domingo, 29 de setembro de 2013

DIREITOS E DEVERES DO LOCATÁRIO SÃO EQUILIBRADOS E ATUAIS


A Lei 8.245, de 18 de outubro de 1991, também conhecida como a Lei do Inquilinato, estabelece os direitos e deveres do locatário, não só no que diz respeito ao pagamento de aluguéis e encargos, mas também em relação à conservação do imóvel e a aplicação de multa, nas diferentes hipóteses de rescisão da locação. 

As obrigações do proprietário e do inquilino integram a Seção IV da referida Lei e encontram-se especificadas nos artigos 22 e 23 respectivamente, ficando claro que cabe ao locador o pagamento de despesas extraordinárias de condomínio, vale dizer, as que não dizem respeito aos gastos rotineiros de manutenção do prédio. 

Em relação a certas despesas, vez por outra surge dúvida quanto a quem cabe o seu pagamento, como é o caso do rateio do custo de demissão de funcionário antigo, anterior ao tempo da locação do imóvel, devendo prevalecer a proporcionalidade para aferir o que cabe a cada um. 

O locatário é obrigado a cumprir a Convenção e o Regulamento Interno do prédio, arcando com as penalidades na hipótese do seu descumprimento. Vale salientar que o responsável pecuniário perante o condomínio é o proprietário, que irá se ressarcir do gasto feito junto ao locatário. 

Na hipótese de rescisão da locação, motivada pela transferência do locatário pelo seu empregador, não incide a cobrança da multa contratual, desde que avise o locador com antecedência de 30 dias, por expressa disposição do artigo 4º, parágrafo único, da Lei 8.245/91. 

Na hipótese de denúncia imotivada, o inquilino responderá pela multa, obedecida a proporcionalidade ao período do descumprimento, em sintonia com o disposto no artigo 4º, da Lei do Inquilinato. 

A Lei faculta ao locatário, ainda, a rescisão antecipada do contrato, mediante o pagamento de multa, como foi visto acima, o que contudo é negado ao locador, que é obrigado a respeitar a locação, pelo prazo que for ajustado no contrato. 

É dever do locatário comunicar ao locador todo e qualquer problema que apresente o imóvel, tal como vazamento que cause ou sofra de outra unidade, deterioração de canos, parte elétrica, hidráulica e demais apetrechos que guarnecem o imóvel. 

Em caso de separação do casal, cabe ao locatário comunicar de imediato o fato ao locador, para que tome conhecimento de quem permanecerá no imóvel, vez que a Lei prevê que a "locação residencial prosseguirá automaticamente com o cônjuge ou companheiro que permanecer no imóvel" (artigo 12). 

Nessa hipótese, poderá o fiador exonerar-se da fiança, devendo o novo locatário buscar uma das garantias locatícias, viabilizando a sua permanência no imóvel. 

O locatário também poderá exercer o seu direito de preferência na aquisição do imóvel, desde que o faça no prazo de 30 dias, a partir de sua inequívoca notificação em relação às condições de venda almejadas pelo proprietário, que deverão ser bem pormenorizadas, inclusive quanto à exibição da documentação relativa ao imóvel. 

É obrigação do inquilino viabilizar o ingresso no imóvel de possíveis candidatos a sua compra, dentro de horário pré-definido, de comum acordo com o locador, caso não almeje a sua aquisição. 

Verifica-se do acima exposto que os direitos e deveres do locatário, previstos em lei prestes a completar 22 anos de vigência, são bem equilibrados e atuais, posto que decorrem de ampla discussão da sociedade, na qual todos os interessados tiveram chances de se manifestar. 

Arnon Velmovitsky é advogado especializado em Direito Imobiliário, Ouvidor da OAB-RJ e presidente da Comissão de Direito Imobiliário do IAB. 
Fonte: Revista Consultor Jurídico

sexta-feira, 27 de setembro de 2013

CRECI ESCLARECE: CONSÓRCIO IMOBILIÁRIO

60% DO PROCESSO DE COMPRA DE IMÓVEL É FEITO NA INTERNET, DIZ EXECUTIVO DO GOOGLE


O processo de compra de imóveis, que vai desde pesquisar até a compra efetiva, já é feito 60% pela internet e a tendência é que esse percentual aumente ainda mais, de acordo com a previsão do gerente de Negócios Imobiliários do Google Brasil, Igor Lima, apresentada durante sua palestra no V Encontro Brasileiro dos Corretores de Imóveis e no Congresso do Mercado Imobiliário realizado em Foz do Iguaçu, na semana passada.
Na opinião do executivo, cada vez mais consumidores procuram e compram imóveis pela web, sem a intermediação de um corretor. Só no ano passado, entre 30% e 35% das vendas de imóveis foram efetuadas a partir da internet.
Ele conta que esta mudança no comportamento de compra do cliente já foi percebida pelos empresários, mas o setor ainda não se adaptou completamente. Construtoras e incorporadoras ainda não utilizam a internet como ferramenta de atração de clientes, preferindo os meios tradicionais como televisão e impressos. Neste sentido, o gerente do Google Brasil acredita que os corretores de imóveis estão mais antenados com a transformação do mercado, usando mais as redes sociais e ferramentas da internet para auxiliar seu trabalho.
“Os empresários já perceberam que isso mudou. Mas o mercado imobiliário é muito tradicional. Eles vão ter que perceber isso na prática quando afetar os resultados”, dissse Lima. “Os corretores aprenderam muito mais rápido porque estão na ponta do processo lidando diretamente com o cliente. Eles estão vendo que o cliente chega no stand sabendo de tudo.”
O executivo ressalta que, entre cinco ou seis buscas realizadas por brasileiros na internet, em sites do mercado imobiliário, quatro imóveis são visitados e em somente dois os consumidores ficam interessados, o que significa que "as pessoas buscam muito mais imóveis, mas limitam as visitas.”
Fonte: InfoMoney

