sexta-feira, 31 de julho de 2020

Considerações sobre a assistência técnica judicial em avaliação de imóveis


A assistência técnica judicial

Espera-se do assistente técnico avaliador de imóvel o acompanhamento da perícia. Esta última no sentido amplo, que compreende: i) elaboração de quesitos; ii) acompanhamento do perito em vistoria ao imóvel; e iii) impugnação ao laudo pericial.

Estas três etapas resumem a participação do assistente técnico avaliador no processo. No entanto, cada uma delas enseja ações prévias preparatórias, que demandam tempo para dedicação ao estudo das particularidades de cada caso, vivência e experiência com o mercado imobiliário, conhecimento das normas técnicas (metodologias, cálculos, procedimentos, estratégias), expertise e capacidade intelectual para o desenvolvimento lógico explicativo.

O momento certo da contratação do Assistente Técnico

Para melhor efeito no convencimento do juízo, a assistência técnica judicial deve ser contratada no início do processo, para se estabelecer relação do caso concreto com o comportamento do mercado imobiliário, afim de instruir a inicial com parâmetros argumentativos e valores bem fundamentados, ou, me sede de contestação, para contra razoar a peça vestibular e direcionar a defesa dos interesses da parte, também fundamentada em laudo anexado.

A qualidade e a profundidade da fundamentação dos argumentos trazidos nas teses das partes, pela análise criteriosa do Assistente Técnico no início da demanda judicial, possibilitam o julgamento antecipado da lide, sem as incertezas que norteiam a perícia; e não sendo o caso, por constar dos autos desde o início do processo, propiciarão a formação do convencimento do Perito (na análise pericial) e do Juízo (no julgamento). E, ainda que não haja a perícia esperada, ou que nesta não se tenha mais o mesmo assistente técnico, o custo inerente ao serviço, ainda que limitado ao início do processo, é compatível com a excelência alcançada na argumentação vestibular, ou nas contrarrazões em contestação.

De todas as etapas que envolvem a assistência técnica judicial, a impugnação ao Laudo Pericial é a menos efetiva, pois, lançado o resultado pelo Perito, é remota a chance de alteração deste, e rara a possibilidade de julgamento diferente do alcançado no Laudo Pericial. Sendo assim, o sucesso na ação está intimamente relacionado com o quanto o perito e o juízo estarão convencidos dos argumentos da parte, o que direcionará o resultado da perícia, e consequentemente do julgado.

De forma que, a contratação tardia da assistência técnica limita a atuação profissional ao acompanhamento do Perito em vistoria ao imóvel e à impugnação ao Laudo Pericial, diminuindo imensamente o potencial de direcionamento do resultado da lide ao esperado pela parte.

Erros frequentes

1- Contratação tardia da assistência técnica judicial;

Contratada a assistência técnica judicial apenas quando da nomeação do perito pelo Juízo, por entender, o Patrono, que a questão só se inicia quando deferida a perícia, ou ainda, após a elaboração dos quesitos, por dificuldade de encontrar profissional habilitado em tão curto prazo (5 dias). Limitando o potencial de argumentação e fundamentação das peças vestibular e contestação, bem como a profundidade e o alcance dos quesitos no convencimento do Perito e do Juízo.

2- Não contratação da assistência técnica;

Quando a parte adversa contrata assistente técnico que interage com o Perito se utilizando de dados novos relevantes ao processo, esta tem mais chance no convencimento do Perito, quanto às teses defendidas. Se isentar do custo com o assistente técnico pode acarretar prejuízos maiores dependendo do resultado da causa. O custo com assistência comumente é inferior ao benefício com a consolidação da provas e convencimento do Perito, a partir da atuação do profissional.

Além disso, a impugnação do Laudo Pericial feita por leigos, não reflete propriedade com a técnica e conhecimento da causa, muitas vezes apenas repete argumentos já trazidos aos autos, quando, nesta etapa, não basta o descontentamento com o resultado, mas é preciso demostrar detalhadamente e didaticamente o efeito diverso que se teria com as interferências e correções apresentadas.

3- Contar com a realização da Perícia

Compete ao Juiz o julgamento antecipado da lide quando encontra na ação os requisitos para tal. Também nos casos em que a parte desiste da perícia, as provas demonstradas nos autos nortearão o julgamento. Favorecendo a parte que instruiu, desde o início, com prova robusta, argumentos e valores coerentes com o comportamento do mercado imobiliário, demonstrados por laudo técnico realizado pelo profissional assistente. De forma que, instruir a ação apenas com indícios (provas rasas), contando com a perícia, que não necessariamente irá acontecer, pode comprometer o resultado esperado para a demanda.

4- Argumentação sem fundamento técnico e/ou em valor diferente do alcançado no mercado:

Quando causa demanda efeito em valor de mercado imobiliário, normalmente o pleito é por quantia arbitrada por leigo (parte na causa, ou Advogado), e instruída com indícios (anúncios online), esvaziando o potencial de convencimento e, não raramente, destoando do que será resultante da análise pericial, em prejuízo para a parte que poderia ter explorado melhor o quantum pedido. Não é raro conclusão pericial diferente do pretendido por ambas as partes, em que se poderia pedir mais, ou menos, se se conhecesse antecipadamente o resultado esperado com a avaliação técnica do mercado imobiliário.

Ex.: Renovatória de locação em que o Autor/locatário propõe arbitramento judicial do aluguel em valor maior que o de mercado;

5- Elaboração de quesitos superficiais

A elaboração de quesitos deve partir da análise profunda do caso concreto, e das formas de se provar o alegado, o que envolverá conhecimento técnico, experiência com o comportamento do mercado imobiliário (tendências, conjuntura e fatores de valorização relevantes), bem como a análise do conteúdo esposado pelas partes nos autos do processo. Diferente disso, serão superficiais, não direcionarão o convencimento do Perito e do Juízo ao resultado desejado.

Além disso, quesitos cuja resposta é óbvia, ou já constará obrigatoriamente do Laudo Pericial, são desnecessários e tornam prolixa a defesa das teses abordadas. Entenda-se como superficial o quesito:

- cuja resposta é óbvia;
- cuja resposta é elemento obrigatório do Laudo Pericial;
- cuja resposta não remete, o Perito e o Juízo, ao desenvolvimento lógico da tese defendida;
- que não confronta a tese controversa, nem reforça a tese defendida;

Conclusão

Por todo o exposto, sempre que a demanda versar sobre valor relativo ao mercado imobiliário, este Perito Forense recomenda a contratação de profissional para a atuação como Assistente Técnico, desde o início do processo. Preferencialmente profissionais que tenham como principal atividade a perícia forense, para cumular a prática, o conhecimento técnico e o conhecimento dos trâmites forenses.

