terça-feira, 10 de agosto de 2021

As cidades perdem quando os NIMBYs ganham


O Brasil e o mundo estão vivenciando uma epidemia de NIMBYS, um acrônimo de "Not In My Backyards", que significa "Não no meu jardim", em tradução livre.

Resumidamente os NIMBYS podem ser definidos como as pessoas ou grupos de pessoas que se organizam para combater a realização de novos empreendimentos imobiliários ou obras de infraestrutura.

Os NIMBYs nasceram como sinônimo de moradores de uma região que não queriam que um novo empreendimento ou obra fossem realizados perto de suas residências. Isso é muito comum nos Estados Unidos.

Mas enquanto os NIMBYs são aqueles que acreditam que determinado empreendimento não é adequado para aquele local, existem outros "grupos" de pessoas ainda mais radicais.

Um deles são os CAVE People, sendo que CAVE vem de "Citizens Against Virtually Everything", ou Cidadão contra praticamente tudo. Outro acrônimo utilizado com significado similar, mas mais irônico, é BANANA, ou "Build absolutely nothing anywhere near anything", que significa "Construa absolutamente nada perto de qualquer coisa".

Mas também existem os LULUs (locally unwanted land uses, que significa Usos da terra localmente indesejados), que apesar de atuarem em qualquer frente, focam mais em iniciativas como lixões, prisões, indústrias, plantas elétricas e hospitais entre outros.

Por fim, temos os SOBBYs, de Some other bugger's back Yard, que se traduz para algo como "O quintal de algum outro sujeito" e reúne aqueles que até acham que aquele projeto possa ser desejável ou necessários, mas desde que seja feito em outro lugar.

Para efeito de simplificação, usarei nesse texto o termo mais conhecido, NIMBY.

Todo empresário do setor imobiliário ou de construção, e até mesmo governos, já sofreram alguma vezes na mão deles. E ninguém sabe como lidar com eles, pois fazem muito barulho e obtém muita repercussão na mídia, que via de regra está alinhada ideologicamente com eles.

Nos Estados Unidos existe inclusive um desvirtuamento do conceito dos NIMBYs, tendo sido formada uma indústria estruturadas e profissional de consultoria que são contratadas por moradores de uma região e até concorrentes para barrar a chegada de novos empreendimentos. Isso mesmo, você leu corretamente. Se um dono de supermercado ou restaurante percebe a chegada de um concorrente, ele contrata uma consultoria que faz um trabalho profissional de envolvimento da comunidade contra os novos entrantes.

Já os moradores não querem que sejam realizados nos empreendimentos imobiliários porque com isso entendem que haverá maior concorrência e seus imóveis valorizaram menos, já que de acordo com a Lei da Oferta, quanto menor a oferta, maior o preço, tanto do imóvel, quanto do aluguel.

Com o passar do tempo, o termo passou a abarcar inúmeros outros perfis de pessoas e grupos. Um deles é o de ex-socialistas que uma vez órfãos, passaram a adotar o ambientalismo como nova ideologia de vida.

Um perfil mais próximo do NIMBY clássico é o público formado pelos primeiros clientes de um empreendimento imobiliário com várias fases. É muito comum que uma vez instalados, eles lutem com toda força para que os atributos positivos daquele empreendimento sejam usufruídos apenas por eles e passem a combater as futuras etapas do mesmo. Nesses casos, é fundamental haver um bom e cuidadoso planejamento jurídico, seguido da construção de um bom relacionamento com os clientes.

Antigamente havia uma abordagem top down, com a prevalência do poder político e econômico e uma visão geral da sociedade de que desenvolvimento era uma coisa boa.

Hoje em dia, o jogo virou e o desenvolvimento é visto como algo danoso. Existe um enorme preconceito da sociedade quanto aos empreendimentos imobiliários, novas indústrias e grande obras de infraestrutura.

A abordagem top down também não faz sentido nos tempos atuais, pois além da sociedade estar mais organizada e com acesso às mídias sociais, existem órgãos como o Ministério Público, com independência funcional e forte pendor ideológico contra o setor produtivo, que atua em todas as obras que possam causar algum tipo de polêmica, sempre com viés contrário ao desenvolvimento e mesmo sem ter base técnica e jurídica para sua atuação.

Um empreendimento pode ter dezenas ou centenas de técnicos que realizaram e analisaram estudos por anos a fio, mas nada disso importa se o Ministério Público tem uma opinião contrária ao resultado obtido tecnicamente.

Uma técnica amplamente utilizada pelo Ministério Público é o assédio contra funcionários públicos dos órgãos responsáveis pelo licenciamento de obras e empreendimento através de suas recomendações e ameaças de ações civis públicas.

Isso gera o famoso Apagão das canetas, onde esses funcionários preferem não assinar nada, com receio de sofrer as consequências, mesmo que ele tenha plena convicção que o projeto está correto legal e tecnicamente. Seu eu estivesse no lugar deles, certamente também agiria da mesma forma, pois nem apoio jurídico o Estado oferece. Ou seja, se ele aprovar qualquer projeto polêmico, ele não tem nada a ganhar e muito a perder.

Mas também é importante ter em mente que, fora aqueles casos onde algumas pessoas querem tirar vantagem econômica da obstrução que fazem e dos casos baseados em ideologia, os NIMBYS têm realmente um receio que precisa ser entendido e respeitado. Um aspecto importante é que 100% das pessoas são a favor da construção de casas populares, novos hospitais e escolas, mas esses mesmo 100% são contrários a que elas sejam construídas ao lado de suas casas.

Essa percepção nos leva à conclusão de que nem sempre os NIMBYs estão errados. Muitas vezes eles estão apenas defendendo interesses e privilégios que, mesmo sendo legítimos, são contrários aos interesses gerais da cidade.

Por isso que, mesmo que eles consigam se mobilizar eficientemente e fazer muito barulho, sensibilizando políticos e a opinião pública, isso não significa que sua posição seja a melhor para a coletividade.

Ao contrário, em muitos casos o que vemos são agendas ocultas, motivos egoístas e opiniões sem base na realidade e preconceituosas que acabam se transformando em argumentos tidos como socialmente justos para mascarar os reais objetivos por trás deles.

É hora de começar a desmascarar esse tipo de atitude de quem só prejudica o interesse coletivo utilizando inadequadamente bandeiras justas. Passou da hora das decisões sobre novos projetos serem baseadas na legislação e em critérios técnicos e não em "opiniões" e achismo de grupos de interesse, pior ainda, de autoridades que deveriam salvaguardar a lei e os interesses da coletividade, mas fazem exatamente o oposto quando se tornam advogados desses mesmos grupos de interesses.

*Felipe Cavalcante tem 26 anos de experiência nos mercados imobiliário e turístico, tendo realizado mais de 100 empreendimentos, incluindo o complexo ILOA em Alagoas. Fundou e presidiu por 13 anos a ADIT Brasil, entidade da qual é atualmente o Presidente de Honra. Como diretor da Matx, oferece serviços de captação de recursos para empreendimentos imobiliários, advisory, estruturação de negócios, mentoria, cursos e grupos Mastermind. É ainda apresentador do podcast Além da Curva, com foco nos mercados imobiliário, de multipropriedade e de investimentos imobiliários, e do podcast Somos Cidade, voltado para o desenvolvimento urbano. Responsável pela criação e organização dos maiores eventos nacionais de investimentos imobiliários (ADIT Invest); desenvolvimento urbano e comunidades planejadas (Complan); timeshare e Multipropriedade (ADIT Share); direito imobiliário (ADIT Juris); investimentos hoteleiros (ADIT Hotel) e atração de investimentos imobiliários e turísticos para o Brasil (Nordeste Invest).

Atualizado em: 5/8/2021 11:54

Fonte: Migalhas Edilícias

sexta-feira, 6 de agosto de 2021

A regularização fundiária urbana e a lei 13.465/17


A lei 13.465/17, estabeleceu normas gerais e os procedimentos aplicáveis para a regularização fundiária, abrangendo medidas jurídicas, urbanísticas, ambientais e sociais destinadas à incorporação dos núcleos urbanos informais ao ordenamento territorial urbano, viabilizando a titulação de seus ocupantes.