PROGRAMA HOME CENTER ENTREVISTA JOÃO TEODORO DA SILVA

CONHEÇA OS CINCO PRINCIPAIS ARGUMENTOS DE QUEM NEGA BOLHA IMOBILIÁRIA NO BRASIL


O risco de uma bolha imobiliária divide opiniões no Brasil, e o debate ficou mais caloroso depois de o profeta da bolha nos Estados Unidos, Robert Shiller, demonstrar preocupação com a rápida elevação dos preços dos imóveis em território nacional.
Bancos, economistas, consultorias e institutos de pesquisa passaram a se manifestar, enumerando os motivos pelos quais o País não pode ser comparado ao cenário que levou à crise de 2008 nos EUA. Os argumentos, contudo, parecem não ter acalmado o temor popular de uma derrubada repentina dos preços. Podem mesmo, terem dado mais motivos para a desconfiança. Como diz o próprio Shiller, a negação por parte de fontes qualificadas também precedeu o estouro da bolha imobiliária nos Estados Unidos.
Uma enquete com internautas do iG nesta quarta-feira (25) demonstrou que 71% dos 10 mil participantes acreditam que a bolha é real e terá consequências desastrosas. Outros 19% descartam a hipótese e atribuem o debate a um discurso alarmista.
Em meio à discussão, estudiosos e economistas expõem os principais argumentos de que o mercado imobiliário é seguro no Brasil. A principal razão é que o perfil do crédito nos mercados brasileiro e americano é totalmente distinto. A única semelhança, dizem, é o aumento acelerado dos preços dos imóveis.
1 – O crédito no Brasil é mais seletivo
Os bancos brasileiros são bem mais restritivos que os americanos, o que dificulta o acesso ao crédito por pessoas com alto risco de inadimplência. "Nos Estados Unidos houve concessão indiscriminada de crédito, com os famosos NINJAS ( no income, no job, no assets – sem renda, sem emprego estável e sem ativos de garantia)", lembra o professor Marcelo Milan, da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS).
As altas taxas de juros no Brasil – em torno de 10% ao ano – também tornam os financiamentos mais seletivos, na opinião do docente. Enquanto, no Brasil, os bancos costumam conceder o limite de um único imóvel financiado por comprador, nos EUA, cada consumidor podia hipotecar até dez unidades antes da crise de 2008, observa o professor do núcleo de real estate da Universidade de São Paulo (USP), João da Rocha Lima.
De acordo com o professor, o crédito imobiliário pode ser chamado de “irresponsável” quando é concedido a uma porção considerável de pessoas que não são capazes de pagar por ele.
2 – A financeirização é menor
Nos Estados Unidos, o crédito imobiliário – mesmo com alto risco – servia de base para outros tipos de crédito, como seguros contra inadimplência (os credit default swaps ). Esse mercado ainda é inexistente no Brasil, segundo Milan, da UFRGS. Além disso, o imóvel era usado como garantia para tomar crédito de consumo.
"O americano fazia hipoteca, segunda hipoteca, terceira hipoteca e pagava as parcelas do cartão de crédito [ com crédito lastreado no imóvel ]", explica o presidente do Conselho Regional dos Corretores de Imóveis do Rio de Janeiro (Creci-RJ), Manoel da Silveira Maia. "Aqui, não. Todo mundo cumpre as suas obrigações. Não há transação de papel, há transação de dinheiro."
Em palestra no último dia 12, o superintendente de Relações com Investidores do Itaú Unibanco, Geraldo Soares, explicou que a principal razão pela qual o banco descarta uma bolha no Brasil é que as operações de crédito não são alavancadas – com endividamento – como ocorreu em alto grau nos Estados Unidos.
3 – A especulação com imóveis residenciais é baixa
Um dos elementos que elevaram os preços dos imóveis nos EUA foi a crença de que eles subiriam infinitamente. Um descontrole desproporcional entre investidores ávidos por lucro e compradores interessados em ocupar o imóvel cria um cenário especulativo, gerando a oferta artificial no mercado.
Embora não haja dados sobre o nível de especulação no mercado imobiliário brasileiro, alguns indicadores sinalizam que a proporção de especuladores – aqueles com a intenção de obter altos ganhos no curto prazo – que compram imóveis residenciais é baixa no Brasil, e que a maioria dos consumidores adquire compra imóvel para morar.
Isso reduziria o risco, por exemplo, de o mercado ser inundado por imóveis se houver uma sinalização de queda significativa dos preços.
"No perfil de compradores da Caixa Econômica Federal [ que detêm mais de dois terços do crédito imobiliário do País ], cerca de 70% adquirem seu primeiro imóvel", afirma Claudio Bernardes, presidente do Secovi-SP. "Ninguém compra o primeiro imóvel para especular”, observa.
Para Cláudia Martinez, diretora do Banco Máxima, especializado em crédito imobiliário, o aumento da renda do brasileiro permitiu que ele mudasse seu perfil de endividamento, substituindo a compra de móveis pelo financiamento da casa própria. “As pessoas passaram a adquirir imóveis porque o aumento do prazo do financiamento tornou a dívida mais administrável”, argumenta.
4 – A cota financiada é mais baixa que nos EUA
A razão entre o valor do empréstimo concedido pelo banco e o preço do imóvel financiado – a cota de financiamento ( loan to value , em inglês) é menor no Brasil do que em outros países onde houve bolha. Segundo o último Relatório de Estabilidade Financeira do Banco Central, a cota média de financiamento imobiliário no Brasil foi de 75% em junho de 2013.
“Nos EUA, este percentual atingiu 110% no auge do desequilíbrio. O consumidor chegava a receber presentes e viagens por fechar o negócio – a um custo que os bancos acreditavam ser compensado com a valorização futura do imóvel”, explica o professor da USP.
Por aqui, o crédito imobiliário representou 7,5% do PIB (Produto Interno Bruto) em junho deste ano, enquanto nos EUA superava 80% da riqueza do país, em dezembro do ano passado. A relação crédito/PIB passa a preocupar, segundo analistas, quando está acima de 50%.
5 – Causas estruturais explicam a alta dos preços
Dos três elementos que explicam a alta de preços dos imóveis – crédito sem critérios, especulação e razões estruturais – este último é o único que descarta de imediato a existência de uma bolha. Segundo o docente de real estate da USP, é também o que melhor explica a recente escalada dos preços imobiliários no Brasil.
“De 2006 para cá, os custos dos insumos para a construção cresceram muito além da renda do mercado, impulsionados pela mudança de regras na ocupação de terrenos, que encareceu sua aquisição”, afirma. Isso fez com que as construtoras empurrassem a correção de preços como custo ao consumidor final.
Outro motivo estrutural teria sido a correção inflacionária, na opinião do economista e coordenador do índice FipeZap, Eduardo Zylberstajn. “Tenho a impressão de que o valor real dos imóveis no Brasil foi corroído pela hiperinflação do passado, e agora vivemos um período de ajuste”, acredita.
Essa correção, segundo o economista, acompanhou a melhora da qualidade do crédito no País, aliada a seu crescimento. “O mercado de crédito ficou mais seguro nos últimos anos”, reforça Zylberstajn.

Fonte: Taís Laporta e Vitor Sorano - iG São Paulo

A PROMESSA DE COMPRA E VENDA NO CÓDIGO CIVIL 2002


Define-se a promessa de compra e venda como espécie de contrato preliminar pelo qual as partes, ou uma delas, comprometem-se a celebrar adiante o contrato definitivo de compra e venda. É negócio de segurança, destinado a conferir garantias às partes quanto à relação substancial em vista.

A matéria era apenas versada em leis especiais. O Decreto-Lei no 58/37 e a Lei no 6766/79 cuidam, respectivamente, do compromisso de compra e venda de loteamentos rurais e urbanos, já que a Lei do parcelamento do solo urbano revogou o DL nº 58/37 na parte referente ao loteamento urbano. Agora o instituto é alçado à codificação como norma geral.

