir contribuições sociais, de intervenção no domínio econômico e de interesse das categorias profissionais. A anuidade devida aos Conselhos Regionais que fiscalizam as categorias profissionais tem natureza de contribuição social e só pode ser fixada por lei. Recurso improvido.”

INDELEGABILIDADE DA COMPETÊNCIA TRIBUTÁRIA

A matéria referente à delegação da competência tributária está disciplinada no art.
7º do Código Tributário Nacional:
“Art. 7º A competência tributária é indelegável, salvo atribuição das funções de arrecadar ou fiscalizar tributos, ou de executar leis, serviços, atos ou decisões administrativas em matéria tributária, conferida por uma pessoa jurídica de direito público a outra, nos termos do § 3º do artigo 18 da Constituição.
§ 1º A atribuição compreende as garantias e os privilégios processuais que competem à pessoa jurídica de direito público que a conferir.
§ 2º A atribuição pode ser revogada, a qualquer tempo, por ato unilateral da pessoa jurídica de direito público que a tenha conferido.
§ 3º Não constitui delegação de competência o cometimento, a pessoas de direito privado, do encargo ou da função de arrecadar tributos.”
O “caput” do art. 7º estabelece, inicialmente, a absoluta indelegabilidade da competência tributária, ou seja, da competência que a Constituição atribuiu a cada um dos entes tributantes: União, Estados, Distrito Federal e Municípios. Cada um deles deverá instituir, através de lei, os seus tributos, com a determinação de sua incidência, do sujeito passivo, da base de cálculo e das alíquotas, etc. Poderão ser delegadas, porém, as funções de arrecadação, fiscalização ou execução de leis, serviços, atos ou decisões administrativas em matéria tributária, a outra pessoa de direito público, da administração direta ou indireta, conforme a previsão constante também do “caput” do art. 7º. Existe ainda uma previsão, no § 3º do art. 7º, referente apenas à função de arrecadação dos tributos, que pode ser atribuída, esta sim, a uma pessoa jurídica de direito privado, como um estabelecimento bancário ou uma casa lotérica.
Deve-se ressaltar, ainda, que não se pode confundir a competência tributária plena, que é indelegável, com a capacidade ativa, que é delegável. Essa delegação, da capacidade ativa, ocorre, evidentemente, no momento em que a União, através de uma lei, delega aos Conselhos de Fiscalização Profissional as funções de fiscalizar o exercício da profissão e de arrecadar as taxas e anuidades (que já deveriam estar fixadas em lei, conforme já foi dito). Por essa razão, um Conselho Regional de Medicina, por exemplo, terá a capacidade ativa, isto é, poderá figurar no pólo ativo da uma relação jurídica. Em uma ação de execução fiscal, por exemplo, para a cobrança de débitos referentes às suas anuidades.
Portanto, somente a União poderia, através de lei, fixar as anuidades e as taxas dos médicos, dos engenheiros, dos advogados, dos economistas, dos corretores de imóveis e de tantos outros profissionais liberais, embora a competência para a sua arrecadação e fiscalização seja delegada às autarquias corporativas correspondentes. Não é possível que esses tributos sejam instituídos através de resoluções, como já vem ocorrendo. Não é possível, também, que sejam concedidos descontos, através de resoluções, conforme já foi dito.
A respeito da indelegabilidade da competência tributária, afirma Roque Carrazza:
“As competências tributárias são indelegáveis. Cada pessoa política recebeu da Constituição a sua, mas não a pode renunciar, nem delegar a terceiros. É livre, até, para deixar de exercitá-la; não lhe é dado, porém, permitir, mesmo que por meio de lei, que terceira pessoa a encampe. Lembramos que quando o Texto Magno outorga uma competência, visa a promover um interesse público, que só se considera atingível por intermédio da atuação do titular escolhido (pessoa, órgão, autoridade, etc.). (CARRAZZA, Roque Antonio. Curso de Direito Constitucional Tributário, op. cit., p. 578).
Observa-se, ainda, mais uma vez, que nenhum desses Conselhos Profissionais poderia ter natureza privada, porque uma entidade privada não poderia receber a delegação da competência para a arrecadação e fiscalização desses tributos, nem para o exercício do poder de polícia. O Congresso Nacional bem que tentou dizer, através da Lei nº 9.649/98, aprovada no Governo Fernando Henrique, para “resolver” os problemas que vinham sendo causados, por inúmeras decisões judiciais, às autarquias corporativas, que essas autarquias são entidades privadas, mas o Supremo Tribunal Federal, conforme já referido, julgou inconstitucionais essas normas, reafirmando a natureza autárquica dessas entidades.
O Supremo Tribunal Federal já se pronunciou sobre a questão, quando julgou, em 01.07.1992, o Recurso Extraordinário nº 138.284/CE, dizendo que as contribuições parafiscais possuem natureza tributária e estão sujeitas ao princípio da anterioridade, bem como a todos os outros princípios e normas gerais do Direito Tributário. Vejamos as palavras do relator, Min. Carlos Velloso:
“As contribuições de intervenção no domínio econômico (art.149), como as contribuições do IAA, e do IBC, estão sujeitas ao princípio da anterioridade. As corporativas (art. 149), cobradas, por exemplo, pela OAB, pelos Conselhos de Fiscalização de profissões liberais e pelos sindicatos (contribuição sindical) estão sujeitas, também, ao princípio da anterioridade.”