A norma estabeleceu dois tipos de regularização fundiária: Reurb de Interesse Social - Reurb-S, permitido para núcleos urbanos informais ocupados predominantemente por população de baixa renda; e Reurb de Interesse Específico - Reurb-E, compreendendo os núcleos urbanos informais ocupados por população não qualificada como Reurb-S. Nessa última hipótese, as obrigações de instalação de infraestrutura urbana e compensações ambientais caberão aos ocupantes das áreas ou ao loteador que agiu irregularmente.

Para viabilizar a Reurb, a lei federal estabelece que a Reurb pode ser realizada sob vários institutos jurídicos, dos quais vale destacar: legitimação fundiária; legitimação de posse; usucapião; desapropriação em favor dos possuidores; arrecadação de bem vago; consórcio imobiliário. E, em 2018, com a publicação do Decreto regulamentador 9.310, esse rol foi ampliado com a inclusão dos instrumentos de o condomínio de lotes, o loteamento de acesso controlado e o condomínio urbano simples.

O formato jurídico mais inovador e utilizado desde a edição da lei federal, no entanto, é a legitimação fundiária, que é considerado forma originária de aquisição do direito real da propriedade sobre a unidade imobiliária objeto da Reurb. A sua utilização, contudo, impõe que o núcleo urbano informal ou irregular tenha sido consolidado até 22.12.2016. Os outros instrumentos podem ser utilizados independentemente da data em que se deu a ocupação irregular objeto da Reurb.

Em outros termos, a Reurb pode ser efetivada em um dos vários formatos jurídicos elencados acima. Ainda, é possível viabilizar a Reurb por meio de outros instrumentos, pois os acima elencados não representam numerus clausus, bastando ver que o caput do artigo 15 da lei 13.465/17 é expresso ao permitir a utilização de outros que se apresentem adequados. Ou seja, trata-se de um rol não taxativo.

Por fim, mas não menos importante, esse inovador diploma legal ainda dispõe que, na eventualidade do núcleo urbano informal estar situado, total ou parcialmente, em Área de Preservação Permanente ou em Unidade de Conservação de Uso Sustentável ou de Proteção de Mananciais definidas pela União, Estados ou Municípios, a sua regularização deverá observar também o quanto disposto no Código Florestal, hipótese na qual se torna obrigatória a elaboração de estudos técnicos que justifiquem as melhorias ambientais em relação à situação de ocupação informal anterior, inclusive por meio de compensações ambientais, quando for o caso.

Como se vê, o diploma permite desburocratizar, simplificar e destravar os processos de regularização fundiária e, assim, ampliar a possibilidade de acesso à terra urbanizada pela população de baixa renda e corrigir os erros decorrentes de parcelamentos irregulares, inclusive impondo as devidas medidas compensatórias ambientais.

Atualizado em: 30/7/2021 13:53

Priscila Santos Artigas - Doutora e Mestre em Direito Ambiental pela USP. Leading Lawyer no Milaré Advogados. Presidente da Comissão de Meio Ambiente do Instituto dos Advogados de São Paulo - SP.
Louise Marie do N. Ynoue - Pós-graduanda em Processo Civil pela Universidade Presbiteriana Mackenzie. Advogada do Milaré Advogados.
Fonte: Migalhas de Peso

domingo, 1 de agosto de 2021

O superendividamento do consumidor na incorporação imobiliária


Depois de anos de discussão nas casas legislativas, finalmente foi promulgada, em julho de 2021, a chamada Lei do Superendividamento. De fundamental importância para a proteção das pessoas, especialmente as mais vulneráveis, que não raras vezes se veem reféns de dívidas impagáveis cuja origem, em muitos casos é a oferta de crédito "fácil" e sem critérios àqueles que sabidamente terão dificuldades para honrar seus compromissos.

Essa concessão de crédito de maneira desorganizada e, em boa parte das vezes, oferecido de forma acintosa, pode levar os consumidores à insolvência, trazendo muito mais problemas do que soluções a quem passa por um momento financeiro difícil.

Regulamentar a oferta de crédito a fim de evitar o superendividamento das pessoas sempre foi uma bandeira defendida pelos consumeristas, cuja figura central e mais importante é a professora Cláudia Lima Marques, incansável na luta pela promulgação da referida lei que alterou o Código de Defesa do Consumidor inserindo na referida legislação pontos específicos que buscam evitar a oferta descontrolada de empréstimos e financiamentos.

Dentre os superendividados, uma parcela significativa chegou nessa difícil situação em razão de financiamentos imobiliários, que se tornaram impagáveis ao longo do tempo, fazendo com que famílias perdessem todo o investimento de anos de trabalho.

Sem sombra de dúvida, os financiamentos imobiliários são os que trazem mais riscos às pessoas, especialmente porque as parcelas em geral são altas e o tempo de financiamento muito extenso. Mesmo para quem tem um planejamento detalhado e conservador, o longo período do contrato é o maior vilão, pois torna o planejamento mais imprevisível e mudanças drásticas na situação daqueles que contraíram a dívida, tem mais risco de ocorrer quando o lapso temporal é muito extenso.

Assim, a novel legislação foi clara ao excluir os casos de financiamentos que são obtidos por pessoas físicas para a aquisição da casa própria, retirando a possibilidade daquele que se viu em situação difícil, de buscar uma repactuação de pagamento do débito de forma judicial.

Isso porque, a Lei estabelece em seu artigo 104-A que "a requerimento do consumidor superendividado pessoa natural, o juiz poderá instaurar processo de repactuação de dívidas, com vistas à realização de audiência conciliatória, presidida por ele ou por conciliador credenciado no juízo, com a presença de todos os credores de dívidas previstas no artigo 54-A deste código, na qual o consumidor apresentará proposta de plano de pagamento com prazo máximo de cinco anos, preservados o mínimo existencial, nos termos da regulamentação, e as garantias e as formas de pagamento originalmente pactuadas".

Porém, em que pese se tratar de pessoa natural, se o motivo do superendividamento advir de um contrato de financiamento imobiliário, a legislação impede essa possibilidade, ao estabelecer no §1º, do artigo 104-A, que "excluem-se do processo de repactuação as dívidas, ainda que decorrentes de relações de consumo, oriundas de contratos celebrados dolosamente sem o propósito de realizar pagamento, bem como as dívidas provenientes de contratos de crédito com garantia real, de financiamentos imobiliários e de crédito rural".

Realmente referida exceção legal não parece fazer sentido, especialmente porque o espírito da lei não é fomentar o calote, mas possibilitar àqueles que de alguma maneira se viram impossibilitados que pagar as suas dívidas que o façam, mediante uma repactuação que possa adequar o fluxo de pagamentos à situação financeira do devedor.

A situação se complica ainda mais nos casos da incorporação imobiliária, que apesar de não se tratar de financiamento ou concessão de crédito, da mesma forma pode deixar o consumidor em situação difícil ou até impossibilitado de honrar os pagamentos a que se obrigou, levando à perda da quase totalidade dos valores investidos.

Isso porque a sistemática da incorporação imobiliária tem características próprias que, se em um primeiro momento pode se assemelhar a um financiamento, não o é. Nessa modalidade de compra de imóveis, popularmente conhecida como "venda na planta" o consumidor não compra nada e nem contrai empréstimo para pagamento do preço do imóvel que sequer existe.

A sistemática desse negócio específico é curiosa, pois o consumidor paga por algo que não existe, de forma adiantada, com a promessa de poder comprar o imóvel quando, e SE este ficar pronto. Para tanto começa a pagar para a incorporadora valores referentes à fase de obras, financiando-o, em boa parte, a construção do imóvel para a empresa.

Os valores mensais pagos são corrigidos mensalmente pelo Índice Nacional da Construção Civil (INCC), não raramente maior do que os índices inflacionários, o que faz com que os pagamentos mensais sofram reajustes constantes, assim como o saldo devedor.

Não obstante, os valores já pagos pelo consumidor não são reajustados, tampouco o capital investido é remunerado, o que na prática significa um empréstimo gratuito que o interessado na compra do imóvel faz para a empresa que prometeu construí-lo.

Ocorre que em muitas das vezes o promitente comprador do imóvel não tem fôlego para realizar todos os pagamentos durante a fase da construção, o que pode levar à inadimplência e, em muitos casos, ao chamado distrato.

Nessa situação, em que pese o consumidor ter "emprestado" dinheiro para a incorporadora e financiado boa parte da obra, além de não ter sido remunerado pelo capital que disponibilizou, perde parte substancial daquilo que já pagou.