Para compreender o modelo da promessa de compra e venda, devemos analisá-la tanto sob o ângulo de uma relação obrigacional como ainda de um direito real à aquisição. Esclareça-se, por oportuno, que o código não incluiu a promessa de compra e venda no rol de contratos típicos, provavelmente por considerar que as suas linhas gerais estão delineadas na seção que trata do contrato preliminar (art. 462/466), cuja principal espécie é justamente a promessa de compra e venda. Daí que qualquer referência a este modelo ficou isolada em dois artigos no Livro de Direito das Coisas (art. 1.417/1.418, CC).

Na esfera obrigacional – caracterizada por relações interpessoais cujo objeto são prestações –, admite-se que o promissário comprador se vincula a uma obrigação de dar, caracterizada pelo pagamento de valores sucessivos, a fim de satisfazer integralmente a quantia ajustada com o promitente vendedor. Em contrapartida, assume este uma obrigação de fazer, de natureza obrigacional, consistente na cooperação para a formação do contrato definitivo pela outorga de escritura definitiva de compra e venda em prol do promissário comprador ao tempo da quitação.

Assim, quando integralizado o pagamento do preço, o promissário comprador intimará o promitente vendedor a outorgar-lhe escritura (realizar a prestação prometida de contratar) e, só depois de esgotado o prazo legal para fazê-lo, buscará a adjudicação compulsória por sentença, valendo como título para registro.

Contudo, a promessa, às vezes, é realizada fora das hipóteses de compra e venda a prestação. Basta lembrar situações em que algum evento impede ao comprador a imediata obtenção da escritura definitiva, como na aquisição de bens de um herdeiro na constância de inventário. Mesmo sendo o pagamento à vista, a promessa de compra e venda é celebrada e, após o registro do formal de partilha, as partes instrumentalizam a compra e venda definitiva.

O direito à adjudicação compulsória é oponível, inicialmente, ao promitente vendedor de forma voluntária ou, em caso de recusa, por ato jurisdicional, oriundo do próprio contrato e independente do registro. Trata-se de obrigação de fazer, que se configura mediante a outorga da escritura definitiva pela execução específica da obrigação de fazer, após o pagamento integral do preço pelo promissário.

Tanto a ação de adjudicação compulsória como a de outorga de escritura são ações pessoais, pois visam apenas suprir uma declaração de vontade omitida pelo promitente vendedor, nenhuma das duas objetivando transferir a propriedade. Nos dois casos a sentença produzirá o mesmo efeito do contrato a ser firmado, isto é, um título a ser levado ao registro para lavratura de instrumento público por qualquer tabelião.

Por conseguinte, já não há como embaralhar os conceitos do direito real e da ação de adjudicação compulsória. Esta ação é de natureza pessoal, esteja ou não registrado o compromisso.[1]

Afastada qualquer dúvida sobre a natureza obrigacional das ações de adjudicação compulsória ou outorga de escritura, como decorrência do contrato (art. 639, CPC), em 28/6/2000, o Superior Tribunal de Justiça editou a Súmula no 239, nos seguintes termos: “O direito à adjudicação compulsória não se condiciona ao registro do compromisso de compra e venda no cartório de imóveis.”

Daí o equívoco daqueles que supõem indispensável o registro do contrato de promessa de compra e venda para a procedência da pretensão à adjudicação. Como veremos adiante, o registro não interfere na relação de direito obrigacional, sendo apenas produtor de eficácia perante terceiros, que não participaram do contrato.

Exigir o registro para fins de adjudicação compulsória se mostra absolutamente assistemático. Não é razoável que apenas as promessas inscritas possam se beneficiar da tutela jurisdicional.[2]

Em síntese, a única diferença palpável entre a pretensão adjudicatória e a da outorga da escritura reside no objeto. Ao compromisso de compra e venda de lotes urbanos e rurais aplica-se a ação de adjudicação compulsória (art. 26, Lei no 6766/79 e art. 22, DL no 58/37); já a ação de outorga de escritura é utilizada nas promessas de compra e venda de imóveis não loteados, ora vedada nos arts. 1.417 e 1.418 do novo Código Civil.

Note-se que a sentença de procedência da ação de outorga de escritura terá natureza executiva lato sensu, dispensando qualquer providência posterior, seja a citação do devedor, seja a expedição de alvará. Consistirá o provimento jurisdicional apenas em ato equivalente à escritura que seria outorgada pelo particular, portanto passível de questionamento pelo oficial do registro nas hipóteses de afronta à Lei no 6.015/73, com suscitação de dúvida. O registro de sentença em processo de adjudicação compulsória pode ser denegado pelo oficial do Registro de Imóveis, da mesma forma que uma escritura pública de compra e venda o poderia.

Em síntese, a obrigação de fazer consistente em emissão de declaração de vontade, de que é espécie a de concluir contrato (art.639, CPC), é obrigação fungível. O que verdadeiramente interessa ao credor é o efeito jurídico decorrente do contrato prometido, pouco lhe importando ter sido ele produzido mediante participação voluntária do promitente vendedor ou por sentença em ação de execução específica que a substitua.

Fundamental é frisar que, apesar da ausência de solenidades – a promessa pode ser formulada por instrumento particular ou simples recibo, sem a limitação de valores descrita no art. 108, do CC –, o contrato preliminar deverá conter os requisitos de validade compatíveis com o do contrato definitivo prometido, já que a sentença não poderá criar o conteúdo do contrato que deveria ser voluntariamente concluído; ela apenas substitui a vontade integralmente aperfeiçoada do vendedor. Exemplificando, se à promessa de compra e venda não se colacionou a outorga uxória – exceto no regime da separação de bens -, vedada restará a via da outorga da escritura definitiva, pois esta necessariamente exigiria o suprimento do outro cônjuge para gerar direito real.

“A despeito da instrumentalização mediante um simples recibo, as partes celebraram um contrato preliminar, cuja execução se consumou com a entrega do imóvel ao compromissário-comprador e com o pagamento do preço por este último, na forma convencionada. Improcedência da alegação segundo a qual as negociações não passaram de simples tratativas preliminares” (STJ – REsp. no 145.204 – BA – Rel. Min. Barros Monteiro – 20/10/1998).

Em contrapartida, a promessa de compra e venda como direito real à aquisição surge quando o instrumento público ou particular da promessa é objeto de registro no Cartório de Registro de Imóveis (art. 1.417, CC). Nesse instante, o direito do promissário comprador alcança terceiros estranhos à relação contratual originária. A oponibilidade absoluta do direito real gera seqüela e torna ineficazes, em face daquele, as alienações e onerações posteriores ao registro do contrato preliminar. Esses efeitos decorrem apenas do registro, antes e independentemente do pagamento do preço.

