A controvérsia sobre a legitimidade para responder por dívidas condominiais se tornou objeto do Tema Repetitivo 886 do STJ, principalmente no que concerne à hipótese de alienação do imóvel quando o compromisso de compra e venda não for levado a registro1. A questão se mostra bastante interessante, em especial sob a perspectiva envolvendo o conjunto de deveres e obrigações dos condôminos perante o condomínio, os quais recaem sobre aquele que exerce a posse da unidade autônoma.
As despesas condominiais possuem natureza propter rem, ou seja, obrigação própria da coisa. Significa dizer que, aquele que adquirir a propriedade, também adquire as obrigações financeiras relativas a este imóvel, no que se incluem as taxas condominiais.
A decisão que originou o tema 886 no STJ, se fundamenta na necessidade de definição sobre a responsabilidade pelo pagamento das obrigações condominiais, no caso de inexistência de registro do compromisso de compra e venda, haja vista os inúmeros questionamentos sobre o tema.
Assim, estabeleceu-se que a responsabilidade pelo pagamento das obrigações condominiais não depende do registro do compromisso de compra e venda, mas sim, da relação jurídica material estabelecida com o imóvel, representada pela imissão do promissário comprador na posse e pela ciência inequívoca do condomínio acerca da transação2.
Anteriormente ao tema repetitivo, a jurisprudência era dividida, alguns tribunais entendiam que a cobrança deveria recair sobre o proprietário que figura na matrícula do imóvel junto ao Registro de Imóveis, mesmo que o imóvel já houvesse sido alienado através do denominado "contrato de gaveta", não obstante, outros tribunais entendiam que a responsabilidade deveria recair sobre o comprador3.
Em atenção à realidade que envolve as negociações imobiliárias em nosso país, o segundo entendimento prevaleceu, no sentindo de que a responsabilidade pelo pagamento das despesas condominiais deve recair sobre o comprador, mesmo que o contrato ainda não esteja registrado, com a ressalva de que o referido comprador esteja na posse do imóvel e o condomínio tenha conhecimento do fato.
Desta maneira, quem tem a posse direta do imóvel, ou seja, reside na unidade, usufruindo de todos os benefícios oferecidos pelo condomínio, deverá responder pelas despesas condominiais, mesmo que o proprietário tabular seja pessoa diversa. Todavia, não se pode desprezar a necessidade de adoção das cautelas necessárias pelo alienante do imóvel, no sentido de comunicar o condomínio sobre a celebração do negócio.
Nesta senda, o proprietário que está vendendo o imóvel através de contrato de promessa ou compromisso de compra e venda - mesmo que não esteja registrado à margem da matrícula do imóvel -, não deve responder pelas obrigações condominiais, que de acordo com a jurisprudência, passaram a ser do detentor da posse da unidade.
Vale colacionar a decisão do STJ (Resp 1345331/RS) que trata sobre o tema
PROCESSO CIVIL. RECURSO ESPECIAL REPRESENTATIVO DE CONTROVÉRSIA. ART. 543-C DO CPC. CONDOMÍNIO. DESPESAS COMUNS. AÇÃO DE COBRANÇA. COMPROMISSO DE COMPRA E VENDA NÃO LEVADO A REGISTRO. LEGITIMIDADE PASSIVA. PROMITENTE VENDEDOR OU PROMISSÁRIO COMPRADOR. PECULIARIDADES DO CASO CONCRETO. IMISSÃO NA POSSE. CIÊNCIA INEQUÍVOCA. 1. Para efeitos do art. 543-C do CPC, firmam-se as seguintes teses: a) O que define a responsabilidade pelo pagamento das obrigações condominiais não é o registro do compromisso de compra e venda, mas a relação jurídica material com o imóvel, representada pela imissão na posse pelo promissário comprador e pela ciência inequívoca do condomínio acerca da transação. b) Havendo compromisso de compra e venda não levado a registro, a responsabilidade pelas despesas de condomínio pode recair tanto sobre o promitente vendedor quanto sobre o promissário comprador, dependendo das circunstâncias de cada caso concreto. c) Se ficar comprovado: (i) que o promissário comprador se imitira na posse; e (ii) o condomínio teve ciência inequívoca da transação, afasta-se a legitimidade passiva do promitente vendedor para responder por despesas condominiais relativas a período em que a posse foi exercida pelo promissário comprador. 2. No caso concreto, recurso especial não provido.
(STJ - REsp: 1345331 RS 2012/0199276-4, Relator: Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, Data de Julgamento: 08/04/2015, S2 - SEGUNDA SEÇÃO, Data de Publicação: DJe 20/04/2015)
(TJ-RS - AC: 70075939884 RS, Relator: Marco Antonio Angelo, Data de Julgamento: 26/07/2018, Décima Nona Câmara Cível, Data de Publicação: Diário da Justiça do dia 02/08/2018).
Conforme se depreende da análise do referido julgado, restou consignado que, em caso de compromisso de compra e venda não levado à registro, a responsabilidade pelas despesas de condomínio dependerão das circunstâncias do caso concreto, podendo recair tanto sobre o promitente vendedor, quanto sobre o promissário comprador.