Importante mencionar que em boa parte dos casos nos quais esse tipo de situação ocorre, grande parte da responsabilidade pelo insucesso do negócio é da própria incorporadora, que no afã de vender, na maioria dos casos, não verifica com a necessária atenção as reais condições financeiras daqueles que se mostram interessados em comprar um imóvel.

Ao contrário disso, o que se vê na prática nos estandes de vendas, são vendedores bem treinados para apresentar aos interessados todas as "vantagens" do negócio. Não importa qual o valor do imóvel negociado tampouco a renda do interessado na compra, sempre haverá uma fórmula que permitirá a realização do negócio. Entrada facilitada, parcelas a perder de vista e vendas sem consultas aos cadastros de crédito são algumas das facilidades oferecidas.

Aliás, nesse ponto da dispensa de consulta aos cadastros de crédito talvez esteja uma das maiores armadilhas. Isso porque, no momento inicial da negociação a incorporadora poderá dispensar essa consulta, afinal não há risco nenhum em prometer vender algo que não existe mesmo a quem não consiga realizar os pagamentos. A razão é simples, pois enquanto o imóvel não ficar pronto e o promitente comprador não quitar integralmente o preço, não receberá o imóvel, que continua sendo da incorporadora.

O grande problema nesse caso é quando o comprador for buscar o financiamento imobiliário, o que somente ocorre com a conclusão da obra e normalmente depois de ter pagado as parcelas da construção. Nesse momento o banco ou o agente financeiro somente concederá o crédito para o financiamento imobiliário propriamente dito, se o interessado demonstrar que tem condições de assumir a dívida. Não sendo aprovado o crédito pelo banco ou instituição financeira, o negócio não vai adiante e a maior parte do investimento pode ser perdido.

A nova legislação busca proteger os consumidores superendividados que chegaram a essa situação em decorrência da prática irresponsável na concessão de crédito, o que é louvável e necessário.

O grande problema é que a lei parece excluir dessa proteção os consumidores superendividados por essa modalidade de negócio, em que pese sistemática negocial na incorporação imobiliária ser semelhante àquela proibida pela novel legislação.

De acordo com a nova sistemática legal, é proibida a oferta que indicar que a operação de crédito poderá ser concluída sem consulta a serviços de proteção ao crédito ou sem avaliação da situação financeira do consumidor ou que ocultar ou dificultar a compreensão sobre os ônus e os riscos da contratação do crédito ou da venda a prazo.

Além disso é obrigação daquele que oferece o produto avaliar, de forma responsável, as condições de crédito do consumidor, mediante análise das informações disponíveis em bancos de dados de proteção ao crédito.

Apesar disso, na contramão da proteção ora garantida aos consumidores superendividados, na incorporação imobiliária a legislação retirou direitos e tornou desastrosa a situação daqueles que se veem impossibilitados de levar o negócio até a sua concretização.

A Lei 13.786/2018 promoveu diversas alterações na Lei de Incorporações, porém as mais impactantes foram os pontos que trataram das penalidades impostas àqueles que não conseguem realizar os pagamentos.

Modificou drasticamente direitos já conquistados há décadas pelos consumidores adquirentes, cujos entendimentos sedimentados e Súmulas, tanto dos tribunais estaduais quanto do STJ, já haviam garantido. Como se não bastasse, dispositivos da Lei Civil, do Código de Defesa do Consumidor e até princípios Constitucionais foram violados pela legislação em comento.

Viola, por exemplo, o artigo 884 do Código Civil, que veda o enriquecimento ilícito e estabelece que "aquele que, sem justa causa, se enriquecer à custa de outrem, será obrigado a restituir o indevidamente auferido, feita a atualização dos valores monetários". E mais, o artigo 885 estabelece que "a restituição é devida, não só quando não tenha havido causa que justifique o enriquecimento, mas também se esta deixou de existir".

O enriquecimento sem causa nos casos de distrato é patente, isso porque as empresas não se desincumbem do ônus de provar que houve algum prejuízo que justifique a retenção de elevados percentuais daquilo que foi pago pelo consumidor.

Em relação às normas consumeristas violadas, destacam-se a do artigo 39, V, CDC, que estabelece que é vedado ao fornecedor de produtos ou serviços, dentre outras práticas abusivas exigir do consumidor vantagem manifestamente excessiva e o artigo 51, §1.º, III, que estabelece que são nulas de pleno direito, entre outras, as cláusulas contratuais relativas ao fornecimento de produtos e serviços que se mostrem excessivamente onerosas para o consumidor, considerando-se a natureza e conteúdo do contrato, o interesse das partes e outras circunstâncias peculiares ao caso.

A violação à Constituição Federal é patente isso porque a Carta Magna elenca como Direito Fundamental, no seu artigo 5º, XXXII, que o Estado promoverá, na forma da lei, a defesa do consumidor, assim como preconiza no artigo 170, V, que a ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos uma existência digna, conforme os ditames da justiça social, observado o princípio da defesa do consumidor.

Em que pese toda a legislação até então existente e a clareza do texto Constitucional que preconiza como obrigação do Estado e Direito Fundamental a defesa dos direitos do Consumidor, o Legislativo decidiu pela aprovação da lei que, enquanto vigente, precisa ser cumprida.

Estabelece a Lei 4.591/1964, no seu novo artigo 67-A, § 5.º que o incorporador poderá reter do adquirente 50% dos valores pagos, além da taxa de corretagem, em média equivalente a 5% do valor total do imóvel, o que pode significar a perda de um percentual superior a 60% do que foi pago. Um verdadeiro confisco legalizado.

Não bastasse a desproporcionalidade da medida, o incorporador ainda restituirá os valores pagos pelo adquirente, no prazo máximo de 30 dias após o habite-se ou documento equivalente expedido pelo órgão público municipal competente, ou, em outras palavras, quando o imóvel estiver pronto.

O que a lei autoriza de forma expressa é que a incorporadora se aproprie de valores que lhes foram "emprestados" pelo promitente comprador, e se utilize de forma graciosa desses recursos e somente os restitua quando terminar a obra.

Como se não bastasse todos os retrocessos legislativos, que afligem a questão da incorporação imobiliária e causam ainda mais prejuízos aos promitentes compradores de imóveis na planta, e que não conseguem levar o negócio adiante, existe um forte movimento de entidades ligadas ao mercado imobiliário com o objetivo de modificar entendimentos sumulados no STJ, que de alguma maneira ainda dão algum tipo de proteção aos consumidores desse setor.

Desta forma, é fácil de se concluir que o tratamento aos superendividados é, e continuará sendo, diferente em razão da natureza da dívida. Se nada for feito em favor dos consumidores do mercado imobiliário, certamente o forte lobby das empresas trará consequências ainda mais funestas a quem um dia sonhou em comprar um imóvel, mas se viu impossibilitado de concluir o negócio em razão de complicações financeiras.

Marcelo Tapai é advogado e professor de Direito, pós-graduado em Direito Processual Civil, especialista em Direito Imobiliário, Contratual e do Consumidor, atua como palestrante, articulista de jornais, sites e revistas, autor da cartilha do Procon-SP de orientações para compra de imóveis novos e usados, membro do Brasilcon (Instituto Brasileiro de Política e Direito do Consumidor) e IDEC (Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor), bacharel em Comunicação Social e formado em Jornalismo.
Fonte: Revista Consultor Jurídico

sexta-feira, 30 de julho de 2021

IGP-M varia 0,78% em julho de 2021


O Índice Geral de Preços – Mercado (IGP-M) variou 0,78% em julho, contra 0,60% no mês anterior. Com este resultado o índice acumula alta de 15,98% no ano e de 33,83% em 12 meses. Em julho de 2020, o índice havia subido 2,23% e acumulava alta de 9,27% em 12 meses.

“Efeitos sazonais, exportações e a alta acumulada nos preços das rações orientaram a aceleração do índice ao produtor, que nesta apuração, contou com a destacada influência de três itens: minério de ferro (-3,04% para 2,70%), adubos ou fertilizantes (5,70% para 14,28%) e leite in natura (6,20% para 5,74%). No âmbito do consumidor, os destaques foram os energéticos. A tarifa elétrica avançou 5,87% e o GLP 4,05%”, afirma André Braz, Coordenador dos Índices de Preços.