Quem inicia uma demanda judicial envolvendo valor relativo ao mercado imobiliário (Exemplos: compra e venda, alienação judicial de bem imóvel, aluguel, indenização, defeito construtivo, área diminuta, atraso de obra, desapropriação, penhora de bem imóvel, servidão administrativa, entre outras), já deve contar com o custo da Assistência Técnica, ou assume o risco de ter a defesa de seus interesses prejudicada por desconhecimento e inexperiência em relação ao comportamento do mercado imobiliário.

Julio Delamora Advocacia - Especialista em Direito Imobiliário. Com 18 anos de experiência em assuntos imobiliários. Atuante em consultoria e assessoria jurídica para imobiliárias, construtoras e pessoas físicas, em questões envolvendo imóvel (posse, locação, compra e venda, doação, inventário, partilha, sucessão, financiamento imobiliário, arrematação em leilão, indenização por benfeitorias, planejamento patrimonial, etc). Perito forense avaliador de imóveis. Membro das Comissões de Direito Imobiliário e Condominial, de Urbanístico e Regularização Fundiária da OAB/DF. Presidente da Comissão de Avaliação de Imóveis do CRECI-DF. Diretor pedagógico do SINDIMÓVEIS-DF.

Venda de imóvel econômico se manteve na pandemia


O imóvel econômico recebeu destaque das empresas de intermediação. “No ano passado, o mercado cresceu muito no segmento econômico. Neste ano, continuamos a vender esse tipo de imóvel. Foi um produto que continuou vendendo mesmo durante a pandemia”, afirma a diretora executiva da Lopes, Mirela Parpinelle. 

Na Lopes, segundo Mirela, esse tipo de imóvel respondeu por 20% das vendas. Na Abyara, foi 30% do faturamento, de acordo com seu presidente, Herbert Braz. 

As duas empresas atuam nos segmentos que vão desde o Minha Casa Minha Vida ao alto padrão, enquanto a Fernandez Mera centra sua operação em médio e alto padrão. 

“O econômico é a mola. Porque é nessa faixa que está a maior base da pirâmide”, afirma Mirela. “Nos melhores anos do mercado vimos pessoas subindo para classe B e comprar um imóvel maior. Agora, há mais pessoas entrando na faixa Minha Casa Minha Vida”, diz.

Mudança

“Todos precisam morar, independentemente do poder aquisitivo. Então, a pessoa que comprava um médio-alto, com renda maior, agora diminui a metragem, mas não deixa de comprar”, acrescenta sobre o movimento de compra constatado durante a pandemia e o isolamento social.

Além dos econômicos, estúdios e apartamentos de um dormitório fora das faixas do MCMV foram destaque no ano passado, tanto para a Abyara quanto para a Fernandez Mera. São o tipo de imóveis preferidos pelos investidores, que retornaram com mais intensidade ao mercado imobiliário em 2019, em função da queda da Selic e da menor atratividade de investimentos financeiros.

Juros

Neste ano, os juros baixos se tornaram ainda mais preponderantes para o mercado imobiliário. “Estima-se que a queda de 1 ponto porcentual na taxa de juros proporcione a entrada de 3 milhões de pessoas no financiamento imobiliário”, diz Mirela.

No início de 2019, a taxa estava em 8,31% e já vinha em trajetória descendente. Agora está em torno de 7%, e deve contribuir para movimentar o setor. 

A volta de ofertas de imóveis maiores, de três e quatro dormitórios, que havia escasseado a partir de 2014, também contribuiu para a melhoria nas vendas, segundo as imobiliárias. 

“Havia demanda reprimida por imóveis de 90 m², 100 m² e 150 m²”, diz Mirela. Com o estoque consumido e os sinais de retomada, as incorporadoras voltaram a lançar produtos desse tipo.

Fonte: ESTADO DE S. PAULO

quinta-feira, 30 de julho de 2020

A utilização de áreas comuns e as reuniões em condomínios conforme a Lei 14.010

No dia 10 de junho deste ano, entrou em vigor a Lei Federal nº 14.010, que trata do Regime Jurídico Emergencial e Transitório das Relações Jurídicas de Direito Privado (RJET) no período de pandemia da Covid-19.

No que concerne ao Direito Condominial, restaram sancionados os artigos 12 e 13 da referida lei. O primeiro citado trata da realização de assembleia virtual, ou, na impossibilidade, de prorrogação do mandato do síndico até 30 de outubro deste ano. Já o segundo reforça a obrigatoriedade da prestação de contas, sob pena de destituição do cargo.

Não obstante a segurança jurídica causada pela aprovação da medida, é preciso ressaltar que houve veto presidencial em relação ao artigo 11 do Projeto de Lei nº 1179/2020. Este que concedia ao síndico poderes excepcionais para restringir a utilização das áreas comuns de condomínios, assim como proibir a realização de reuniões e festividades — inclusive nas unidades autônomas — e o uso dos abrigos de veículos por terceiros.

De acordo com a Mensagem nº 33, publicada no Diário Oficial da União na mesma data, o veto presidencial se fundamenta na limitação da vontade dos condôminos, que somente poderia ocorrer mediante deliberação coletiva em sede de assembleia.

Embora o significativo esforço em preservar a soberania das assembleias condominiais, é de ressaltar que as regras vetadas foram elaboradas por competente comissão de juristas, conduzida pelo professor Otávio Luiz Rodrigues Junior, e extensivamente analisadas pelos membros do Congresso Nacional.

A concessão de tais poderes aos síndicos, por tempo determinado, acarretaria em maior autonomia e celeridade na adoção das medidas entendidas como imprescindíveis à diminuição do contágio pelo novo coronavírus, a depender das circunstâncias específicas do Estado e do município onde se situa o condomínio.

Considerando o veto presidencial, a limitação de uso das áreas comuns — tais como piscina, churrasqueiras, academias e entre outras —, assim como a proibição de reuniões nas unidades privativas, ainda que de boa-fé e no intuito único de preservar a vida e a saúde dos condôminos, serão submetidas ao procedimento deliberativo ordinário previsto no Código Civil e nas normas condominiais internas.