A QUESTÃO DAS DIÁRIAS, JETONS E AUXÍLIOS DE REPRESENTAÇÃO

Mas além da inconstitucional delegação da competência tributária, a Lei nº 11.000/2004 também “transferiu” aos Conselhos Federais das profissões regulamentadas a competência para a fixação dos valores máximos das diárias, dos “jetons” e dos auxílios de representação, que deverão ser pagos a seus conselheiros. Vejamos:
No art. 5º da Lei nº 3.268/57, foi incluída, pelo art. 1º da Lei nº 11.000/2004, como atribuição do Conselho Federal de Medicina, “normatizar a concessão de diárias, jetons e auxílio de representação, fixando o valor máximo para todos os Conselhos Regionais.”(alínea “l”)
Depois, o § 3º do art. 2º da Lei nº 11.000/2004 determinou que: “Os Conselhos de que trata o caput deste artigo (ou seja, todos os outros Conselhos de fiscalização de profissões regulamentadas) ficam autorizados a normatizar a concessão de diárias, jetons e auxílios de representação, fixando o valor máximo para todos os Conselhos Regionais.”
É evidente que, da mesma forma como não pode ser transferido às autarquias corporativas o poder de tributar, que no caso pertence à União e tem como instrumento formalizador a lei ordinária, também não lhes pode ser atribuída a competência para livremente distribuírem diárias e outras vantagens a seus dirigentes, através de suas resoluções internas. Deve existir, é claro, uma regulamentação legal, e tanto isso é verdade que a Lei nº 8.112/90, que dispõe sobre o regime jurídico dos servidores públicos civis da União, das autarquias e das fundações públicas federais, se preocupou em normatizar a matéria referente à concessão de diárias, em seus artigos 58 e 59 (já alterados pela Lei nº 9.527, de 10.12.97).
Os Conselhos de fiscalização de profissões regulamentadas são autarquias, ou seja, são entidades da administração pública indireta, que gozam de autonomia, mas se submetem, integralmente, no desempenho de suas atividades, ao regime de direito público, o que significa que são todas obrigadas a respeitar os princípios constitucionais da legalidade, da impessoalidade, da moralidade, da publicidade e da eficiência, enumerados no “caput” do art. 37 da Constituição Federal, bem como as normas, limites e exigências constantes dos 22 incisos e 10 parágrafos desse mesmo artigo.
Por essa razão, e apenas a título de exemplo, deve ser dito que os servidores desses Conselhos estão sujeitos à exigência constitucional do concurso público, o que, aliás, não vem sendo obedecido por alguns desses Conselhos, o que já ensejou a propositura de diversas ações civis públicas, pelo Ministério Público Federal, no Ceará, no Acre, na Paraíba e no Mato Grosso.
Os Conselheiros, que dirigem as autarquias corporativas, são investidos através de eleições periódicas, mas isso não os dispensa do respeito à Constituição e às leis. As Autarquias corporativas devem ser fiscalizadas, para que haja uma garantia de que elas desempenharão corretamente as suas atribuições, e de que elas utilizarão corretamente o dinheiro arrecadado com as suas anuidades e taxas. Do contrário, elas se transformarão, todas, em super-poderes, livres de qualquer controle estatal, como acontece com a Ordem dos Advogados do Brasil.
A receita das Autarquias corporativas não integra o orçamento da União. As anuidades e taxas devem ser arrecadadas de acordo com a previsão legal e devem ser gastas, também, de acordo com a previsão legal, em benefício das atividades atribuídas, pela Constituição e pelas leis, às Autarquias corporativas. Não é possível supor que esse dinheiro poderia ser gasto em outras atividades, estranhas ao interesse público. Como, por exemplo, com as sedes campestres, com os Clubes dos Advogados, Médicos, Engenheiros, etc., com as viagens de lazer ou com a aposentadoria dos profissionais liberais a elas filiados.
Diga-se, aliás, que qualquer jurisdicionado - e não, apenas, o profissional liberal filiado a uma dessas Autarquias -, tem o direito público subjetivo de exigirr que cada uma delas desempenhe corretamente as suas atribuições, fiscalizando o exercício profissional, porque se uma dessas Autarquias se desviar de seus reais objetivos, sérias conseqüências poderão atingir aqueles que necessitarem dos serviços profissionais de um médico, de um advogado, de um engenheiro, de um corretor de imóveis, etc.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

São inconstitucionais os dispositivos da Lei nº 11.000/2004 que “transferem” a competência legiferante do Congresso Nacional ao Conselho Federal de Medicina (art. 1º) e aos Conselhos de fiscalização de profissões regulamentadas (art. 2º).

Também são inconstitucionais os dispositivos da Lei nº 11.000/2004 que “transferem” ao Conselho Federal de Medicina (art. 1º) e aos demais Conselhos de fiscalização de profissões regulamentadas (art. 2º) a competência para normatizar a concessão de diárias, jetons e auxílios de representação, fixando o valor máximo para todos os Conselhos Regionais.

A Constituição Federal, ao estabelecer o princípio da legalidade (art. 5º, II), visa combater o poder arbitrário do Estado, garantindo também ao jurisdicionado-contribuinte que ele não será obrigado a pagar nenhum tributo que não tenha sido instituído através de lei, aprovada pelos seus representantes, nas esferas federal, estadual e municipal.

Se o Estado não pode exigir o pagamento de um tributo sem a previsão legal, muito menos as Autarquias corporativas, que agem por delegação do Estado, poderiam fazê-lo, através de suas resoluções.


Adaptado do texto do Dr. Paulo Freire.

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