Índice de Preços ao Produtor Amplo (IPA)

O Índice de Preços ao Produtor Amplo (IPA) subiu 0,71% em julho, ante 0,42% em junho. Na análise por estágios de processamento, a taxa do grupo Bens Finais variou 1,08% em julho. No mês anterior, o índice havia registrado taxa de 1,32%. A principal contribuição para este resultado partiu do subgrupo alimentos processados, cuja taxa passou de 2,45% para 1,36%, no mesmo período. O índice relativo a Bens Finais (ex), que exclui os subgrupos alimentos in natura e combustíveis para o consumo, variou 1,13% em julho, ante 1,95% no mês anterior.

A taxa do grupo Bens Intermediários passou de 1,78% em junho para 1,15% em julho. O principal responsável por este movimento foi o subgrupo materiais e componentes para a manufatura, cujo percentual passou de 1,71% para 0,11%. O índice de Bens Intermediários (ex), obtido após a exclusão do subgrupo combustíveis e lubrificantes para a produção, variou 1,27% em julho, contra 2,03% em junho.

O estágio das Matérias-Primas Brutas variou 0,09% em julho, após cair 1,28% em junho. Contribuíram para o avanço da taxa do grupo os seguintes itens: minério de ferro (-3,04% para 2,70%), suínos (-13,50% para 5,69%) e mandioca/aipim (-6,01% para 3,57%). Em sentido oposto, destacam-se os itens cana-de-açúcar (7,73% para 1,36%), café em grão (8,15% para 0,04%) e soja em grão (-4,71% para -5,92%).

Índice de Preços ao Consumidor (IPC)

O Índice de Preços ao Consumidor (IPC) subiu 0,83% em julho, ante 0,57% em junho. Quatro das oito classes de despesa componentes do índice registraram acréscimo em suas taxas de variação. A principal contribuição partiu do grupo Educação, Leitura e Recreação (-0,69% para 2,16%). Nesta classe de despesa, vale citar o comportamento do item passagem aérea, cuja taxa passou de -7,28% em junho para 24,69% em julho.

Também apresentaram acréscimo em suas taxas de variação os grupos Habitação (1,10% para 1,66%), Alimentação (0,31% para 0,59%) e Comunicação (-0,03% para 0,00%). Nestas classes de despesa, vale mencionar os seguintes itens: tarifa de eletricidade residencial (3,30% para 5,87%), frutas (-5,59% para -1,04%) e mensalidade para internet (-0,60% para -0,28%).

Em contrapartida, os grupos Transportes (1,43% para 0,73%), Saúde e Cuidados Pessoais (0,07% para -0,07%), Despesas Diversas (0,29% para 0,06%) e Vestuário (0,40% para 0,26%) registraram decréscimo em suas taxas de variação. Nestas classes de despesa, destacam-se os seguintes itens: gasolina (2,72% para 1,44%), médico, dentista e outros (0,73% para -0,99%), alimentos para animais domésticos (2,60% para 0,91%) e roupas (0,58% para 0,36%).

Índice Nacional de Custo da Construção (INCC)

O Índice Nacional de Custo da Construção (INCC) variou 1,24% em julho, ante 2,30% no mês anterior. Os três grupos componentes do INCC registraram as seguintes variações na passagem de junho para julho: Materiais e Equipamentos (1,75% para 1,52%), Serviços (1,19% para 0,65%) e Mão de Obra (2,98% para 1,12%).

O estudo completo está disponível no site.

Fonte: FGV

Projetos de retrofit e conversão de uso em condomínios pulverizados: como superar o desafio da unanimidade?


O problema

Aceite o que não se pode mudar, e mude o que não se pode aceitar. A pandemia de Covid-19 afetou o mercado imobiliário, as empresas e as pessoas de todos os modos possíveis, em todas as direções. Nada será exatamente como antes.

No turismo, os hotéis foram atirados em um jogo impossível para conseguir hóspedes. Em 2020 a queda foi vertiginosa1, chegando a assustadores 10% de ocupação, com empreendimentos fechando as portas país afora. Mesmo nas férias escolares a previsão de ocupação média ficou em 50%, a exemplo do Estado de São Paulo2. Para se adaptar e sobreviver, começou-se a estudar, em alguns casos, a conversão para uso residencial da totalidade ou de parte das unidades então disponíveis para hospedagem, como o Hotel Gloria e outros dez hotéis no Rio de Janeiro3.

Outro efeito da pandemia, não inédito, foi o esvaziamento de bairros comerciais tradicionais, como o centro da cidade do Rio de Janeiro, cuja vacância de salas e lojas, em fevereiro/2021, já beirava absurdos 40%, sem nenhum sinal de arrefecimento da crise4.

Para tentar reverter a tendência de degeneração desse importante espaço urbano, a Prefeitura do Rio lançou o Programa Reviver Centro, com o objetivo macro de atrair novos moradores e promover a recuperação urbanística, social e econômica da região5. Além de prever incentivos fiscais, o programa estimula a locação social, a construção de novas moradias e a conversão do uso de prédios comerciais para transformá-los, após reforma, em edifícios de uso residencial ou misto.

Na mesma linha, o Prefeito de São Paulo sancionou a lei municipal nº 17.577, de 20 de julho de 2021, que trata do Programa Requalifica Centro, que também prevê incentivos a fim de atrair investimentos para a região.6

Planos como o Reviver Centro (Rio de Janeiro) e o Requalifica Centro (São Paulo), para serem bem-sucedidos, necessitam do óbvio: uma adesão relevante dos particulares proprietários das edificações locais, a ponto de realmente fomentar a transformação da região, e é neste ponto que surge um obstáculo relevante a ser ultrapassado. A maioria dos edifícios tem seu domínio pulverizado, com muitos donos, e os arts. 1.343 e 1.351 do Código Civil, geralmente, e sem reflexão, reforçados pelas convenções condominiais, exigem a anuência da unanimidade dos condôminos para se aprovar a alteração. Um quórum virtualmente impossível em muitos casos. Como, então, superar este desafio?

Antes de avançarmos, porém, é preciso desviar a rota para não nos perdermos em uma perigosa salada conceitual, distinguindo-se três figuras distintas, que podem ou não estar juntas na remodelação de um edifício, e que influenciam diretamente as soluções propostas neste artigo: retrofit, criação (e/ou extinção) de unidades autônomas, e alteração de uso.

1.1. Retrofit

O retrofit está definido na Norma de Desempenho NBR 15575-1, da ABNT, como a "remodelação ou atualização do edifício ou de sistemas, através da incorporação de novas tecnologias e conceitos, normalmente visando valorização do imóvel, mudança de uso, aumento da vida útil e eficiência operacional e energética"7, no âmbito de uma incorporação imobiliária ou fora dela.

Sim, caro leitor: tais figuras nem sempre estão juntas, e nem sempre estão isoladas. E sua triagem nem é tão difícil. Basta nos guiarmos pela razão de ser da concepção dos artigos 28 e seguintes da Lei de Condomínios e Incorporações: a proteção, desde o longínquo ano de 1964, muito antes do advento do Código de Defesa do Consumidor, do adquirente de unidade na planta, assim considerada aquela que ainda depende de relevantes intervenções construtivas e aprovação da municipalidade para estar apta ao uso do comprador.

Então, sempre que o empreendimento se caracterizar pelo compromisso de entrega, aos adquirentes, de unidades imobiliárias e/ou áreas comuns a serem construídas ou substancialmente reformadas, o empreendedor, antes de iniciar a alienação dos imóveis, deve promover no cartório imobiliário o arquivamento dos documentos previstos no art. 32 da lei 4.591/648.

O que isso tem a ver com o quórum de aprovação? Veremos adiante. Por ora, basta guardarmos o conceito.

Clique aqui e confira a íntegra da coluna.

*Melhim Chalhub é membro do Instituto dos Advogados Brasileiros, da Academia Brasileira de Direito Civil, da Academia de Direito Registral Imobiliário, Cofundador e Membro do Conselho Consultivo do Instituto Brasileiro de Direito Imobiliário - IBRADIM. Autor dos livros Incorporação Imobiliária, Alienação Fiduciária - Negócio Fiduciário e Direitos Reais, entre outros.
**André Abelha é mestre em Direito Civil pela UERJ. Presidente do IBRADIM. Presidente da Comissão Especial de Direito Notarial e Registral no Conselho Federal da OAB. Program on Negotiation and Leadership (Harvard University). Professor de cursos de Pós-Graduação em Direito Imobiliário e Direito Civil. Coordenador da coluna Migalhas Edilícias. Membro da Comissão de Direito Imobiliário da OAB/RJ e do Conselho Técnico da Federação Internacional Imobiliária/RJ. Autor e coautor de livros e artigos em Direito Imobiliário.
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1 Novo coronavírus impacta gravemente setor hoteleiro. Smartus. Matéria publicada em 25.mar.2020 com dados da Associação Brasileira da Indústria de Hotéis (ABIH Nacional) disponível aqui. Acesso em 11.jul.2021.

