Em recente palestra durante o congresso da BM&FBovespa, em Campos do
Jordão, no último fim de semana, o professor Robert Shiller disse que não vê
nenhuma justificativa para a magnitude da alta dos preços dos imóveis
nos últimos cinco anos no Brasil.
“Como resultado, os investidores terão de se acostumar a um ambiente de
retornos decrescentes e carteiras que deterão os ativos mais duros como
commodities e menos tangíveis em ativos financeiros, como ações”, afirma Bill Gross, fundador e diretor de gestão da Pimco, gestora do maior fundo de títulos de dívida do mundo .
Veja os principais trechos da palestra de Shiller:
Como nasce uma bolha
Economistas nem aceitavam a existência de bolhas há 30 anos, nem
existia esse termo nos livros de finanças. Uma bolha é algo contagiante
que nasce da percepção das pessoas que é fácil ganhar dinheiro com algo.
O entusiasmo é alimentado pela mídia, que ajuda a inflar a bolha. Todo
mundo pensa sobre os tópicos da moda e ninguém quer saber sobre o que
não está em foco. As pessoas reagem com emoções, não conseguem ficar de
fora quanto entendem que é fácil ganhar dinheiro de alguma forma.
Imagine se não houvesse psicologia nesse processo todo, se todo mundo
tivesse expectativas racionais. O problema é que isso não existe. As
pessoas acham que as coisas são estáveis e não vão se dar conta de que
os preços podem cair até eles caírem.
A bolha imobiliária no Brasil
Suspeito que haja uma bolha imobiliária no Brasil. Os imóveis mais
que dobraram de preço no Rio de Janeiro e em São Paulo nos últimos cinco
anos (segundo números da pesquisa FipeZAP). O que aconteceu em cinco
anos de tão dramático para os preços subirem assim? A inflação não foi
muito menor? Os preços caíram 25% em Los Angeles e Nova York no mesmo
período. E por que os preços no Brasil foram para cima
ininterruptamente? Eu não posso cravar que exista uma bolha no Brasil
porque não conheço a fundo as características do mercado local. Mas
comparando os dados brasileiros com os de outros países, posso dizer que
a alta sugere cautela. Os preços dos imóveis no Japão tiveram o mesmo
movimento na década de 1980 e depois, no início dos 1990, começaram a
cair sem parar e perderam dois terços do valor até agora. São pessoas
que investem em imóveis, não são “hedge funds”. Você acha que os preços
dobraram por fundamentos econômicos ou por um movimento psicológico?
Imóveis sobem de acordo com o custo da construção
Em meu livro Exuberância Irracional, analisei os preços dos imóveis
desde 1890 nos EUA. Os preços começaram a subir na década de 2000 de uma
forma que nunca havia acontecido antes. O único período em que houve
uma alta quase tão representativa foi após a Segunda Guerra Mundial
porque ninguém construiu imóveis durante o conflito, já que todo o
esforço de produção se concentrou na indústria bélica. Quando os
soldados voltaram, havia um monte de gente precisando de casas, mas
nenhuma oferta. Os especuladores perceberam, compraram e houve uma forte
alta. Então sempre haverá picos e oscilações. Mas analisando os preços
no período de 110 anos como um todo, é possível perceber que a alta foi
muito parecida com a elevação dos custos da construção no período. Se os
preços sobem muito em uma cidade, os americanos fazem uma nova cidade,
simples assim. Não entendo por que as pessoas acham agora que os valores
vão subir para sempre na China, Taiwan, Hong Kong, Índia, Rússia,
Colômbia e Canadá. Eu não consigo entender o que está acontecendo nesses
países. Os emergentes estão enriquecendo e as pessoas acham que os
imóveis vão ficar mais caros ainda daqui a algum tempo. Mas isso não é
verdade. O que manda no preço dos imóveis são os custos da construção. O
problema é que os custos deveriam cair – e não subir. A tecnologia de
construção vai sempre melhorar. E por que os preços subiram tanto até
2008? Não teve nada demais. Repito: os preços dos imóveis subiram nos
EUA de acordo com a inflação desde 1890, o país teve um enorme
desenvolvimento nesse período, mas nem assim os preços subiram. Isso é
um dado histórico.
Antídoto contra bolhas
Vários países estão tomando medidas para conter o mercado
imobiliário, como Israel e China. O Brasil está elevando a taxa de
juros. Se o governo criar uma boa infraestrutura e investir em
mobilidade urbana, por que as pessoas vão querer pagar tanto para estar
em determinado local? Em Nova York, há bairros longe de Manhattan que
atraem as pessoas, o que ajuda os preços a cair. O programa Minha Casa,
Minha Vida mostra que o governo está preocupado com as pessoas, mas isso
pode ter ajudado a puxar os preços para cima. O governo deve retirar as
barreiras para construção de mais imóveis. Se o governo quer dar
incentivo à demanda, é preciso também pensar na oferta de novos imóveis.
Entendo que um médico não possa promover um remédio antes que seja
comprovado que ele é eficaz para curar uma doença. Mas os financistas
devem alertar a população sobre os riscos de bolhas mesmo que não seja
possível comprová-las – porque as perdas depois são dolorosas.
Discurso antibolha
Eu sinto que tenho que avisar as pessoas que estão felizes com a alta
dos preços que as coisas podem andar na direção contrária. É preciso
falar sobre a possibilidade de uma bolha ainda que eu não posse provar
sua existência. Tem muitos interesses que querem que o jogo continue.
Mas o governo precisa conter excessos. Quando aumentou os juros no
passado, o Federal Reserve foi bastante criticado por “mandar tirar a
bebida assim que a festa começava”. Mas depois de 2008, com a crise de
subprime, o próprio G7 começou a fazer alertas sobre bolhas em seus
comunicados. Até então havia a sensação de que o mercado é perfeito e
corrige ele mesmo eventuais excessos. Os governos agora são mais
cautelosos e alertam a população.
Bolha e crescimento
O Japão continuou a crescer apesar do estouro da bolha imobiliária na
década de 1990. A bolha nos EUA foi trágica . Mas não quero exagerar, o
país já voltou a crescer. O Brasil, mesmo que tenha uma bolha, ainda
vai poder ter um futuro brilhante.
Mídia e bancos
A mídia ajuda a criar essas bolhas com textos que sugerem a
possibilidade de alta prolongada. Os bancos fazem sua parte concedendo
crédito imobiliário para gente que não tem condições de pagar, porque
depois eles vão revender esses créditos a investidores na forma de
produtos financeiros. Aconteceu nos EUA e acho que está acontecendo no
Brasil agora.
Bolsa
Na bolsa, é igual. As bolsas dos EUA e de São Paulo subiram forte de
1995 a 2000 por causa da empresas pontocom. Tem mais evidência de bolhas
no mercado de ações do que no mercado imobiliário, onde a especulação
só começou mais recentemente. É preciso evitar ativos caros, seja nas
ações ou no mercado imobiliário. Eu não investiria no mercado
imobiliário brasileiro. Os mercados financeiros são empurrados a comprar
bolhas apesar de elas acontecerem com tanta regularidade e causarem
tantos prejuízos. Sempre há novas bolhas, é por isso que sou fascinado
por elas. As pessoas passaram a criticar muito o mercado financeiro após
a crise de 2008. O sistema deve ser aprimorado de forma que as finanças
sejam usadas a favor das pessoas.
Fonte: Excerto do texto do Jornal Correio do Brasil
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