Dessa forma, a primeira medida a ser tomada pelo síndico que pretende proibir ou restringir a aglomeração de pessoas nas áreas comuns e privativas do condomínio é a convocação de assembleia, em cujo edital deverá constar expressamente a necessidade de que o tema seja submetido a votação.

Em interpretação extensiva do artigo 12, caput, da Lei nº 14.010/2020, a veiculação do edital de convocação poderá ser realizada por meios eletrônicos, a exemplo de e-mails e aplicativos de mensagens instantâneas, recomendando-se, por cautela, a manutenção e guarda dos respectivos comprovantes de envio a todos os condôminos.

Respeitado o prazo da convocação, a assembleia poderá ser efetuada, igualmente, por intermédio de ferramentas eletrônicas, desde que estas estejam disponíveis aos moradores, levando-se em conta a realidade fática de cada condomínio. 

Cristiane Yumi Ono é advogada especialista em Direito Condominial do escritório Zuba Advocacia.

A informalidade nas aquisições de imóveis financiados nas demandas contra as seguradoras

A transferência de bens imóveis se dá pela averbação do contrato de compra e venda no cartório de registro de imóveis correspondente. Esta averbação é de suma importância em razão da cientificação pública sobre o status do imóvel e é estabelecida no capítulo único do Título II do  Código Civil, artigo 1.227, quando se trata de direitos reais e, também, estabelecida no art. 1.245 do mesmo código. Assim, a titularidade seria do último adquirente constante na matrícula do imóvel.

Entretanto, na prática, não é o que ocorre. Um exemplo disso é o caso das dívidas condominiais que, mesmo sendo advindas de direito real, perdem esse caráter em razão da jurisprudência dominante, que ajusta a imissão na posse como determinante da responsabilidade pelas contribuições e taxas, relativizando esse direito. Ainda assim, a matrícula é o documento que comprova a propriedade e a legitimidade. Mas muitas vezes, quem cobra uma dívida se depara com imissões posteriores e não registradas, o que impede a recuperação efetiva de débitos do imóvel. Em tese, assumindo-se a posição de proprietário, assume-se todas as obrigações e direitos que ficam atrelados ao bem. Também, em tese, as dívidas e direitos decorrentes de direito pessoal não atingiriam os novos compradores.

Todavia, nos contratos de Seguro Habitacional, isso tem ocorrido, pois há entendimento divergente: “[...] É dizer, o próprio Poder Judiciário, ao entender pela legitimidade ativa dos autores, firmou o entendimento de que o objeto do seguro é o imóvel e não a pessoa, motivo pelo qual poderiam pleitear em juízo o seguro decorrente de danos inerentes ao imóvel desde sua construção.

É divergente em razão dos contratos de seguro habitacional não constarem no rol taxativo do artigo 1.225 do Código Civil, ficando impossibilitados de serem considerados como direitos reais, sendo o posicionamento acima comumente dissonante da legislação e jurisprudência vigente, com a relativização também dos direitos pessoais. Tal situação ocorre em razão do imensurável número de informalidades nas aquisições de imóveis, levando o caráter de direito pessoal do seguro a ficar em segundo plano.

O que frequentemente ocorre nos processos do Seguro de Habitação do SFH (Sistema Financeiro da Habitação), como finalidade de pagamento pelas seguradoras dos vícios construtivos ocorridos nos imóveis, é a propositura das ações por autores não vinculados às matrículas dos imóveis objetos das demandas, bem como não vinculados aos contratos de financiamento. Isso se dá em razão da informalidade das transações de compra e venda entre particulares sem a transferência do contrato de financiamento, contrato de mútuo e sem a interveniência da instituição que financiou o imóvel. Ao se tentar verificar a matrícula, além da transferência não estar averbada, em muitos casos sequer o contrato originário foi averbado no registro de imóveis, por serem gerados custos ao mutuário e ao terceiro cessionário. Ao não formalizar a transferência, deixa-se o imóvel em uma situação jurídica oculta a terceiros não contratantes, contrariando a lei 

Com políticas públicas referentes ao custo de averbação de propriedade dos imóveis, especialmente os adquiridos por meio de financiamento, seriam evitados transtornos para o judiciário, com abarrotamento de ações inviáveis e gastos extraordinários para as partes, especialmente para as seguradoras.

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Catherine de Andrade Colle é advogada empresarial no escritório Rücker Curi Advocacia e Consultoria Jurídica, com experiência em Direito Imobiliário.

Fonte: Migalhas

quarta-feira, 29 de julho de 2020

PALESTRA ONLINE: PERÍCIAS DE ENGENHARIA E INSPEÇÃO PREDIAL: APLICAÇÕES, NORMAS TÉCNICAS E MERCADO DE TRABALHO


O evento é aberto ao público e terá transmissão ao vivo pelo Canal do IBAPE/PI no YouTube.

Pericia judicial de acordo com o Código de Processo Civil


A fundamentação legal da perícia judicial está disposta nos artigos 464 a 480 do Código de Processo Civil. Segundo as normas, perito é o profissional ad hoc nomeado pelo juízo com conhecimento técnico ou científico, o qual não possui qualquer vínculo empregatício com o respectivo Tribunal do Estado em que encontra-se cadastrado, justamente porque é designado apenas para aquele ato. 

É, portanto, auxiliar do juízo que não deve ter interesse no processo, pois está ali para esclarecer os fatos.

Pode ser perito judicial pessoa física ou jurídica; órgão da administração pública ou funcionário público devendo estar devidamente cadastrado em seu órgão de classe como o CREA, CRM, CRP, por exemplo. 

Denota-se que esse profissional, além de habilitado, precisará realizar um cadastro no Tribunal de Justiça do estado o qual pretende atuar demonstrando a sua especialidade e demais informações curriculares que componha a sua formação naquela área. Todavia, caso não haja profissional cadastrado em determinada especialidade, cabe ao juízo nomear um profissional livremente. 

O perito é pessoa isenta e não interessada no processo, ou seja, ele presta serviço para o juízo visando elucidar o objeto da pericia. Se assim não o for, deverá ser declarado suspeito ou impedido.
Ademais, o perito poderá recusar a pericia por motivo legitimo, inabilitação para o cargo ou excesso de trabalho, hipótese onde haverá nomeação de um novo perito. 