2 Hotéis devem atingir até 50% de ocupação em julho no estado de SP, apontam dados do setor. Reportagem publicada e 9.jul.2021 em O Globo, com projeção da ABIH-SP. Disponível aqui. Acesso em 11.jul.2021.

3 Confiram-se as seguintes reportagens: (i) Com menos hóspedes, 11 hotéis do Rio planejam transformar parte dos quartos em residências e escritórios. O Globo. Matéria publicada em 22.jun.2021. Disponível aqui; e (ii) Conversão de uso é alternativa para hotéis e lajes corporativas. GRI Club. Matéria publicada em 18.jun.2021. Disponível aqui. Ambos os acessos em 12.jul/2021.

4 Os dados variam em cada pesquisa, mas há consenso sobre uma vacância de pelo menos 30%: (i) Um em cada três imóveis para alugar no Centro do Rio está desocupado. O Globo. Matéria publicada em 27.mai.2021. Disponível aqui; e (ii) RJ tem quase 40% dos escritórios de alto padrão vazios - não só pela pandemia. CNN Brasil. Matéria publicada em 21.jan.2021. Disponível aqui.Todos os acessos em 11.jul.2021.

5 Prefeitura lança Reviver Centro, plano para atrair novos moradores e estimular a recuperação urbanística, social e econômica da região. Prefeitura Rio. Matéria publicada em 26.jan.2021. Disponível aqui. Acesso em 11.jul.2021. Inteiro teor do PL aprovado na Câmara. Disponível aqui. Para mais detalhes sobre o Programa Reviver Centro. Todos os acessos em 24.jul.2021.

6 A referida Lei Municipal é objeto de pelo menos uma ação anulatória no TJSP (processo 1044733-40.2021.8.26.0053), ainda não julgada, sob o fundamento de supostos vícios legislativos, mas nenhum dos fatos alegados impacta o objeto deste artigo.

7 A versão mais atual, de 2013, está disponível para aquisição, mas a definição pode também ser encontrada em versão anterior, de 2010, disponível aqui (p. 7, item 3.26). Ambos os acessos em 12.jul.2021.

8 Eduardo Moreira Reis trata do tema em interessante artigo, e afirma o seguinte: "Em face de tais elementos, lança-se aqui a segunda pergunta deste breve ensaio: seria lícito ao empreendedor do retrofit voluntariamente atrair para si o regime jurídico das incorporações, aprovando perante a municipalidade seu projeto interventivo e obtendo o alvará da obra, registrando no Registro de Imóveis o memorial previsto no art. 32 da Lei 4.591/64, optando pelo patrimônio de afetação, nos termos do art. 31-A da Lei e requerendo ao Fisco o Regime Especial Tributário das Incorporações, nos termos da lei 10.931/2004 e legislação complementar? Nosso entendimento particular é que SIM, pois todos os princípios constitucionais e legais envolvidos na produção construtiva, especialmente a habitacional, como os de proteção à aquisição da moradia própria, de proteção ao consumidor, de proteção à ordem urbanística e tributária e de liberdade econômica são atendidos, em maior ou menor grau, pelo regime legal das incorporações. Não vislumbramos qualquer prejuízo público ou privado decorrente da aplicação das regras de tal regime, ao invés da aplicação das regras gerais dos contratos imobiliários. E a identidade entre o retrofit com venda prévia de unidades e a incorporação, criando uma "zona cinzenta" em termos conceituais, especialmente no caso de intervenções construtivas mais onerosas e complexas, nos parece plenamente justificadora da opção por tal regime, até que um regime legal próprio seja positivado". REIS, Eduardo Moreira. Os empreendimentos com retrofit e o regime das incorporações imobiliárias: alguns aspectos registrais e contratuais. In: Estudos de Direito Imobiliário: Homenagem a Sylvio Capanema de Souza. ABELHA, André (Coord.). Porto Alegre: Paixão Editores, 2020, p. 270-281.

Atualizado em: 29/7/2021 08:27

Fonte: Migalhas Edilícias

Responsabilidade pela obrigação de pagamento das despesas condominiais


A controvérsia sobre a legitimidade para responder por dívidas condominiais se tornou objeto do Tema Repetitivo 886 do STJ, principalmente no que concerne à hipótese de alienação do imóvel quando o compromisso de compra e venda não for levado a registro1. A questão se mostra bastante interessante, em especial sob a perspectiva envolvendo o conjunto de deveres e obrigações dos condôminos perante o condomínio, os quais recaem sobre aquele que exerce a posse da unidade autônoma.

As despesas condominiais possuem natureza propter rem, ou seja, obrigação própria da coisa. Significa dizer que, aquele que adquirir a propriedade, também adquire as obrigações financeiras relativas a este imóvel, no que se incluem as taxas condominiais.

A decisão que originou o tema 886 no STJ, se fundamenta na necessidade de definição sobre a responsabilidade pelo pagamento das obrigações condominiais, no caso de inexistência de registro do compromisso de compra e venda, haja vista os inúmeros questionamentos sobre o tema.

Assim, estabeleceu-se que a responsabilidade pelo pagamento das obrigações condominiais não depende do registro do compromisso de compra e venda, mas sim, da relação jurídica material estabelecida com o imóvel, representada pela imissão do promissário comprador na posse e pela ciência inequívoca do condomínio acerca da transação2.

Anteriormente ao tema repetitivo, a jurisprudência era dividida, alguns tribunais entendiam que a cobrança deveria recair sobre o proprietário que figura na matrícula do imóvel junto ao Registro de Imóveis, mesmo que o imóvel já houvesse sido alienado através do denominado "contrato de gaveta", não obstante, outros tribunais entendiam que a responsabilidade deveria recair sobre o comprador3.

Em atenção à realidade que envolve as negociações imobiliárias em nosso país, o segundo entendimento prevaleceu, no sentindo de que a responsabilidade pelo pagamento das despesas condominiais deve recair sobre o comprador, mesmo que o contrato ainda não esteja registrado, com a ressalva de que o referido comprador esteja na posse do imóvel e o condomínio tenha conhecimento do fato.

Desta maneira, quem tem a posse direta do imóvel, ou seja, reside na unidade, usufruindo de todos os benefícios oferecidos pelo condomínio, deverá responder pelas despesas condominiais, mesmo que o proprietário tabular seja pessoa diversa. Todavia, não se pode desprezar a necessidade de adoção das cautelas necessárias pelo alienante do imóvel, no sentido de comunicar o condomínio sobre a celebração do negócio.

Nesta senda, o proprietário que está vendendo o imóvel através de contrato de promessa ou compromisso de compra e venda - mesmo que não esteja registrado à margem da matrícula do imóvel -, não deve responder pelas obrigações condominiais, que de acordo com a jurisprudência, passaram a ser do detentor da posse da unidade.

Vale colacionar a decisão do STJ (Resp 1345331/RS) que trata sobre o tema

PROCESSO CIVIL. RECURSO ESPECIAL REPRESENTATIVO DE CONTROVÉRSIA. ART. 543-C DO CPC. CONDOMÍNIO. DESPESAS COMUNS. AÇÃO DE COBRANÇA. COMPROMISSO DE COMPRA E VENDA NÃO LEVADO A REGISTRO. LEGITIMIDADE PASSIVA. PROMITENTE VENDEDOR OU PROMISSÁRIO COMPRADOR. PECULIARIDADES DO CASO CONCRETO. IMISSÃO NA POSSE. CIÊNCIA INEQUÍVOCA. 1. Para efeitos do art. 543-C do CPC, firmam-se as seguintes teses: a) O que define a responsabilidade pelo pagamento das obrigações condominiais não é o registro do compromisso de compra e venda, mas a relação jurídica material com o imóvel, representada pela imissão na posse pelo promissário comprador e pela ciência inequívoca do condomínio acerca da transação. b) Havendo compromisso de compra e venda não levado a registro, a responsabilidade pelas despesas de condomínio pode recair tanto sobre o promitente vendedor quanto sobre o promissário comprador, dependendo das circunstâncias de cada caso concreto. c) Se ficar comprovado: (i) que o promissário comprador se imitira na posse; e (ii) o condomínio teve ciência inequívoca da transação, afasta-se a legitimidade passiva do promitente vendedor para responder por despesas condominiais relativas a período em que a posse foi exercida pelo promissário comprador. 2. No caso concreto, recurso especial não provido.