Claro no tocante a esta bipartição de direitos é o art. 25 da Lei no 6.766/79, que dispõe sobre parcelamento do solo para fins urbanos: “São irretratáveis os compromissos de compra e venda, cessões e promessas de cessões, os que atribuam direito a adjudicação compulsória e, estando registrados, confiram direito real oponível a terceiros.”

O registro da promessa de compra e venda gera um direito real à aquisição, em caráter erga omnes, porém a pretensão ora descrita só poderá ser exercitada pelo promissário comprador após o pagamento integral do preço. Isto é, antes do adimplemento integral só há um direito eventual, que não impede eventual alienação do bem pelo promitente vendedor a um terceiro, pois ainda guarda consigo a titularidade do bem.

Assim, quando A se torna promissário comprador, sem contudo efetuar o registro, a relação obrigacional não impede que posteriormente o promitente vendedor B possa alienar o mesmo bem a C. Frustrado o direito obrigacional de A, em face de evicção, apenas lhe restará a demanda de perdas e danos em face de B.

Todavia, sendo o registro da promessa de compra e venda anterior ao ato dispositivo, consegue-se resguardar o crédito do promissário comprador pelo direito de seqüela, diante da ineficácia relativa da alienação praticada por B em favor de C, ensejando a possibilidade de A inserir o adquirente C no pólo passivo da ação de adjudicação ou da outorga de escritura.

A falta de registro faria com que, mesmo pago o preço, o promissário comprador não mais pudesse reaver o imóvel de terceiro. De fato, se o promitente vendedor alienasse o imóvel prometido à venda em detrimento ao direito obrigacional do promissário comprador, obstaculizar-se-ia o seu direito à execução específica do contrato, pois nenhuma sentença poderia substituir a vontade do promitente vendedor se ele já não mais se encontrasse na titularidade do imóvel ao tempo da quitação da promessa. Restaria ao compromissário o direito a indenização por perdas e danos resultantes do inadimplemento do contratante em sua obrigação de fazer.

Se o registro preventivo da promessa de compra e venda não é capaz de obstar qualquer ato de disposição por parte do promitente vendedor – não o torna inalienável absolutamente –, é mais que suficiente para inquinar de má-fé o terceiro adquirente, sendo prova prévia de fraude e conseqüente ineficácia relativa do negócio jurídico, ou inoponibilidade, perante o promissário comprador. Isto é, não se trata de recusa aos planos de existência e validade da alienação, pois, se por qualquer motivo a promessa de compra e venda for objeto de resolução, em razão do inadimplemento do promissário comprador, aquelas alienações posteriores à promessa de compra e venda produzirão seus normais efeitos entre os contratantes.

Julgamos que estas considerações são suficientes para que não se incorra na imprecisão terminológica de se referir ao direito real “à aquisição” como sinônimo de direito real “de aquisição”. Caso adotada esta locução, incidiríamos no equívoco de supor que o simples registro acarretaria, isoladamente, a aquisição do direito real. Vimos que em verdade isto não acontece. O registro produz direito real à aquisição, em face do vendedor e de terceiros, só e quando o promissário comprador cumpre a sua obrigação de integralizar as prestações.

O art. 1.418 do Código Civil não andou bem ao dispor que “o promitente comprador, titular de direito real, pode exigir do promitente vendedor, ou de terceiros, a quem os direitos deste forem cedidos, a outorga da escritura definitiva de compra e venda, conforme o disposto no instrumento preliminar; e, se houver recusa, requerer ao juiz a adjudicação do imóvel”.

Com efeito, conforme o visto à exaustão, o registro só é necessário para a proteção perante terceiros, sendo dispensável a sua formalização para a produção dos efeitos materiais decorrentes da relação obrigacional entre as partes originárias. A prevalecer a fórmula sugerida pelo novo Código Civil, invalida-se a retrocitada Súmula no 239 do Superior Tribunal de Justiça e reabre-se a bizantina discussão que se pensava finalmente superada. A nosso viso o equívoco praticado não resultou de um descuido na redação do dispositivo, sendo a intenção do legislador verdadeiramente atribuir ao registro a produção de efeitos obrigacionais, sendo suficiente remeter o leitor ao art. 463, parágrafo único que dispõe acerba da obrigatoriedade do contrato preliminar ser levado ao registro competente.

O Código Civil incorre no mesmo equívoco de antigas decisões do Supremo Tribunal Federal que interpretando literalmente o artigo 22 do Decreto-Lei 58/37 entendiam que somente era possível a adjudicação compulsória se o compromisso de compra e venda estivesse registrado.[3]

O art. 1.417 do Código Civil enfatiza que o direito real à aquisição não se formará quando, não obstante registrada, contiver a promessa de compra e venda a cláusula de arrependimento. Cuida-se de direito potestativo que confere ao promissário comprador a opção de resilir unilateralmente (art. 473, CC) o negócio jurídico, mediante a denúncia notificada a outra parte, impondo-se a devolução integral das quantias pagas.

Há de se observar que o direito de arrependimento foi proscrito do compromisso de compra e venda de lotes rurais e urbanos, sendo de essência a sua irretratabilidade. Pela Súmula no 166 do STF, “é inadmissível o arrependimento do compromisso de compra e venda ao regime do Decreto-Lei no 58”. Igual entendimento se extrai da leitura do art. 25 da Lei no 6.766/79.

Assim, não há possibilidade de inserção de cláusula de arrependimento, tanto nos contratos que envolvam lotes rurais (Decreto-Lei no 58/37) quanto nos que pertinem a lotes urbanos (Lei no 6.766/79). A vedação é de ordem pública, sendo plenamente justificável pela própria dinâmica dos contratos que envolvem loteamentos. Se fosse possível a retratação, o compromitente vendedor poderia livremente praticar a especulação imobiliária com a seguida venda e recompra de lotes por preços bem superiores aos obtidos nas transações anteriores.

Pela dicção do novo Código Civil, somente para os imóveis não loteados resta ainda possibilidade de arrependimento, mediante cláusula expressa no contrato, desde que não pago totalmente o preço. Caso contrário, entende-se que houve decadência ao exercício do direito potestativo de arrependimento, uma vez que haveria uma lesão à boa-fé do promissário comprador que adimpliu suas obrigações e flagrante abuso do direito por parte do promitente vendedor.

No regime do Código Civil de 2002 a impossibilidade de arrependimento é colocado como requisito inafastável para a constituição do direito real. Em verdade o que autoriza a adjudicação não é o direito real, mas a impossibilidade de arrependimento.[4]

Em virtude de sua irretratabilidade, entendemos apropriada a adoção da expressão compromisso de compra e venda, no que se refere aos contratos preliminares de aquisição de lotes urbanos e rurais, enquanto a promessa de compra e venda – passível de retratação – concerne aos imóveis não loteados, doravante regidos pelo Código Civil.