Nesse mesmo contexto, ausente o conhecimento técnico ou científico ou havendo o descumprimento dos encargos sem apresentar motivo legítimo, o juiz afasta o perito do processo. Além disso, há comunição da desídia a corporação profissional a qual o perito está vinculado e ainda poderá fixar multa de acordo com o valor da causa, bem como obrigar o profissional a indenizar as partes de acordo com o prejuízo sofrido. 

Assim, a perícia judicial é composta de exame, vistoria e avaliação com o objetivo de proporcionar aos envolvidos no litígio a compreensão do fato ou do objeto da demanda judicial.

Entretanto, no que tange a valorização da perícia judicial não se poder perder de vista que ela é apenas um dos tantos outros meios de prova, como a documental, testemunhal ou depoimento pessoal, os quais, em último grau, têm como cerne o convencimento do magistrado. Todavia, em razão do seu caráter técnico e científico, a prova pericial possui maior carga de persuasão, sendo recorrente a sua adesão pelos magistrados ao proferirem a sentença.

Salienta-se que a perícia judicial será determinada na decisão de saneamento, momento em que se estabelece a organização do processo, razão pela qual havendo necessidade de uma perito, o juiz aproveita esta ocasião para nomear um expert.

Ressalta-se que, as partes devem ser intimadas para saber a data e o local da perícia, sob pena de nulidade em havendo prejuízo a uma das partes. Significa dizer que, se a parte perder a pericia por não ter sido intimada, a perícia deve ser realizada de novo.

No tocante aos honorários, após a nomeação do perito, este irá propor o valor que entende pertinente para a cobertura de seus serviços, observando-se que as partes podem impugnar o valor. Todavia, caso não haja impugnação, o juiz fixará o valor e a parte que pediu a perícia adianta o pagamento em 50% dos honorários antes do início dos trabalhos, mas caso haja impugnação, o juiz fixará um valor razoável ou nomeia outro perito. Por fim, o valor restante deve ser pago após a realização do trabalho pericial.

Na eventualidade da perícia ser inconclusiva ou deficiente o juiz poderá reduzir os honorários, porém esse caso precisa ser visto com muita cautela, pois há situações em que o perito entende inconclusivo justamente pela falta de elementos processuais e extra processuais necessários. 

O Código de Processo Civil permite que as partes contratem um assistente técnico, sujeito que detém a mesma expertise do perito e, portanto, subordinado aos respectivos Códigos de Ética e recomendações de sua categoria profissional. 

Destaca-se que, diferentemente do perito, não sofre com a suspeição ou impedimento, justamente porque o assistente técnico não precisa ser imparcial, já que é de confiança das partes. Contudo, devem ser igualmente comunicado sobre a data da perícia ou qualquer diligência que tenha a ver com o ato a fim de garantir o contraditório na formação da prova técnica.

Por óbvio, como são contratados pelas partes, os honorários devem ser combinados fora do processo e pagos por aquele que o contratou.

No que versa efetivamente sobre o ato pericial, podem participar além do perito: as partes, o Ministério Público nas ações que atuam; o(s) assistente(s) técnico e o juiz. 

As questões técnico-científicas, dúvidas, ponderações e pedidos de esclarecimentos, no contexto da perícia judicial, levam o nome de quesitos e podem ser formulados de igual modo pelas partes, pelo assistente técnico, pelo Ministério Público e pelo Juiz. 

Assim, os quesitos devem ser apresentados quinze dias após a intimação do despacho que nomeou o expert e respondidos durante a perícia judicial. Dessa forma, o profissional técnico ou científico terá dimensão do objeto de discussão pericial antes mesmo de realizá-la. 

Quanto à entrega do laudo, documento que externa as considerações, apontamentos e a base teórica do expert, denota-se que o juiz estabelecerá nos autos do processo o prazo final não podendo ultrapassar 20 (vinte) dias antes da realização de audiência de instrução e julgamento, justamente para que as partes e o juiz possam esclarecer eventual dúvida restante sobre o objeto da pericia.

Como regra, o perito deverá demonstrar motivo legitimo para obter a prorrogação do prazo, o que só poderá ser deferida uma única vez e até a metade do prazo daquele primeiro concedido. Entretanto, caso fique demonstrado caso fortuito ou motivo de força maior, como por exemplo, queda de energia ou chuva, poderá ser concedido prazo além da metade, desde que 20 (vinte) dias antes da audiência de instrução e julgamento. 

A jurisprudência tem se posicionado que é possível formular quesitos suplementares durante a realização da perícia e após, ou seja, uma vez depositado o laudo, as partes são intimadas para manifestarem-se do laudo, ocasião em que também poderão oferecer quesitos suplementares para esclarecer omissões, equívocos, dúvidas ou novas questões, desde que estão adstritas ao mesmo objeto daquela perícia.

Porém, na eventualidade dos quesitos serem procrastinatórios, impertinentes, fora da área de conhecimento técnico ou científico ou contenha opinião pessoal dos fatos, o juiz poderá indeferi-los à luz do art. 470 do Código de Processo Civil.

Denomina-se perícia complexa aquela que demanda a expertise de mais de uma área de conhecimento. Nesse caso, cada perito nomeado pelo juiz deve atuar em sua área de domínio e elaborar o seu próprio laudo. Além do mais, como há mais de um perito, poderá igualmente ser indicado pelas partes um assistente técnico para cada área de conhecimento.

De outra sorte, atendendo o espírito do Novo Código de Processo Civil, há no art. 471 a previsão de perícia consensual, modalidade onde as partes conjuntamente escolhem um mesmo perito com característica de negócio jurídico processual, podendo ser perito não cadastrado no Tribunal de Justiça, com tanto que preencha os requistos legais, quais sejam: ser pessoa plenamente capaz e que tenha possibilidade de fazer transação, além de ser profissional habilitado.

Cumpre observar que esse perito substitui a perícia que seria designada pelo juiz, ou seja, tem validade jurídica plena. Contudo, o perito consensual poderá, de igual modo, ser intimado para esclarecer pontos controvertidos. 

O Código prevê a possibilidade de realização de nova perícia quando a matéria não estiver suficientemente esclarecida, mantendo-se fiel aos mesmos fatos e objetos da primeira perícia, mas para esclarecer omissões ou inexatidão do resultado.