(STJ - REsp: 1345331 RS 2012/0199276-4, Relator: Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, Data de Julgamento: 08/04/2015, S2 - SEGUNDA SEÇÃO, Data de Publicação: DJe 20/04/2015)

(TJ-RS - AC: 70075939884 RS, Relator: Marco Antonio Angelo, Data de Julgamento: 26/07/2018, Décima Nona Câmara Cível, Data de Publicação: Diário da Justiça do dia 02/08/2018).

Conforme se depreende da análise do referido julgado, restou consignado que, em caso de compromisso de compra e venda não levado à registro, a responsabilidade pelas despesas de condomínio dependerão das circunstâncias do caso concreto, podendo recair tanto sobre o promitente vendedor, quanto sobre o promissário comprador.

Entretanto, para fins de incidência da responsabilidade, não restam dúvidas sobre a importância da comprovação da relação jurídica direta com o condomínio. Nesse sentido, assim relatou o Ministro Luis Felipe Salomão no Resp 1345331: "as despesas condominiais, compreendidas como obrigações propter rem, são de responsabilidade daquele que detém a qualidade de proprietário da unidade imobiliária, ou ainda do titular de um dos aspectos da propriedade, tais como a posse, o gozo ou a fruição, desde que esse tenha estabelecido relação jurídica direta com o condomínio".

No mesmo sentido, se apresenta o entendimento de Luiz Antonio Scavone Junior

"Como se depreende, é a orientação que mais se coaduna com a lei, vez que no mundo fático é sabida existência dos chamados "contratos de gaveta", prática já arraigada nos negócios imobiliários que não tem sido ignorada pelo Poder Judiciário, atento à realidade social.

Em consonância com o acatado, obrigar o cedente ou o proprietário ao pagamento de despesas de exclusiva responsabilidade do promitente comprador ou cessionário que tomou posse - o que é imprescindível no caso - seria premiar o enriquecimento ilícito destes que, afinal, são os verdadeiros possuidores e titulares do imóvel."4

Há casos, porém, em que são realizadas cobranças de despesas condominiais em decorrência do simples fato de ter sido celebrado um contrato de promessa ou compromisso de compra e venda, desprezando-se a ausência de imissão na posse do imóvel, problema bastante corriqueiro na modalidade de aquisição de imóvel ainda na planta, o que se apresenta em desacordo com o entendimento jurisprudencial.

Pois, o entendimento consolidado na jurisprudência estabelece que ao estar diante de imóvel adquirido na planta, "antes do recebimento das chaves e, pois, da imissão na posse do imóvel, as despesas condominiais não podem ser imputadas aos compromissários compradores que não podem exercer os direitos de condômino previstos no artigo1.335 do Código Civil."5

Veja-se, nesse sentido, a decisão proferida pelo Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo

APELAÇÃO. AÇÃO DE COBRANÇA. DESPESAS CONDOMINIAIS. Imóvel adquirido na planta. Inviável a cobrança de despesas de condomínio antes da entrega das chaves. O que define a responsabilidade pelo pagamento das obrigações condominiais não é o registro do compromisso de compra e venda, mas a relação jurídica material com o imóvel, representada pela imissão na posse pelo promissário comprador e pela ciência inequívoca do condomínio acerca da transação. Entendimento do E. STJ firmado em sede de recurso repetitivo (REsp nº 1.345.331/RS). Inexigibilidade do débito perseguido pelo apelado junto aos apelantes, uma vez que vencido anteriormente à imissão dos promitentes compradores na posse do imóvel. DANOS MORAIS. Ocorrência. Protesto indevido da dívida e proibição de participação dos apelantes em assembleia condominial. Quantum debeatur arbitrado em R$ 10.000,00. Sentença reformada. RECURSO PROVIDO.

(TJ-SP - AC: 10085300620148260577 SP 1008530-06.2014.8.26.0577, Relator: Rosangela Telles, Data de Julgamento: 05/11/2020, 27ª Câmara de Direito Privado, Data de Publicação: 05/11/2020)

Portanto, diante da análise dos julgados, bem como do entendimento doutrinário que regem a matéria, indispensável observar o caso concreto, mormente em razão da data da imissão da posse do adquirente do imóvel, bem como se atentar à necessidade de que seja realizada a comunicação sobre a sua alienação ao condomínio, de modo a permitir a ciência sobre quem de fato exerce a posse da unidade, evitando-se dessa forma a responsabilização indevida pelo pagamento das despesas condominiais.
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1- STJ. Acesso em 25/07/2021. Disponível aqui.

2- STJ. STJ - RECURSO ESPECIAL: REsp 1345331. Disponível aqui.

3- SCAVONE JUNIOR, Luiz Antonio. Direito Imobiliário: teoria e prática. Rio de Janeiro: Forense, 2021, pág. 1040.

4- SCAVONE JUNIOR, Luiz Antonio. Direito Imobiliário: teoria e prática. Rio de Janeiro: Forense, 2021, pág. 1043.

5- TJSP, Apelação n.º 0017742-73.2013.8.26.0037, rel. Des. Mourão Neto, 33ª Câm. Dir. Priv.,j.17/03/14

Atualizado em: 30/7/2021 08:48

Debora Cristina de Castro da Rocha - Advogada fundadora do escritório Debora de Castro da Rocha Advocacia, especializado nas áreas do Direito Imobiliário e Urbanístico, Mestre em Direito Empresarial e Cidadania e Professora.
Camila Bertapelli Pinheiro - Advogada no escritório Debora de Castro da Rocha Advocacia, especializado no atendimento às demandas do Direito Imobiliário e Urbanístico, com atuação nos âmbitos consultivo e contencioso.
Edilson Santos da Rocha - Assistente jurídico pelo escritório Debora de Castro da Rocha Advocacia. Bacharel em Direito pela Faculdades da Industria - FIEP.
Fonte: Migalhas de Peso

quinta-feira, 29 de julho de 2021

Mediação e Arbitragem – Meios de solução de conflitos nas operações de permuta para empreendimentos imobiliários


No contexto dos contratos de permuta imobiliária, tendo como objeto o terreno para construção de empreendimento, o presente texto tem por escopo discorrer sobre meios alternativos para solução de conflitos quanto há crises no cumprimento de obrigações nos contratos de operações imobiliárias, notadamente quando há inadimplemento nos contratos de permuta de imóveis entre proprietários de terreno (“terrenistas”) e incorporadoras. A mediação e arbitragem são procedimentos extrajudiciais de composição de conflitos que trazem vantagens importantes em prol do desenvolvimento deste segmento da economia, trazendo confiança aos investidores ao vislumbrarem que há uma via alternativa à judicialização do litígio.

A demanda imobiliária vem crescendo ao longo dos anos com maior aceleração nos centros urbanos por força do próprio desenvolvimento das cidades e crescimento demográfico. Mesmo com alguns intervalos causados por crises econômicas, vê-se que, diante da pandemia da Covid-19, a indústria imobiliária apresenta números positivos em larga oferta de novos empreendimentos residenciais, a exemplo do que ocorre atualmente na Cidade de São Paulo.

Nas últimas décadas, a legislação também contribuiu para o desenvolvimento econômico do setor, tal como do programa “Minha Casa, Minha Vida” para a população de baixa renda e, também, com o advento da Lei 9.514/1997, que introduziu o instituto da alienação fiduciária de coisa imóvel, dinamizando as garantias do crédito imobiliário e simplificando a forma de cobrança, além da rescisão por inadimplemento do comprador e retomada da posse do bem imóvel. Também instituiu a securitização de créditos imobiliários mediante a emissão de CRI – Certificado de Recebíveis Imobiliários, fomentando o setor.

A captação de recursos para empreendimentos imobiliários se popularizou como uma nova forma de investimento, no qual o investidor tem a opção de participar de operações de grande porte, inclusive com benefícios fiscais e maior liquidez, por meio dos FUNDOS DE INVESTIMENTO IMOBILIÁRIO (FII) . Com mais crédito disponível a um menor custo de captação, várias incorporadoras aumentaram seu volume construtivo; o que repercutiu também nas diversas fusões e aquisições das empresas do setor e movimentos de abertura de capital na bolsa de valores destas companhias (IPO).