Ora, se no contrato de compromisso de compra e venda inexiste possibilidade de exercício de direito de arrependimento, temos um contrato preliminar impróprio. Isto é, com a prova do pagamento do preço, o compromissário comprador é dispensado de procurar um segundo acordo de vontades, já que o adimplemento integral é justificativa suficiente ao alcance do registro do direito de propriedade, dispensando-se a superfetação de se promover uma escritura definitiva de compra e venda. Neste sentido, o art. 41, da Lei nº 6.766/79 aduz que “...o adquirente do lote, comprovando o depósito de todas as prestações do preço avençado, poderá obter o registro de propriedade do lote adquirido, valendo para tanto o compromisso de compra e venda definitivamente firmado”.

Nas hipóteses de compromisso sobre imóveis não-loteados, uma vez recebido o preço pelo compromitente vendedor, nada de positivo, útil e juridicamente válido permanece na sua titularidade. Só restou uma parte negativa, isto é, uma obrigação, a obrigação de outorgar uma escritura.[5]

Finalizando, advirta-se que a Lei no 9.785/99, dentre outras providências, criou nova modalidade de desapropriação por utilidade pública em prol da classe de menor renda, mediante a implantação de loteamentos e conjuntos habitacionais, denominada desapropriação para implantação de parcelamento popular. Reflexamente, o novo instituto alterou e acresceu dispositivos à Lei no 6.766/79, permitindo a cessão da posse dos imóveis objeto de expropriação e, posteriormente, da transferência da propriedade a particulares, decorrendo o registro definitivo das promessas de compra e venda de simples apresentação de recibo de quitação, eliminando a exigência da escritura definitiva ou de eventuais providências judiciais complementares – adjudicação compulsória ou ação de outorga de escritura (art. 26, § 6o, Lei 9.785/99). A interpretação do art. 26, § 6º, é no sentido de que qualquer compromisso de compra e venda se aterá aos seus ditames, não apenas os loteamentos populares e conjuntos habitacionais.

No sistema do Código Civil o contrato preliminar próprio será o negócio jurídico de promessa de compra e venda de imóveis não-loteados, pois o art. 1.418 mantém a exigência de efetivação de dois contratos sucessivos para se alcançar a propriedade: a promessa de compra e venda (contrato preliminar) e a compra e venda (contrato definitivo).

“Segundo a moderna doutrina, a que se referem José Osório de Azevedo Jr. E Orlando Gomes, dentre outros, há duas modalidades de contratos preliminares de compra e venda: o próprio, que representa mera promessa, preparatório de um segundo, e o impróprio, irrevogável e irretratável, contrato em formação que vale por si mesmo e dispensa a pactuação de outra obrigação” (STJ, REsp. nº 35.840/SP, 4º T, Rel.Min. Sálvio de Figueiredo, DJ, de 11.11.1996).

A nosso viso, o Código Civil não foi feliz ao filiar o contrato de promessa de compra e venda à modalidade do contrato preliminar. Basta pensar que ao tempo do adimplemento integral das prestações pelo promissário comprador, a propriedade que remanesce em poder do vendedor é apenas um resíduo formal do registro, pois as potencialidades materiais da coisa já se encontram a serviço do comprador. Duas conseqüências do regime são particularmente ingratas: a) o encarecimento do preço para a aquisição da propriedade, pois novos custos surgirão da necessidade de outorga de uma segunda escritura, agora de compra e venda; b) o próprio desinteresse do comprador em outorgar a escritura definitiva ou mesmo o seu falecimento ao transcurso do pagamento, o quê implica na necessidade de ajuizamento de ação de outorga de escritura ou ingresso com pedido de alvará em inventário, o quê demanda desperdício de tempo e custos, na própria contramão da diretriz da operabilidade, tão cara a Miguel Reale.

A legislação especial ressalta o equívoco do art. 1.418 ao insistir na formalidade da obtenção da escritura definitiva de compra e venda para fins de posterior registro e transmissão da propriedade. Trata-se de mero formalismo, inócuo em um país com inúmeras demandas sociais. Perdeu-se bela oportunidade de se aceitar que o contrato preliminar pudesse ser diretamente levado a registro, sendo bastante que o interessado comprovasse a quitação do débito.

[1] Sílvio de Salvo Venosa. Direitos Reais, p. 576. Atlas. 2003.
[2] Eduardo Kramer. Algumas anotações sobre direitos reais no novo Código Civil, p. 210. In O novo código civil e a constituição. Livraria do Advogado. 2002.
[3] Marco Aurélio Bezerra de Melo. Direito das Coisas, p. 278. Lúmen Juris. 2002.
[4] Marco Aurélio Viana. Comentários ao novo código civil. Direitos reais, p. 694. Editora Forense, 2003.
[5] José Osório de Azevedo Júnior. O Compromisso e a compra e venda, p. 455. In O novo código civil. Estudos em homenagem ao Prof. Miguel Reale. LTR. 2002.

Autor: Nelson Rosenvald - Procurador de Justiça – MG / Professor de Direito Civil

quinta-feira, 26 de setembro de 2013

A CCI CARTULAR, A TRANSMISSÃO DA PROPRIEDADE E A ILUSÃO DO REGISTRO


O problema
Os cartórios de Registro de Imóveis começam a receber pedidos de cancelamento de registro da alienação fiduciária pelo implemento da condição (pagamento da dívida).
Ocorre que, em muitos casos, os direitos foram cedidos pelo titular (proprietário fiduciário) por meio de CCI´s – cédulas de crédito imobiliário, emitidas para fins de obtenção de novos recursos.

Nestas circunstâncias, novos titulares de direitos surgem, em substituição aos credores originários. Findo o contrato, remanesce a necessidade de se fazer o cancelamento do registro de alienação fiduciária, nos termos do Art. 25, § 2º da Lei 9.514, de 1997, já que o pagamento da dívida (e seus encargos), resolve de pleno direito a propriedade fiduciária. Diz a Lei:
§ 1º No prazo de trinta dias, a contar da data de liquidação da dívida, o fiduciário fornecerá o respectivo termo de quitação ao fiduciante, sob pena de multa em favor deste, equivalente a meio por cento ao mês, ou fração, sobre o valor do contrato.
§ 2º À vista do termo de quitação de que trata o parágrafo anterior, o oficial do competente Registro de Imóveis efetuará o cancelamento do registro da propriedade fiduciária.

Porém, o subscritor de tais requerimentos (intitulado “credor fiduciário”) é outro que não aquele que figurou no registro como titular da propriedade fiduciária.

Constatada a quebra da continuidade, o Cartório acaba devolvendo o título para que se reate o trato sucessivo. É nessa ocasião que são apresentadas declarações passadas por entidades integrantes de sistemas centralizados de custódia e liquidação financeira de títulos privados atestando que ocorrera a cessão do crédito e que o atual titular seria terceiro e não o fiduciário originário.