Entretanto, para fins de incidência da responsabilidade, não restam dúvidas sobre a importância da comprovação da relação jurídica direta com o condomínio. Nesse sentido, assim relatou o Ministro Luis Felipe Salomão no Resp 1345331: "as despesas condominiais, compreendidas como obrigações propter rem, são de responsabilidade daquele que detém a qualidade de proprietário da unidade imobiliária, ou ainda do titular de um dos aspectos da propriedade, tais como a posse, o gozo ou a fruição, desde que esse tenha estabelecido relação jurídica direta com o condomínio".
No mesmo sentido, se apresenta o entendimento de Luiz Antonio Scavone Junior
"Como se depreende, é a orientação que mais se coaduna com a lei, vez que no mundo fático é sabida existência dos chamados "contratos de gaveta", prática já arraigada nos negócios imobiliários que não tem sido ignorada pelo Poder Judiciário, atento à realidade social.
Em consonância com o acatado, obrigar o cedente ou o proprietário ao pagamento de despesas de exclusiva responsabilidade do promitente comprador ou cessionário que tomou posse - o que é imprescindível no caso - seria premiar o enriquecimento ilícito destes que, afinal, são os verdadeiros possuidores e titulares do imóvel."4
Há casos, porém, em que são realizadas cobranças de despesas condominiais em decorrência do simples fato de ter sido celebrado um contrato de promessa ou compromisso de compra e venda, desprezando-se a ausência de imissão na posse do imóvel, problema bastante corriqueiro na modalidade de aquisição de imóvel ainda na planta, o que se apresenta em desacordo com o entendimento jurisprudencial.
Pois, o entendimento consolidado na jurisprudência estabelece que ao estar diante de imóvel adquirido na planta, "antes do recebimento das chaves e, pois, da imissão na posse do imóvel, as despesas condominiais não podem ser imputadas aos compromissários compradores que não podem exercer os direitos de condômino previstos no artigo1.335 do Código Civil."5
Veja-se, nesse sentido, a decisão proferida pelo Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo
APELAÇÃO. AÇÃO DE COBRANÇA. DESPESAS CONDOMINIAIS. Imóvel adquirido na planta. Inviável a cobrança de despesas de condomínio antes da entrega das chaves. O que define a responsabilidade pelo pagamento das obrigações condominiais não é o registro do compromisso de compra e venda, mas a relação jurídica material com o imóvel, representada pela imissão na posse pelo promissário comprador e pela ciência inequívoca do condomínio acerca da transação. Entendimento do E. STJ firmado em sede de recurso repetitivo (REsp nº 1.345.331/RS). Inexigibilidade do débito perseguido pelo apelado junto aos apelantes, uma vez que vencido anteriormente à imissão dos promitentes compradores na posse do imóvel. DANOS MORAIS. Ocorrência. Protesto indevido da dívida e proibição de participação dos apelantes em assembleia condominial. Quantum debeatur arbitrado em R$ 10.000,00. Sentença reformada. RECURSO PROVIDO.
(TJ-SP - AC: 10085300620148260577 SP 1008530-06.2014.8.26.0577, Relator: Rosangela Telles, Data de Julgamento: 05/11/2020, 27ª Câmara de Direito Privado, Data de Publicação: 05/11/2020)
Portanto, diante da análise dos julgados, bem como do entendimento doutrinário que regem a matéria, indispensável observar o caso concreto, mormente em razão da data da imissão da posse do adquirente do imóvel, bem como se atentar à necessidade de que seja realizada a comunicação sobre a sua alienação ao condomínio, de modo a permitir a ciência sobre quem de fato exerce a posse da unidade, evitando-se dessa forma a responsabilização indevida pelo pagamento das despesas condominiais.
----------
1- STJ. Acesso em 25/07/2021. Disponível aqui.
2- STJ. STJ - RECURSO ESPECIAL: REsp 1345331. Disponível aqui.
3- SCAVONE JUNIOR, Luiz Antonio. Direito Imobiliário: teoria e prática. Rio de Janeiro: Forense, 2021, pág. 1040.
4- SCAVONE JUNIOR, Luiz Antonio. Direito Imobiliário: teoria e prática. Rio de Janeiro: Forense, 2021, pág. 1043.
5- TJSP, Apelação n.º 0017742-73.2013.8.26.0037, rel. Des. Mourão Neto, 33ª Câm. Dir. Priv.,j.17/03/14
Atualizado em: 30/7/2021 08:48
Debora Cristina de Castro da Rocha - Advogada fundadora do escritório Debora de Castro da Rocha Advocacia, especializado nas áreas do Direito Imobiliário e Urbanístico, Mestre em Direito Empresarial e Cidadania e Professora.
Camila Bertapelli Pinheiro - Advogada no escritório Debora de Castro da Rocha Advocacia, especializado no atendimento às demandas do Direito Imobiliário e Urbanístico, com atuação nos âmbitos consultivo e contencioso.
Edilson Santos da Rocha - Assistente jurídico pelo escritório Debora de Castro da Rocha Advocacia. Bacharel em Direito pela Faculdades da Industria - FIEP.
Fonte: Migalhas de Peso
Nenhum comentário:
Postar um comentário