Pisa-se que a segunda perícia não invalida a primeira, ou seja, o juiz avalia as duas perícias de modo que a perícia ulterior poderá, inclusive, ser realizada pelo mesmo perito ou quando necessário por um novo.
Por derradeiro, estabelece o art. 478 que quando a perícia for sobre a) autenticidade ou falsidade de documentos e b) natureza médico-legal a perícia deverá ser realizada em órgãos oficiais, tais como: policias científicas, Instituto médico-legal, Instituto de criminalista, entre outros, haja vista a presunção de legitimidade e autenticidade desses órgãos.

Da mesma forma, a lei é taxativa quanto à perícia grafotécnica, já que quando o objetivo for atestar a autenticidade da letra ou firma (assinatura), o objeto de comparação deve ser um documento oficial, ou seja, de repartição pública (RG, CNH, certidões, etc). Todavia, na ausência desses documentos, o juiz determinará que a parte escreva em um papel em branco no ato da audiência de instrução e julgamento a fim de comparar a letra com o documento paradigma.

Ante todo o exposto, é possível observar que a perícia judicial trata-se de elemento probatório complexo e procedimental, muitas vezes, exigindo-se a realização de atos contínuos, o que implica na sua morosidade.

Entretanto, é cristalina a intenção do legislador vigente, arraigado no princípio da cooperação e da celeridade processual que a perícia precisa ser mais célere, sobretudo quando observado a redução do prazo fatal quanto à entrega do laudo, bem como a possibilidade da perícia consensual, duas previsões inexistentes no Código Processual anterior. 

Monique Rodrigues do Prado - Advogada, palestrante e facilitadora no Instituto Gaio. Atuo nas áreas de Direito Médico e Direito de Família. Além disso, componho o corpo jurídico de advogados voluntários da EDUCAFRO. Co-Fundei o Afronta Coletivo, trabalho sociocultural protagonizado por mulheres negras que acredita na disseminação da cultura afrobrasileira. Também, participo do Comitê de Igualdade Racial do Grupo Mulheres do Brasil.
Fonte: Artigos Jus Navigandi

GOVERNO VENDE IMÓVEIS VIA INTERNET


A Secretaria de Patrimônio da União (SPU) está disponibilizando alguns dos imóveis que, por meio de concorrência pública, serão vendidos via internet. Fazem parte dessa primeira lista 109 dos 907 imóveis que estão na “esteira de vendas” do governo federal. Segundo o governo, os 109 imóveis desta primeira leva, localizados em sete estados, estão avaliados em cerca de R$ 100 milhões. De acordo com o secretário de Coordenação e Governança do Patrimônio da União, Fernando Bispo, a expectativa de arrecadação com os 907 imóveis – prédios, lojas, terrenos, salas e apartamentos vagos ou sem uso – é de R$ 1,7 bilhão, caso sejam colocados à venda.

Na avaliação da SPU, imóveis que não estão sendo utilizados na prestação de serviços públicos acabam gerando custos para a administração. “Muitos desses imóveis federais são alvo de invasões, depredações e alguns ainda têm risco iminente de colapso, colocando em risco a vida de pessoas. Esses bens, quando adquiridos por particulares, trazem uma excelente oportunidade de desenvolvimento das economias dos municípios”, argumentou, em nota, o secretário.

Um dos leilões mais aguardados nesse novo formato é o do edifício A Noite, no Rio de Janeiro. Inaugurado em 1929, o prédio, de 22 andares e 102 metros de altura, tem projeto do arquiteto francês Joseph Gire, também criador do Hotel Copacabana Palace, e do brasileiro Elisário Bahiana. Foi o primeiro arranha-céu da América Latina e primeiro mirante do Rio de Janeiro, e é tombado pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) desde 2013.

O valor estimado da venda do edifício A Noite é de R$ 90 milhões. O edifício também abrigou a pioneira Rádio Nacional desde a sua criação, em 1936, e foi ocupado durante décadas pela Empresa Brasil de Comunicação (EBC). De acordo com a nova lei que flexibiliza a venda de bens públicos, o valor dos imóveis poderá ser reduzido em até 25% do valor inicial de oferta se houver necessidade de um segundo leilão. No caso de um imóvel ter sido ofertado duas vezes em leilões poderá ser vendido diretamente, com intermediação de corretores de imóveis, mantendo-se o desconto.

A participação no leilão é feita pelo Portal de Imóveis da União. Na página, os bens podem ser filtrados por valor ou pela localização por estado ou município. Há, ainda, a avaliação, identificação do respectivo edital e mapa com localização. Para participar da concorrência pública, o interessado deverá fazer o credenciamento prévio no portal Gov.br, criando login com nome e senha. Depois disso, basta apresentar a proposta, que deve ser igual ou superior ao preço de avaliação do imóvel. A partir de então, o interessado se torna um licitante e passa a receber informações de como proceder durante concorrência virtual. Para ser habilitado, deverá ser feita uma caução correspondente a 5% do valor de avaliação da propriedade.

No caso de pessoa jurídica, serão desclassificadas aquelas que não tenham certidão Negativa de Débitos Relativos aos Tributos Federais e à Dívida Ativa da União; estejam com CNPJ inaptos, suspensos, nulos ou baixados; e possuam sanção que impeça a participação em licitações ou a contratação com o Poder Público.

Fonte: Época Negócios

terça-feira, 28 de julho de 2020

Os processos judiciais


As ações judiciais originam-se de conflitos de interesses, motivados por prejuízos, questões tributárias, desentendimentos, pessoais, crimes e outros.

As ações tratam dos mais variados assuntos, como por exemplo, o de um consumidor que processa fabricante de xampu alegando danos aos seus cabelos, ou um trabalhador que pleiteia o recebimento de adicional de insalubridade.

Os juízes obviamente não têm condições de adquirir todos os conhecimentos técnicos nos diferentes ramos do saber. Como podem então decidir e estabelecer penas nestas ações? Surge a figura do perito, profissional de formação técnica que auxiliará o magistrado no deslinde dos feitos.

O PERITO JUDICIAL

O Perito é o homem de confiança do juiz, seu braço direito, seus olhos e ouvidos, e sempre que o juiz tenha dúvida por determinada matéria vai nomear este profissional; que de forma honrosa deverá aceitar a nomeação, cumprir com o determinado e emitir seu laudo para que o juiz consiga dar sua sentença.

O Perito tem varias denominações, porém todas elas são a mesma coisa, ou seja, PERITO.

- Especialista no assunto;

- "Expert”;

- Assistente DO JUÍZO;

- “Longa Manus” (oficial de Justiça mão longa do Poder Judiciário).