O problema, então, surge, com toda a complexidade.

Fundamento da resistência
O singelo fundamento da denegação da averbação e devolução do título é o art. 195 e 237 da Lei 6.015, de 1973, que rezam:
Art. 195 – Se o imóvel não estiver matriculado ou registrado em nome do outorgante, o oficial exigirá a prévia matrícula e o registro do título anterior, qualquer que seja a sua natureza, para manter a continuidade do registro.
Art. 237 – Ainda que o imóvel esteja matriculado, não se fará registro que dependa da apresentação de título anterior, a fim de que se preserve a continuidade do registro.

Os interessados, via de regra bancos comerciais, arrostam a devolução sustentando que os §§ 1º e 2º do art. 22 da Lei 11.931, de 2004, autorizariam o cancelamento perseguido já que a cessão de crédito estaria “dispensada de averbação no Registro de Imóveis“. 

Citam, em arrimo da tese, o art. 22 da Lei 9.514, de 1997. Aqui vai o conjunto normativo:
Art. 22. A cessão do crédito representado por CCI poderá ser feita por meio de sistemas de registro e de liquidação financeira de títulos privados autorizados pelo Banco Central do Brasil.
§ 1º A cessão do crédito representado por CCI implica automática transmissão das respectivas garantias ao cessionário, sub-rogando-o em todos os direitos representados pela cédula, ficando o cessionário, no caso de contrato de alienação fiduciária, investido na propriedade fiduciária.
§ 2º A cessão de crédito garantido por direito real, quando representado por CCI emitida sob a forma escritural, está dispensada de averbação no Registro de Imóveis, aplicando-se, no que esta Lei não contrarie, o disposto nos arts. 286 e seguintes da Lei no 10.406, de 10 de janeiro de 2002 – Código Civil Brasileiro.

A questão estaria aparentemente superada. A simples declaração passada por entidades integrantes de sistemas centralizados de custódia e liquidação financeira de títulos privados (art. 7º, § 1º da Lei 9.514/1997) poderia suprir a necessidade de título legitimo registrado para configurar a situação jurídica do proprietário fiduciário, cessionário do crédito.

Mas a questão fulcral que não foi enfrentada é seguinte: pode a transmissão da propriedade resolúvel dar-se sem o respectivo registro? É disso que se trata. A cessão do crédito (principal) implicaria a sucessão singular na propriedade fiduciária (elemento acessório). Como fazê-lo sem que se cumpra o art. 1.245 do CC?

A propriedade é um direito real (CC. art. 1.225, I) que se transfere “mediante o registro do título translativo no Registro de Imóveis” (CC, art. 1.245).
As potentes presunções que decorrem do registro são confirmadas pelo código civil no dito art. 1.245, § 1º:

Enquanto não se registrar o título translativo, o alienante continua a ser havido como dono do imóvel.

A regra de direito material percute na Lei 6.015, de 1973 – art. 252 da LRP:
Art. 252 – O registro, enquanto não cancelado, produz todos os efeitos legais ainda que, por outra maneira, se prove que o título está desfeito, anulado, extinto ou rescindido.

Calha dizer que o art. 1.227 do CC também obriga a transmissão dos direitos reais à formalidade essencial do registro:
Art. 1.227. Os direitos reais sobre imóveis constituídos, ou transmitidos por atos entre vivos, só se adquirem com o registro no Cartório de Registro de Imóveis dos referidos títulos (arts. 1.245 a 1.247), salvo os casos expressos neste Código.

Tirante a babel nominalista que cega o legislador – que o faz confundir, adrede, averbação com registro, o fato é que estamos diante de uma mutação jurídico-real, ainda que consubstanciada no Ofício Imobiliário por averbação da cessão.

Como superar as exigências de caráter formal representadas por este conjunto normativo?

Uma nova perspectiva gostaria de propor aos especialistas e instaurar uma discussão: a cessão do crédito garantido pelo direito real está dispensada do registro quando e somente quando não implicar a transmissão da propriedade ou da titularidade de um direito real.

Uma coisa é o crédito garantido por um direito real, outra a propriedade. Aquele poderia ser cedido nas condições previstas na Lei, não a propriedade ou o direito direito real. Isso seria possível, por exemplo, na cessão caucionária do crédito (art. 17, III, c.c. § 1º da Lei 9.514/1997). Ou na cessão de direitos que servem de lastro para o crédito imobiliário mas que não dependem do registro para sua constituição (eficácia) e publicidade (para usar as expressões que se insinuaram no art. 63-A da Lei 10.931, de 2004).

O art. 289 do CC, expressamente referido na Lei 9.514/1997 (§ 2º do art. 22), faculta a cessão mas o apoio que se fez neste dispositivo somente confirma a tese aqui desenvolvida. Isto porque:
(a) o artigo 286 do CC alude relações obrigacionais (“instrumento da obrigação”);
(b) o art. 289 do mesmo código prevê o direito do cessionário de averbar a cessão no caso de cessão do crédito hipotecário – não a transferência da propriedade.
Art. 289. O cessionário de crédito hipotecário tem o direito de fazer averbar a cessão no registro do imóvel.

Poder-se-ia, então, sustentar, em conclusão, que a cessão do crédito garantido por direito real estaria dispensada da averbação quando não implicasse a mutação jurídico-real na titularidade do direito, representando, o § 2º da Lei 10.931, de 2004, uma hipótese exceptiva no contexto das cessões possíveis no âmbito das CCI´s.

Porta aberta à fraude
A dispensa do registro da propriedade é a porta aberta para a fraude e a desestruturação do sistema de registro imobiliário no Brasil.

Sem o registro dessas mutações jurídicas, como se poderia saber quem é o proprietário?
Seria necessário diligenciar as centrais de custódia autorizados pelo Bacen e CVM para se saber? Quantas são? Onde estão? Estão interconectadas? A emissão fracionária é controlada por todas elas?

Uma vez cedido o crédito sem o registro, uma outra cessão sempre será possível, pois o registro promove a publicidade da situação jurídica do imóvel – eixo fundamental da garantia real. Essa segunda cessão poderia, inclusive, ser averbada, com o completo desconhecimento da primeira.

Numa disputa judicial, instaurado o concurso preferencial, quem teria a preferência do direito real numa eventual excussão (art. 768 do CPC)? Isso sem falar na emissão fracionária da cédula (art. 18 e seus parágrafos da Lei 10.931/2004)… Vê-se que é praticamente impossível aferir os títulos de preferência que os direitos reais conferem sem o Registro Imobiliário.

Os titulares de direitos reais, que deverão ser obrigatoriamente cientificados da alienação forçada (art. 698 do CPC), dificilmente serão identificados na dispersão executiva decorrente da especialização judiciária se não figurarem na certidão expedida para os fins e efeitos do art. 659, parágrafos 4 e 5 do CPC.