Neste contexto, o presente texto visa analisar a pertinência das cláusulas que podem ser pactuadas entre as partes contratantes que prestigiam a obrigação de negociar, como (i) a cláusula de HARDSHIP; (ii) o aceite das partes em se submeterem ao procedimento de mediação com vistas a buscar um acordo sobre a questão conflituosa; (iii) e, finalmente, a convenção da arbitragem como forma de resolver o impasse obrigacional que dependerá do julgamento do árbitro no curso de um processo próprio.

Nas operações de permuta de bens imóveis há um descompasso temporal entre a transferência da propriedade do terreno onde será erigido o empreendimento imobiliário, (o que ocorre antes do lançamento das unidades habitacionais para venda ainda na planta) e o recebimento pelo vendedor da área construída em permuta, geralmente no próprio terreno, o que se dará no futuro com o cumprimento da obrigação principal pela incorporadora de construir as unidades e áreas conforme o projeto arquitetônico.

Não se pode perder de vista que a estruturação de um empreendimento imobiliário seja para loteamento de área, seja para a construção de edifícios residenciais e/ou comerciais, incluindo-se nisto os mais modernos empreendimentos que conjugam prédios residenciais com escritórios e centros comerciais, demandam uma estrutura de contratos com cláusulas suspensivas e resolutivas por força dos elementos externos e intrínsecos que podem impedir ou alterar o curso do projeto a ser desenvolvido, razão pela qual os contratos celebrados perpassam pelo contrato preliminar (opção de compra com exclusividade e compromisso particular de compra e venda/permuta) até o contrato principal e definitivo de transferência da propriedade (escritura pública de transferência aliado a instrumento de confissão de dívida, escritura complementar de dação em pagamento e contratos de garantia com terceiros – Bancos/Seguradoras).

São comuns crises no cumprimento das obrigações contratuais diante de uma universalidade de condições a serem avaliadas e superadas, não só com relação aos elementos comerciais mas também jurídicos e, assim, busca-se cada vez mais importar experiências de cláusulas e modelos contratuais de outras áreas do direito e jurisdições anglo-saxônicas (contract law) que tragam soluções jurídicas para composição de controvérsia entre as partes como alternativa à resolução contratual, afinal estas operações são de longo trato de modo que os instrumentos contratuais deverão regular mecanismos de composição e até ajuste de preço na hipótese de fato superveniente capaz de alterar as condições comerciais iniciais.

Fatores imprevisíveis podem resultar na perturbação do cumprimento contratual e excepcionalmente reclamar a revisão do trato, seja pela teoria da onerosidade excessiva, seja por menos, pois o desequilíbrio contratual que altere o sinalagma do pacto pode ensejar a renegociação sem a necessidade da presença concomitante de todos os requisitos como (i) advento de obrigação excessivamente onerosa;(ii) com repercussão de extrema vantagem para outra parte; (iii) por fato extraordinário e imprevisível, segundo sustentado por Judith Martins Costa (p. 218/219, Crise e perturbações no cumprimento da prestação):

“Ademais para os contratos sinalagmáticos, o art. 478 (NCC) não ampara a revisão ou qualquer forma de acomodação do contrato às circunstâncias. Sequer as tentativas de, por via hermenêutica, obviar o requisito da extrema vantagem, poderiam auxiliar a encontrar uma solução para o caso de ambas as partes do contrato virem a sofrer excessiva onerosidade em razão do fato da pandemia. A regra resolutiva tem por finalidade proteger o devedor, por meio da inserção, no sistema jurídico, da relevância 0econômica da prestação e distribuição do risco entre as partes, o que significa dizer que, se ultrapassada a álea normal – estabelecida pelo sinalagma ligado ao tipo ou convencionada pelas partes – e observados os demais requisitos legais, nasce o direito formativo extintivo.”

É salutar a previsão contratual que regule o tratamento em caso de alterações significativas capazes de tornar a conclusão do negócio imobiliário menos satisfatório ou com impacto negativo substancial naquilo que foi inicialmente considerado na formação do pacto. Dependendo da magnitude da causa adversa, as partes terão a prerrogativa de não concluir a operação, ou renegociar à luz do princípio da boa-fé contratual.

Nesta linha de raciocínio, a convenção de cláusula HARDSHIP representa também uma opção adicional de cláusula cujo mecanismo busca evitar a rescisão contratual, partindo da premissa de preservação do sinalagma; repartição dos custos do fato superveniente; e renegociação como modo de readaptar as partes sem desfazer o negócio.

Na cláusula HARDSHIP a obrigação é de renegociar quando há uma situação superveniente que impacta no contrato de permuta, isto é, frente a um fato ou condição concreta em que as partes definiram contratualmente como gatilho para cumprir a obrigação mútua de renegociar, logo o inadimplemento é o descumprimento do dever de negociar em uma pauta procedimental como a mediação, e não necessariamente a obrigação de chegar-se a uma composição efetiva, cujo inadimplemento, se caraterizado, implementa a omissão na obrigação de fazer, e consequentemente favorece a parte prejudicada a pleitear os consentâneos contratuais. Observe-se que a cláusula HARDSHIP se apresenta em linha com a legislação pátria no aspecto de balizar os atos jurídicos pelo princípio da boa-fé .

“Quando as partes preveem o dever de negociar antes de qualquer outra solução, constitui-se o direito subjetivo a exigir, desde logo, a renegociação. Esta pode ser pedida tanto pela parte que sofre o hardship quanto pelo seu cocontratante, interessado na manutenção da relação contratual.”

O descumprimento contratual do dever de negociar, se previsto em contrato, se caracteriza pela violação do dever de buscar uma composição amigável, isto é a recusa de buscar a superação dos impasses, mesmo que esta recusa venha disfarçada de desídia e propostas inaceitáveis no contexto do negócio em pauta.

A culpa pela parte infratora ao violar a obrigação de fazer acima apontada pode resultar efeitos jurídicos importantes, como o inadimplemento definitivo e assim constituir o direito de rescisão contratual por justa causa a ser suscitado pela parte prejudicada.

Na negociação para busca de uma composição, as partes devem ponderar as alternativas que cada uma delas possui para tomar a decisão de ceder e chegar a um acordo em detrimento de um julgamento futuro e incerto. BATNA (best alternative to a negotiate agreement) é um termo utilizado no qual a parte deve ponderar qual a melhor alternativa na defesa do seu interesse em relação à proposta de acordo eventualmente negociada, isto é, se a alternativa ao acordo for menos vantajosa ou traz riscos não admissíveis, a via da composição amigável deve prevalecer.

“When we turn to thinking about how a negotiator can satisfy her or his interests, a critical question is what the negotiator could do in the abstence of a negotiated agreement. That is, if the negotiation fails, what will each negotiator do – what are the alternatives to agreement or possible “walkaway” courses of action. By definition, an alternative to agreement must be a course of action that the negotiator can implement without the consent of the other negotiator. In trying to negotiate a resolution of a business dispute, for example, one party’s alternatives might include doing nothing, suing the other party, trying to sell out to a third party, holding a press conference, and so on.

Since a negotiator unable to reach agreement will have to choose one of his or her various alternative to pursue, a key question is which one. Among the various alternative courses of action a negotiator could pursue, which would best satisfy that negotiator’s interests. This alternative is commonly referred to as negotiator’s best alternative to a negotiate agreement, or BATNA.”

Há técnicas de negociação para serem aplicadas na mediação, cujo procedimento será desenvolvido por meio de reuniões e conversas entre as partes organizadas e controladas por um mediador que terá como objetivo aproximar os interesses e reduzir as diferenças de entendimento entre partes, com o objetivo de buscar a transação.

Imperioso a prévia preparação da estratégia, com perguntas táticas para colher informações e entender o que cada parte de fato deseja, principalmente o que é prioridade para cada uma e o que é negociável como “moeda de troca” para que ser objeto de barganha. Na negociação distributiva há instrumentos para que haja compensações futuras como forma de concluir a fase negocial, a exemplo da convenção de cláusula de “earn-out” (originado nos contratos de M&A – merge and aquisition), na qual as partes estabelecem um gatilho para o cumprimento de obrigação futura, geralmente uma compensação financeira, em caso de implementação de um evento futuro positivo.

