domingo, 2 de maio de 2010
OS URUBUS DE MOEMA!
HISTÓRIAS DE CORRETOR
Sei que vai ser difícil acreditar nos fatos que vou narrar, no entanto se você não acreditar, confesso expressamente que não ficarei surpreso, afinal, se eu não tivesse presenciado também não acreditaria.
O senhor Sebastião, que eu tratava com respeito, mas nunca consegui chamar de senhor, era um cliente super especial, daqueles poucos em que um corretor pode confiar, muito inteligente, educado, leal, um mineiro que vivia entre São Paulo e sua fazenda em Brasília, gostava de musica sertaneja, de cantar e tocar violão. Nos conhecemos quando o Munhões, um dos melhores homens de venda que conheci, e a sua parceira Ana, uma mulher elegante, educada e também,ótima corretora, o atenderam mostrando um terreno na rua Orissanga, no bairro de Mirandópolis, bem próximo da estação do metrô Praça da Árvore.
Na verdade era um bom terreno com uma casa bem antiga, que ele iria demolir e construir um prédio de sete andares, onde seria a sede da sua empresa de semi jóias. Seu escritório ficava na Rua Luis Góis, na mesma região, por isso o imóvel lhe interessara bastante. O corretor tinha uma péssima mania de trabalhar com o valor abaixo do valor real, era a sua tática para entusiasmar o comprador, depois era preciso aquele processo de tirar leite de pedra.
O imóvel foi mostrado, e o corretor, como era seu costume usou a sua tática suicida;
- O senhor paga duzentos e cinqüenta mil ?
O comprador respondeu que sim, e formalizou a proposta.
Quando fui tratar com o proprietário é que o bicho começou a pegar. Era um alemão duro na queda, (não dou muita sorte com eles), e além do mais surgiu uma situação agravante . Quando lhe falei o valor da proposta, ele simplesmente ficou furioso. Como é que eu tinha o desplante de levar uma proposta naquele valor. O que eu não sabia, é que a corretora que havia feito a angariação, havia super valorizado o preço para obter uma exclusividade de venda.
Assim, sabendo que a avaliação que fora apresentada aos proprietários estava realmente acima do valor de mercado, ela simplesmente havia alterado o preço da ficha para duzentos e oitenta mil reais e, inclusive estava anunciando o imóvel por este valor. A sua esperança era de que, havendo uma proposta conseguiria convencer o proprietário. Sem saber de nada disso, eu estava trabalhando com o valor da ficha, e argumentei que a diferença de trinta mil reais não era nenhum ultraje. Depois exibi cópias do anúncio que a corretora fizera, no valor de duzentos e oitenta mil reais, e argumentei que o imóvel não valia, exagerando, mais do que trezentos mil reais. A proposta não era indecorosa, ainda mais que o pagamento era a vista.
Foi então que o alemão ficou mais do que furioso, e me perguntou como é que eu havia inventado aquele valor, e me exibiu uma cópia da exclusividade de venda e de uma avaliação, de trezentos e quarenta mil reais, assinada pelo gerente da corretora que fizera a ficha, e por ela,como testemunha. É fácil de imaginar a minha situação,
Nestas circunstâncias foi que conheci o comprador, meu primeiro contato com ele foi exatamente para expor estes pormenores. É claro que ele sabia que o imóvel valia mais do que a proposta que fizera, mais ele havia oferecido exatamente o preço que o corretor lhe sugeriu. Parece um paradoxo, um aumenta o valor para conseguir agradar o proprietário e angariar o imóvel, o outro oferece o imóvel abaixo do valor para entusiasmar o comprador. E o gerente que se vire!
E foi o que aconteceu, depois de marchas e contra marchas, consegui me virar e fechar a venda. O senhor Sebastião, quando estava em São Paulo, morava no Sutton House, na Avenida Jandira, em Moema. Algum tempo depois da compra do terreno, ele me ligou. Estava pensando em comprar uma cobertura, pois no prédio em que ele morava, que era de alto luxo, moravam também muitos artistas, e o barulho dos helicópteros e a romaria de fãs na portaria incomodavam demais.
Ele pediu para que encontrássemos algo para ele. Apartamento era a especialidade da Ana, ela selecionou alguns e marcamos para mostrar. Começamos pela cobertura de um francês na Alameda dos Jupís, que ficava bem próximo ao prédio em que o cliente morava. A esposa do proprietário havia falecido há mais ou menos trinta dias, a cobertura era boa, mas estava muito judiada, inclusive havia um vazamento na suíte master e era ridículo ver um balde aparando a intermitente goteira. Era um sábado lindo, simplesmente maravilhoso, um sol mais do que brilhante e nuvens de algodão enfeitavam o céu azul como não era costume se ver.
Por volta de meio dia chegamos ao local. Vimos todo o pavimento inferior da cobertura, a copa, cozinha, sala de jantar, dormitórios, dependência de empregada, por fim estávamos indo para ver o living, o bar, o terraço, a churrasqueira e a piscina. A Ana seguia na frente puxando a fila, junto com o comprador, de repente eles param de subir, e o senhor Sebastião nos faz sinal para ficarmos quietos. Subimos, eu e o proprietário até o degrau em que eles se encontravam, olhando para o terraço.
Solenemente pousados no peitoril do terraço, estavam dois enormes urubus, imóveis, parecendo aquelas estátuas de gesso que enfeitam alguns jardins. O senhor Sebastião perguntou ao francês se ele tinha uma máquina fotográfica, (não era ainda a época dos celulares com câmeras, e muito menos das câmeras digitais). O francês, cujo nome nunca mais consegui lembrar, por coincidência tinha uma máquina com filme. O comprador fotografou as inusitadas figuras e entregou a máquina ao vendedor.
Não chegamos a olhar a piscina, não havia como evitar o constrangimento daquela saia justa. Tentando em vão, manter a naturalidade, nos despedimos.
Ao chegarmos lá fora o cliente ainda surpreso e espantado me disse;
- Quer dizer que a mulher dele morreu faz trinta dias ? E os urubus estão ali esperando o que ?
- Antonio Carlos, não é o Sebastião que vai morar aqui não!!!!!
Chegamos ao escritório sem acreditar no que nossos olhos haviam presenciado. Não trabalhei mais aquele dia, ainda bem que existem mais três pessoas que me fazem ter a certeza de que eu não estava vendo coisas. Realmente todos nós vimos os urubus de Moema.
AC de Paula
Publicado no Recanto das Letras em 01/03/2007
Código do texto: T397865
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