NOMEAÇÃO E VÍNCULO

Sempre que o juiz nomeia um perito, o mesmo deverá atender tal notificação para realizar a perícia e emitir o laudo. Porém tem que ficar muito claro que o perito é NOMEADO e não um funcionário do Juiz ou Vara, portanto não tem vínculo empregatício.

PROCESSO

- Fato Jurídico – um fato jurídico é tudo que acontece de origem natural ou humana que gere consequências jurídicas.

- Ato Jurídico - é decorrente da vontade do homem devidamente manifestada, por um processo, onde a pessoa propõe a ação.

- As Partes do processo – são os envolvidos do litígio ou discussão. Quem move a ação é denominado Autor ou Requerente. O acusado é chamado de Réu ou Requerido.

- O Juiz – aquele que julga, é um cidadão investido de autoridade pública com o poder para exercer a atividade jurisdicional, julgando os conflitos de interesse que são submetidos à sua apreciação.

- O Perito - é um “expert”, uma pessoa que tem conhecimentos e aptidões acima do normal, relativos a um assunto ou área e domina a técnica ou conhecimento.

- Assistente Técnico – geralmente contratado por uma das partes, para auxiliar seus advogados em questões que os mesmos desconhecem, bem como acompanhar o Perito do Juízo nos processos judiciais, cabe ao assistente estar presente em todas as diligências. Seu papel é muito importante para a parte que o contratou.

OS PRINCÍPIOS PROCESSUAIS

- Imparcialidade – ninguém pode se envolver no processo, nem mesmo o juiz, todos devem ser imparciais em suas decisões e sentenças.

- Contraditórios – ambas as partes devem ter acesso, a todos os documentos, provas e fatos, para análises.

- Livre Convencimento – O juiz tem que tomar suas decisões baseadas em provas, nunca por opinião pessoal, as provas podem servir para seu livre convencimento e sua decisão, mas nunca por opinião própria sem base na lei.

- Efeitos Públicos – Todos os processos que tramitam nos tribunais são públicos, exceto os que envolvem segredo de justiça, por expor a imagem de pessoas ou assuntos de comoção social, os demais são públicos e qualquer cidadão pode solicitá-los para verificação.

- A Inércia Processual – O magistrado deve ser “provocado” pelas partes, um processo deve sempre estar em movimento, caso contrário ficará parado, se as partes não estiverem sempre acompanhando e “cutucando” o juiz, simplesmente veremos o que sempre estamos acostumados a ouvir, que o processo ficou parado há anos.

AS FASES DO PROCESSO

- Petição Inicial – Escrita pelo advogado do Autor, descrevo o que motivou a ação. Extremamente obrigatório ler todo seu conteúdo.

- Citação – chamamento do réu ao processo.

- Resposta ou Contestação – escrita pelo advogado do Réu, contém sua “defesa”.

- Preliminares – audiências, sentenças antecipada pelo juiz, ou até mesmo a extinção do processo caso o mesmo não tenha fundamentos jurídicos de ser.

- Perícias – as provas, e as diligências.

- Instruções e julgamento – são as audiências.

- Sentença do Juiz – este é o ato final dado pelo juiz.

O judiciário reconhece como prova, uma confissão, um depoimento, testemunhas, e o principal a palavra do PERITO, seu laudo pericial, seu parecer técnico de determinado assunto, no qual o mesmo domina.

REQUISITOS PARA UMA BOA PERÍCIA

O art. 473 do Novo CPC elenca, então, o requisitos do laudo pericial. Dessa maneira, ele deverá conter:

- a exposição do objeto da perícia; 

- a análise técnica ou científica realizada pelo perito;

- a indicação do método utilizado, esclarecendo-o e demonstrando ser predominantemente aceito pelos especialistas da área do conhecimento da qual se originou;

- resposta conclusiva a todos os quesitos apresentados pelo juiz, pelas partes e pelo órgão do Ministério Público.

CONTEÚDO DO LAUDO

- Capa – protocolo;

- Identificação;

- Considerações Preliminares;

- Dos Autos;

- Contestação;

- Das Análises;

- Quesitos (se houver);

- Anexos (CD, DVD, Material, etc);

- Conclusão Final.

Fonte: APEJESP - Associação dos Peritos Judicias do Estado de São Paulo com adaptações.

Intervenção judicial em contrato imobiliário e a Lei de Liberdade Econômica


Texto de autoria de Fábio Machado Baldissera e Demétrio Beck da Silva Giannakos

Introdução

O objetivo deste breve artigo é chamarmos a atenção para o fato de que, não raras vezes, verifica-se uma inadequada intervenção do Poder Judiciário nos contratos. Por essa razão, pinçamos uma decisão do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro (TJRJ), a qual, ao nosso sentir, desvirtuou o que as partes originalmente acordaram em um contrato de promessa de compra e venda de imóvel.

Desafortunadamente, tal decisão alterou o que havia sido avençado de forma cristalina pelas partes no contrato, sem que existissem elementos no processo que pudessem justificar a fundamentação adotada em tal decisão. Aliás, a decisão restou fragilmente alicerçada e em desacordo com a normativa processual civil, em especial no seu artigo 4891. Para piorar, valeu-se da boa-fé objetiva e da função social do contrato, a fim de dar azo à discricionariedade dos julgadores.

Espera-se que essas decisões sejam cada vez mais isoladas. Nesse contexto, a incorporação da Lei de Liberdade Econômica no nosso sistema jurídico parece ter vindo em boa hora e poderá ser um valioso instrumento para inibir o conhecido ativismo judicial.

Análise da decisão do TJRJ que reduziu a cláusula penal da promessa de compra e venda de imóvel

Feitas as considerações iniciais, passamos a analisar a decisão do TJ/RJ que julgou a Apelação Cível nº 0232054-13.2012.8.19.0001, fundamentando a decisão por meio de princípios contratuais usados de forma inadequada. Tal decisão, em nosso entender, teve um cunho acentuadamente discricionário, na medida em que existe falta de suporte legal e, aparentemente, contratual e fático2, para a radical modificação do contrato imobiliário3 firmado entre as partes4.

O recurso de apelação versou, de forma resumida, sobre cláusula penal estabelecida entre as partes, no valor de R$ 500.000,005, caso uma delas descumprisse o contrato de promessa de compra e venda de imóvel, esse com valor estipulado em contrato no montante de R$ 360.000,00. Contudo, o TJRJ, ao julgar o recurso, reduziu a cláusula penal para o montante de R$ 30.000,00.