Outras questões relevantes podem ser agitadas. Por exemplo, a constituição do devedor em mora e consolidação da propriedade em nome do fiduciário. Quem terá a iniciativa de tomar as providências previstas no art. 26 da Lei 9.514, de 1997. Em nome de quem se consolidará a propriedade se o cessionário não se legitimou pelos mecanismos do Registro?

Essa é a razão pela qual entendemos que a cessão de crédito, instrumentalizada pelas CCI´s, quando envolver a transmissão da propriedade (fiduciária) deve transitar pelo Registro de Imóveis competente – ainda que a transmissão da propriedade se opere, nestes casos, por mera averbação.

Fonte: Imprensa ARISP

Nota do Editor:
A CCI é o documento representativo do crédito originado pela existência de direitos de crédito imobiliário com pagamento parcelado. A cédula é emitida pelo credor, com o objetivo de facilitar e simplificar a cessão do crédito. Desse modo a cédula atende o mercado da securitização, agilizando a negociação de créditos uma vez que a cessão pode ser feita mediante o endosso no próprio título, sem necessidade de uma formalização com um contrato de cessão.
A principal virtude das CCIs de um modo geral é que sua negociação se faz independentemente de autorização do devedor, uma característica indispensável para adequar o crédito imobiliário às condições de negociação no mercado financeiro e de capitais.
Além da tradicional forma cartular (em papel), a lei admite a emissão de CCI escritural, compatível com a evolução tecnológica de uso de meios eletrônicos para realização de negócios. Trata-se de título emitido por escritura pública ou particular, que permanece custodiada em instituição financeira, sendo registrada por meio de sistemas de registro e liquidação financeira de títulos privados, autorizados pelo Banco Central do Brasil. A movimentação das CCIs escriturais é feita por sistemas eletrônicos de negociação. (Excerto do texto de Acrux Capital Management)

quarta-feira, 25 de setembro de 2013

LEILÃO DE IMÓVEIS COMO ALTERNATIVA EM CENÁRIO DE ALTA IMOBILIÁRIA


É de conhecimento comum que grande parte da riqueza das famílias, não só no Brasil, mas ao redor do mundo, se concentra em bens imóveis. Os imóveis servem ao propósito primordial de nos prover um lar, bem como servem também ao propósito de diversificar os investimentos e garantir uma reserva de valor no decorrer dos anos a quem se dispõe a investir neles.

É fato que no Brasil está havendo uma crescente valorização imobiliária nos últimos anos. Mais do que isso, o mercado imobiliário brasileiro tem atingido índices recordes de preços e valorização. Acabaram de sair os números do setor do SECOVI-SP com relação a vendas de imóveis na cidade de São Paulo, apontando uma surpreendente alta de 46% no volume de vendas no 1º. semestre de 2013, comparado com o mesmo período do ano anterior[i].

Mesmo com a persistente alta de preços no mercado imobiliário brasileiro, ainda assim a indústria prevê significativa expansão no segmento, já que ainda há muito espaço para a expansão do crédito imobiliário no país. De fato, de acordo com relatório do Banco Central do Brasil, o déficit habitacional brasileiro ainda é imenso e a percentagem do PIB em crédito imobiliário no país é baixa, em torno de 2% do PIB, sendo certo que é muito menor do que em países como EUA (68%), Alemanha (45%) ou Chile (20%)[ii].

Nesse cenário de valorização imobiliária, nos últimos anos o melhor investimento no Brasil tem sido adquirir imóveis. Proprietários de imóveis em grandes cidades brasileiras viram seu patrimônio até triplicar em valor nos últimos dez anos.
Investidores que apostaram na arrematação de imóveis em leilão tiveram lucros ainda mais expressivos, já que os imóveis são adquiridos por preços menores do que os valores de mercado.

Em leilões judiciais da Justiça Trabalhista, por exemplo, os valores mínimos para arrematação se iniciam em 40% do valor de avaliação do bem. Na Justiça Estadual, os valores mínimos para arrematação podem começar em 60% do valor de avaliação do bem, quando os mesmos vão a leilão em “segunda praça”[iii].

É claro que fazer uma boa arrematação depende de conhecimento, uma boa assessoria e também do fator sorte. Porém, para os investidores que se dispõem a entrar nesse sofisticado mercado, o retorno pode ser incomparavelmente maior do que os produtos em oferta do mercado financeiro.

Notas:

[i] Fonte: http://www.secovi.com.br/noticias/secovi-sp-divulga-balanco-do-mercado-imobiliario-no-1-semestre/6608/.
[ii] Fonte: http://www.bcb.gov.br/busca.asp?consulta=iorio+imobili%E1rio amp;pesquisar.x=0&pesquisar.y=0.
[iii] A “segunda praça” ocorre quando não há arrematantes em primeira praça ou leilão.

Autora: Tânia Borges
Fonte: meuadvogado.com.br 

PELEGRINO CRITICA MODO COMO A PREFEITURA DE SALVADOR ESTÁ RECADASTRANDO IMÓVEIS


O deputado federal Nelson Pelegrino (PT-BA) defende a necessidade de fazer o recadastramento dos imóveis de Salvador, porém não no formato que a Prefeitura de Salvador está executando. “Estipular um prazo curto de 30 dias para recadastramento considerando a complexidade de muitos imóveis na cidade é uma incoerência. E o que é pior, atribuir uma multa abusiva de R$412,62 que irá atingir a parcela menos favorecida da população, principalmente os que ganham salário mínimo, sendo que a responsabilidade de recadastrar é da prefeitura, que arrecada impostos para isso”.

O parlamentar pontuou ainda que o aumento do valor Imposto sobre Transmissão Intervivos (ITIV) e do IPTU podem trazer impactos diretos tanto para o setor da construção civil quanto no programa do Governo Federal Minha Casa Minha Vida. “Não é o momento de aumentar impostos. “Estamos vivendo o processo de judicialização do PDDU e da Louos. Isso trouxe um desaquecimento para o mercado imobiliário, que é uma atividade importante que emprega milhares de pessoas, isso  já é um desestímulo. A questão do ITIV, por exemplo, traz impactos nos custos  dos empreendimentos do Minha Casa Minha Vida em Salvador. Isso pode tornar desinteressante ou diminuir os números de novos empreendimentos na cidade para o futuro”, declarou o petista.

Por fim, Pelegrino acrescentou ser indispensável neste momento unificar os cadastros, que não se comunicam. “A Prefeitura tem que fazer a digitalização da base cartográfica, o registro digital e então partir para o trabalho de campo, confirmando os dados, e não obrigar o contribuinte a fazer o recadastramento. Muitos não têm a cultura de navegar na internet. Quem impõe um ônus desse não conhece a cidade”, afirmou.