Seja durante a fase inicial da negociação do contrato de permuta ou em caso de renegociação no seu curso, a cláusula de earn-out pode ser empregada, por exemplo, para que em caso de sucesso no volume de vendas (fluxo de vendas na fase de lançamento do empreendimento imobiliário) das unidades habitacionais que serão construídas no terreno adquirido, o proprietário do terreno seja compensado com a antecipação de valores (chamada de “permuta financeira”). Outra hipótese a ser considerada é a contratação da cláusula de earn-out estipulando-se um prêmio ou ajuste de preço do terreno caso o VGV (valor geral de vendas) do empreendimento seja majorado por aspectos positivos do mercado, ou seja, negocia-se um prêmio em favor do vendedor-terrenista condicionado ao fluxo de vendas e majoração do preço dos imóveis, de sorte que haverá um acréscimo no preço do terreno desde que a projeção financeira da incorporadora também aumente, tudo como forma de viabilizar as condições comerciais entre as partes.

“Mecanismos de earn-out podem e devem ser utilizados como uma forma de auxiliar comprador e vendedor na definição do preço da operação em determinados casos, por permitir um maior equilíbrio entre os riscos e expectativas de cada uma das partes quanto ao negócio em si.”

Os permutantes também podem prever o instituto da arbitragem como o meio pelo qual, em caso de controvérsia sobre o negócio jurídico sobre direito patrimonial disponível, as partes resolvam com o uso deste procedimento extrajudicial cuja análise e decisão caberá a um ou mais árbitros em sede de uma Câmara Arbitral escolhida pelas partes, com regras procedimentais pré-definidas. Para tanto, tudo se inicia, como é cediço, com a estipulação voluntária da cláusula compromissória, indicando a arbitragem e a respectiva Câmara no próprio contrato de permuta, o que significa que as partes elegem antecipadamente que em caso de conflito a forma de solução se dará pelo procedimento da arbitragem ao invés da justiça comum estatal, segundo regulado pela lei 9.307/96 (Lei de Arbitragem). Esta modalidade veda o direito das partes de ajuizarem demanda na justiça estatal sobre questões relacionadas ao negócio jurídico se a arbitragem foi pactuada.

Adicionalmente o regimento interno da câmara arbitral escolhida também trará suas próprias regras procedimentais, como a indicação e escolha dos árbitros (de um ou três árbitros). A imparcialidade e independência dos árbitros é fundamental sob pena do procedimento vir a ser anulado (art. 32 da Lei de Arbitragem), razão pela qual a análise e verificação de ausência de conflito de interesse entre as partes e os árbitros deve ser perquirido rigorosamente.

Considerando que a sentença arbitral constitui uma decisão terminativa e irrecorrível do conflito, com força de coisa julgada, a justiça comum poderá ser acionada apenas na fase de execução da decisão arbitral, na hipótese de não cumprimento voluntário pela parte sucumbente.

Objetivamente as duas grandes vantagens pela escolha da arbitragem é a rapidez na solução do conflito e o sigilo do procedimento. A rapidez porque as etapas de apresentação dos argumentos e provas são céleres e respeitam uma agenda pré-definida, admitindo-se perícia se necessário for, o que por via de consequência apresenta uma previsibilidade mais acurada que a justiça comum, inclusive por conta da irrecorribilidade da decisão arbitral de modo que com o julgamento da questão controversa, somente caberá eventual esclarecimento sobre a decisão sem efeitos infringentes.

Nos contratos de permuta, principalmente na fase de prestação de contas para pagamento da permuta financeira (parcela de pagamento do terreno em pecúnia) e, também, na fase de entrega das áreas construídas (permuta física) pode ser palco de cumprimento de obrigação de forma diversa da originalmente contratada por diversas razões técnicas e inclusive intercorrências supervenientes. É justamente neste ponto que o conflito de interesse emerge, pois pelo lado da incorporadora/construtora a tese do adimplemento substancial lhe favorecerá para justificar que eventuais diferenças no objeto da prestação obrigacional não é suficiente para caracterizar o seu inadimplemento contratual. Se questões desta natureza forem levadas para a justiça comum, o tempo para concluir a prestação jurisdicional e se obter um julgamento definitivo pode demorar anos, enquanto na arbitragem tal impasse será abreviado consideravelmente.

Nos casos mais graves que levam à ruptura do contrato de permuta em ações de rescisão contratual, a demora para encerrar o processo judicial com o trânsito em julgado é pernicioso, pois até lá o bem imóvel em discussão não poderá ser comercializado com terceiros até que haja a sua respectiva liberação judicial para que este se torne disponível à venda ou permuta novamente.

A confidencialidade do procedimento arbitral é objeto de convenção entre as partes, o que geralmente é estabelecido, e neste sentido representa um benefício quando se trata de sociedades empresariais cuja proteção das informações que possivelmente são reveladas pelas provas produzidas no curso do processo pode gerar prejuízos de outra ordem, como na esfera reputacional, além da revelação de estratégias de mercado, práticas comerciais, divulgação de preço envolvido no negócio e a exteriorização do próprio contrato celebrado entre as partes.

O lado negativo a ser sopesado é o custo deste tipo de procedimento. A depender da câmara de arbitragem escolhida na cláusula compromissória, os encargos financeiros como as taxas da instituição e os honorários dos árbitros pode representar uma barreira para uma das partes buscar a solução de eventual controvérsia, por isso recomenda-se analisar previamente os custos da câmara de arbitragem indicada no contrato, até porque a sua convenção importará no efeito vinculativo o que impede a parte de ajuizar demanda na esfera estatal, justiça comum, afinal, como já dito, este será o método escolhido para solução do conflito depois de assinado o compromisso arbitral.

Uma via alternativa para a parte que tem seu direito violado e não possui recursos financeiros para arcar com as despesas inerentes de um procedimento de arbitragem é um sistema já utilizado no exterior conhecido como “THIRD PARTY FUNDING”, o que representa o financiamento por terceiro que não é parte no processo como uma instituição financeira que custeará as despesas em contrapartida de um benefício futuro, como o êxito da demanda. Porém, certamente questões relevantes como o dever de sigilo e a ausência de conflito de interesse do financiador com os árbitros deverão também ser observados.

Por fim, mais um elemento atrativo é a possibilidade de se obter medidas decisórias urgentes na arbitragem, assim como ocorre nas liminares judiciais, pois as partes podem se socorrer de medidas urgentes por meio do árbitro de emergência, cujo procedimento é célere com vistas a dar uma resposta imediata a uma tutela de urgência, cuja decisão será posteriormente referendada pelo árbitro nomeado para conduzir o procedimento regular de arbitragem. A previsão deste instituto está nos regimentos das Câmaras de Arbitragem o que inclusive também é matéria de opção pelas partes contratantes quando da convenção da cláusula de arbitragem.

“O árbitro de emergência, em regra, é designado pela própria instituição arbitral e tem jurisdição, exclusivamente, para o exame de medidas urgentes. Instituído o tribunal arbitral, exaure-se a jurisdição emergencial, que, por natureza, é provisória e precária. O painel nomeado poderá, então, confirmar, modificar ou mesmo revogar a tutela anteriormente deferida, tal e qual ocorre no caso de tutela de urgência antecedente deferida pelo Poder Judiciário, a teor do artigo 22-B da Lei de Arbitragem [2]. Significa dizer que as decisões do árbitro de emergência não são decisões finais, mas de natureza meramente provisória.”

Em conclusão, os institutos de resolução de conflito extrajudicial de caráter patrimonial são de extrema importância também no mercado imobiliário, o qual importou arranjos contratuais e institutos jurídicos de outras áreas do direito para viabilizar formas mais eficientes de resolução de controvérsias em prol do desenvolvimento econômico, além de trazer segurança jurídica para os empreendedores que passam a investir mais em empreendimentos imobiliários por compreenderem que há formas céleres de solução de conflito em comparação à Justiça Comum Estatal.

Remo Higashi Battaglia – Advogado com atuação na área do direito imobiliário, Sócio Fundador do escritório Battaglia & Pedrosa Advogados www.bpadvogados.com.br. Pós-graduado em Direito Tributário pela PUC e em Direito Societário pela FGV. Especialista em Gestão Estratégica de Projetos – INSPER/SP e Negociação (Program on Negotiation) – Harvard Law (Cambridge USA). Mestrando em Direito dos Negócios pela FGV LAW – Faculdade Getúlio Vargas. E-mail: remo@bpadvogados.com.br