Em apertada síntese, o TJRJ mencionou que a decisão se pauta na "primazia dos ditames da equidade, da boa-fé objetiva e da função social do contrato, que devem prevalecer à convenção das partes", bem como que a decisão se encontrava alicerçada conforme os "princípios da razoabilidade, proporcionalidade e vedação ao enriquecimento ilícito". Destaca-se, de outro lado, o acerto do acórdão ao invocar o artigo 412 do Código Civil6, para limitar a cláusula penal, conforme previsto no citado artigo. Contudo, excedeu-se quando reduziu abruptamente a cláusula penal com base na sua discricionariedade.

Ao analisar os autos do processo, salvo melhor juízo, não há indicativo de descumprimento do contrato de promessa de compra e venda, a fim de que pudesse ser legitimada a redução da cláusula penal em desfavor do autor e beneficiário da cláusula penal. A decisão foi contrária às disposições legitimamente acordadas pelas partes no caso concreto, como se pode depurar da Cláusula 6.2 do contrato, "O não cumprimento de qualquer das cláusulas ou, ainda, a rescisão unilateral ensejará uma multa de R$ 500.000,00 (quinhentos mil reais)".

Desse modo, o Poder Judiciário poderia reduzir a multa até o montante da obrigação, ou seja, R$ 360.000,00, escorado pelo artigo 412 do Código Civil. Não obstante, reduziu a cláusula penal para R$ 30.000,00, ou seja, num patamar 16 vezes menor do que a cláusula penal originalmente pactuada e 12 vezes menor do que a obrigação avençada no contrato.

Quais os parâmetros para a redução tão abrupta da cláusula penal em desprestígio à autonomia privada?

A decisão se equivocou ao utilizar importantes princípios contratuais que servem para dar sustentação ao julgador, sobretudo em hipóteses onde se faz necessária uma interpretação do todo, reduzindo-os como argumento retórico. A redução para o valor de R$ 30.000,00 é baseada em uma concepção moral7 e subjetiva dos julgadores de que, em suas visões, tal valor seria suficiente para ressarcir o descumprimento abrupto do contrato. Uma pena.

Frisa-se que, no caso em tela, estamos tratando de uma relação simétrica, na qual não há descompasso entre os contratantes. Portanto, decisões que escapam geometricamente à vontade das partes são inconcebíveis8. Ademais, elas causam um efeito indesejado ao sistema, pois estimulam a judicialização9, trazendo insegurança jurídica, pois um contrato não respeitado sob a chancela do Poder Judiciário pode criar um efeito manada (ou efeito dominó). Tal efeito é maléfico à sociedade e ao próprio Judiciário.

A Lei da Liberdade Econômica: um alento à autonomia privada trazido pelo legislador

Em 20 de setembro de 2019, o legislador trouxe a resposta que vinha sendo reivindicada pela sociedade e, especialmente, pelo mundo empresarial, editando-se a chamada Lei da Liberdade Econômica (lei 13.874/2019).

Destaca-se a inserção pelo novel texto legal do §1º ao artigo 113 e do artigo 421-A ao Código Civil, bem como a nova redação conferida ao seu artigo 421, os quais prestigiam a autonomia da vontade. A intenção trazida pela modificação legislativa, ao nosso entender, foi de reduzir a discricionariedade10 judicial e a busca da preservação do autorregramento e da liberdade das disposições contratuais pactuadas pelas partes.

Como resultado, espera-se que os novos dispositivos da Lei da Liberdade Econômica sirvam para prestigiar a segurança jurídica e a autonomia das partes, que são basilares ao desenvolvimento de qualquer nação.

Na prática, o conhecimento por uma das partes sobre a possibilidade de decisões que intervenham de forma despropositada no contrato alinhado pode motivar comportamentos oportunistas que comprometem o mecanismo de mercado, prejudicando a eficiência econômica e a virtude das trocas que visam a gerar ganhos esperados de bem-estar para as partes envolvidas11. Dessa forma, eventuais decisões dos Tribunais, que sejam proferidas sem a melhor técnica jurídica, trazem o risco de estimularem o descumprimento contratual por parte do devedor que, sabendo desse posicionamento, vê-se incentivado a descumprir a avença quando lhe for conveniente.

Com o advento da Lei da Liberdade Econômica, intenta-se reduzir a esfera de intervenção nas relações contratuais, tendo como exceção, na dicção do caput do art. 421-A do Código Civil, situações que apresentem elementos concretos que justifiquem o afastamento da presunção de paridade e simetria das partes. Contrariamente no que se encontra nas relações de trabalho e de consumo, a assimetria nas relações civis e empresariais não é presumida, ao invés, tem-se como requisito a sua comprovação.

As modificações trazidas pela Lei da Liberdade Econômica não são incólumes de críticas, notadamente no que tange a uma possível mais clara redação12. Contudo, a nova normativa era necessária. Ela prestigiou de forma salutar a autonomia e a vontade das partes nas relações contratuais, nas quais se presume a simetria, sem prejuízo de que seja identificado pelo julgador a presença de elementos que alicercem o excepcional tratamento assimétrico, o qual deve ser passível de comprovação, nos termos da lei.

Conclusões

Como principais conclusões desse breve estudo destacam-se:

(i) Os princípios contratuais não devem servir como tábua de salvação para descumprimento contratual, sob pena do seu esvaziamento e do aumento do custo de transação que traz prejuízos a sociedade.

(ii) O Judiciário deve ter o cuidado de fundamentar as suas decisões com exacerbada discricionariedade, subjetividade e/ou com escassez de adequada técnica jurídica e reflexão, sob pena de enfraquecer o sistema jurídico.

(iii) A Lei de Liberdade Econômica está posta para que os julgadores distingam, com maior clareza, a aplicação da lei e dos princípios contratuais, modulando-os conforme o caso concreto e a intenção das partes.

*Fábio Machado Baldissera é advogado, sócio de Souto Correa Advogados, doutor em Direito pela Universidad de Burgos, especialista em Direito Imobiliário pela FADISP, diretor estadual do IBRADIM – RS, diretor da AGADIE, professor em cursos de pós-graduação e autor de diversos artigos e obras jurídicas. Rede social: @fabiombaldissera.