Última semana
O prazo para o cadastramento / recadastramento termina no próximo dia 30 de setembro, à meia-noite. Até a manhã desta terça-feira, 24, 401.580 proprietários / possuidores de imóveis já realizaram o recadastramento, sendo 70.875 novos cadastros, 330.679 recadastramentos e 3.845 cadastramentos de condomínios. Os contribuintes que concluírem o recadastramento garantem o desconto de 10% no IPTU em 2014 e 2015 e imóveis com o valor de mercado de até R$ 100 mil terão isenção do pagamento do IPTU.

O recadastramento não tem qualquer objetivo arrecadatório. Visa apenas conhecer os imóveis da cidade para melhor planejar as ações de saúde, educação, assistência social, limpeza urbana e transporte público.

“Nós estamos dando muitas vantagens para os contribuintes, como desconto de 10% no IPTU de 2014 e 2015, perdão das dívidas dos últimos cinco anos para os imóveis não cadastrados, entre outros. Porém, o recadastramento é obrigatório e aqueles que não fizerem pagarão a multa prevista na lei de R$ 412,00 e ainda perderão as isenções”, afirma o secretário municipal da Fazenda, Mauro Ricardo.

A Sefaz relembra que o prazo para entrega da cópia dos documentos de propriedade do imóvel é em até 15 dias após a realização do cadastro na internet. Os documentos podem ser enviados pelos correios à SEFAZ, entregues em um dos postos da Prefeitura, localizados nos SACs, ou na Sede da Sefaz e agora também na SUCOM, localizada na Avenida ACM, no Edifício Thomé de Souza.

A expectativa é que até o final do prazo, 30 de Setembro, 100% dos imóveis, cerca de um milhão, sejam recadastrados. “Recomendo que não deixem para a última hora”, afirma Mauro Ricardo.

Fonte: Tribuna da Bahia

terça-feira, 24 de setembro de 2013

AÇÃO RENOVATÓRIA NAS RELAÇÕES LOCATÍCIAS EM SHOPPING CENTER


No âmbito das relações comerciais, o contrato de locação não residencial se mostra de suma importância na medida em que possibilita ao empresário instalar o seu empreendimento num determinado local sem incorrer num alto custo de aquisição imobiliária, podendo, por exemplo, direcionar os seus investimentos a outras questões prioritárias, como contratação de mão de obra, treinamento da equipe, publicidade, etc. 

E justamente com a intenção de fomentar o comércio, o legislador pátrio, com a ação renovatória, protegeu o locatário a fim de resguardar o seu ponto comercial face ao interesse do locador na retomada do imóvel. 

A ação renovatória, assim, é um importante instrumento de preservação da atividade empresarial do locatário, sendo cabível a sua propositura desde que observados os requisitos do artigo 51 da lei do inquilinato. 

Apenas relembrando, para que seja possível o ajuizamento da ação renovatória é necessário (i) que o contrato tenha sido celebrado por escrito e com prazo determinado, (ii) que o prazo mínimo do contrato ou a soma dos prazos ininterruptos dos contratos escritos seja de cinco anos e (iii) que o locatário esteja explorando o mesmo ramo de comércio pelo prazo mínimo e ininterrupto de três anos.

Diga-se que a ação renovatória deve ser proposta “...no interregno de um ano, no máximo, até seis meses, no mínimo, anteriores à data da finalização do prazo do contrato em vigor”, nos termos do parágrafo 5º do art. 51 da lei 8.245/91. Importa ressaltar também que referido prazo tem natureza decadencial, não admitindo suspensão ou interrupção. 

Não resta dúvida que o instrumento em referência se presta à defesa do fundo de comércio. 

A questão aqui proposta é se a ação renovatória confere a mesma amplitude de proteção àqueles locatários situados nos empreendimentos denominados shopping centers. 

Vejamos:
Tais empreendimentos imobiliário-empresariais têm por objetivo colocar à disposição de um determinado nicho de consumidores uma grande quantidade de fornecedores de produtos e prestadores de serviços. Para tanto, o empreendedor define o público-alvo e organiza os espaços de modo que possa atingir o maior retorno econômico possível.  

Muito embora a relação entre lojista e empreendedor possua natureza locatícia - o que se depreende da própria lei do inquilinato, há alguns aspectos que se diferenciam da locação empresarial comum. Alguns exemplos dessa diferenciação: o locador/empreendedor não pode retomar o imóvel para uso próprio; os aluguéis podem ser ajustados com base no faturamento, que será auditado pelo locador; o locatário deverá pagar a res sperata, valor correspondente à vantagem de explorar o sobrefundo de comércio do shopping; vinculação do lojista à associação de lojistas do empreendimento; mensalidade dupla em dezembro, devida em função do incremento das vendas. 

Todavia, a despeito das diferenças de ordem contratual relativas à locação empresarial comum e à locação empresarial no contexto do shopping center, a lei do inquilinato dispõe que ao locatário situado nesses empreendimentos também socorre a ação renovatória.

Com efeito, nada mais natural do que resguardar o fundo de comércio conquistado no exercício regular de sua atividade empresarial, desde que observados, evidentemente, os requisitados aqui já esposados.

Cumpre anotar que, por outro lado, assiste ao empreendedor o direito de propriedade sobre o complexo, cabendo a ele definir o tenant mix e avaliar se as lojas estão apresentando resultados satisfatórios ou não.

Por tal razão, caso um lojista esteja em desacordo com a performance esperada pelo empreendedor e pelos demais locatários (que igualmente possuem legítimo interesse no sucesso econômico de todo o complexo), é possível que o locador, demonstrando a desconformidade em juízo, se negue a renovar o contrato de locação com base num fundamento econômico e exerça a retomada com fundamento no seu direito de propriedade – até mesmo para manter a função social do empreendimento. 

Considerando que a possibilidade do locador alegar prejuízo ao empreendimento não existe na locação empresarial simples, em que não há um sobre fundo de comércio e terceiros interessados na performance econômica do locatário, entendemos que a ação renovatória proposta pelo locatário situado em shopping pode não ter a mesma extensão protetora que teria caso o locatário estivesse situado fora desse contexto. 

É a situação fática que deve ser levada em consideração: é possível que o locador/empreendedor não esteja mais obrigado a renovar o contrato (ainda que presentes os requisitos do artigo 51 da lei 8.245/91) caso consiga demonstrar que o locatário está, de algum modo, concorrendo para o insucesso do empreendimento. Havendo a retomada do imóvel, ao locatário caberá apenas a indenização, se o caso, pela perda do ponto – prevalecendo, então, o direito de propriedade do empreendedor e a sua prerrogativa de reorganizar, da melhor forma possível, aquele complexo empresarial.

Lincoln da Matta Fernandes e João Marcos Zanata Milleo são estagiários no escritório Negromonte & Prado Advogados.  / Fonte: Migalhas de Peso