**Demétrio Beck da Silva Giannakos é advogado, especialista em Direito Internacional pela UFRGS, mestre e doutorando em Direito pela UNISINOS, sócio do escritório Giannakos Advogados Associados, associado do IBRADIM. Rede social: @demetriogiannakos.
__________

1 Nesse sentido, vide: O impacto do Novo CPC no Direito Contratual: a exigência de Fundamentação das decisões e a Aplicação do princípio da boa-fé. In: Impactos do novo CPC e do EDP no Direito Civil Brasileiro (Coord. Marcos Ehrhardt Jr., Belo Horizonte: Fórum, 2016, p. 37-54, em especial, p. 49-52.

2 Nesse sentido, buscamos acesso integral aos autos, a fim de não cometer justamente a falha do sistema que indicamos nesse breve artigo.

3 André Abelha ao analisar os dispositivos trazidos pela Lei dos "Distratos" (Lei 13.786, de 28.12.2018), pondera que a redução da cláusula penal pelo juiz somente será legítima para coibir excessos: "(...) não se pode afastar a possibilidade de redução, pelo Judiciário, da penalidade contratual pactuada nos contratos imobiliários, mesmo que ajustada pelas partes dentro dos limites previstos na lei 13.786/18. Isto não significa, contudo, um cheque em branco para o juiz. O dispositivo em questão traz uma condição claríssima para a redução: excesso manifesto. Reparem: não basta um excesso qualquer; ele deve ser manifesto, ululante, exagerado". ABELHA. André. Lei 13.786/18: Pode o juiz reduzir a cláusula penal? Acesso 24 de julho de 2020.

4 (...) Negócio jurídico entabulado sob condições específicas, visando a autorização judicial da venda, momento em que seria concretizado o pagamento do preço avençado, mediante depósito em juízo. 3. Sentença de improcedência do pleito autoral fundamentada, em síntese, no princípio da exceção de contrato não cumprido. 4. Autor que, todavia, logrou comprovar documentalmente ter adotado as providências pactuadas que lhe cabiam para obtenção da autorização judicial de venda. 5. Caso concreto que denota ulterior desequilíbrio financeiro do contrato ocorrido por motivos alheios à vontade das partes contratantes. 6. Prejuízos do autor advindos da quebra do contrato que deve ser abrandado pela existência de circunstâncias fáticas que ensejaram tal descumprimento pelos réus, com primazia dos ditames da equidade, da boa-fé objetiva e da função social do contrato, que devem prevalecer à convenção das partes. 7. Aplicação da cláusula penal que se impõe, reduzida a patamar que se amolde as circunstâncias fáticas em tela, em adequação aos princípios da razoabilidade e proporcionalidade. 8. Provimento parcial do recurso do autor e desprovimento do recurso dos réus. (Des(a). Elton Martinez Carvalho Leme - Julgamento: 01/06/2016 - Décima Sétima Câmara Cível - 0232054-13.2012.8.19.0001 – Apelação).

5 6.2. O não cumprimento de qualquer das cláusulas ou, ainda, a rescisão unilateral ensejará uma multa de R$ 500.000,00 (quinhentos mil reais).

6 Art. 412. O valor da cominação imposta na cláusula penal não pode exceder o da obrigação principal.

7 Lenio Luiz Streck, sobre a temática dispõe: "Quero dizer, simplesmente, que na Democracia não é a moral que deve filtrar o Direito e, sim, é o Direito que deve filtrar os juízos morais. Simples assim". STRECK, Lenio Luiz. Precisamos falar sobre direito e moral: os problemas da interpretação e da decisão judicial. 1 ed. Florianópolis: Tirant Lo Blanch, 2019, p. 11. O que se pretende demonstrar aqui é que o Direito não pode ser corrigido pela moral.

8 Conforme: KLOH, Gustavo. Teoria econômica da propriedade e dos contratos. In: Direito e economia: diálogos (coord. Armando Castelar Pinheiro, Antônio J. Maristello Porto, Patrícia Regina Pinheiro Sampaio, Rio de Janeiro: Editora FGV, 2020, p. 304, "O grande desafio é o equilíbrio entre um possível excesso de intervencionismo e as dificuldades dessa intervenção, encontrar um meio-termo onde não haja uma restrição ao funcionamento do mercado e altos custos fiscais impostos para atingir a eficiência esperada".

9 Este ponto também é importante ao debate. O indivíduo que ajuíza uma ação no Brasil contribui em média com apenas 10% do custo do novo processo gerado. Há, assim, um evidente incentivo para que muitas ações sejam ajuizadas, levando ao esgotamento da atividade jurisdicional como bem comum. WOLKART, Erik Navarro. Análise econômica do processo civil: como a economia, o direito e a psicologia podem vencer a tragédia da justiça. São Paulo: Thomson Reuters Brasil, 2019, p. 87.

10 É preciso compreender a discricionariedade como sendo o poder arbitrário (antidemocrático) em favor do juiz para "preencher" os espaços "vazios" do modelo de regras (leis). Discricionariedade, no modo como ela tem sido praticada, acaba, no plano da linguagem, sendo sinônimo de arbitrariedade. STRECK, Lenio Luiz. Dicionário de Hermenêutica: 50 verbetes fundamentais da Teoria do Direito à luz da Crítica Hermenêutica do Direito. 2 ed. Belo Horizonte: Coleção Lenio Streck de Dicionários Jurídicos; Letramento; Casa do Direito, 2020, p. 75-84.

11 COULON, Fabiano Koff; TRINDADE, Manoel Gustavo Neubarth; GIANNAKOS, Demétrio Beck da Silva. Lei da Liberdade Econômica e o comportamento oportunista dos contratantes. Jota. Acessado em 09 de julho de 2020.

12 Ver: TARTUCE, Flávio. A Medida Provisória n. 881/2019 (Liberdade Econômica) e as alterações do Código Civil. RJLB, ano 5 (2019), n. 4, 871-904.

Fonte: Migalhas dos Leitores

Tecnologias no Direito Imobiliário, os principais impactos no setor


A relação entre Direito Imobiliário e novas tecnologias é observada em inovações disruptivas que já modificaram modelos de negócios, como o uso de plataformas eletrônicas na locação para temporada, naquelas que pretendem alterar profundamente o setor, a exemplo de proptechs, smart contracts e aplicação da tecnologia blockchain nos cartórios de registros públicos, além da digitalização de atividades tradicionais, percebida, por exemplo, na realização de assembleias virtuais.

Isto importa no reconhecimento de que essas inovações ao proporcionarem benefícios alternativos quando comparados aqueles que se costumava esperar, promovem mudanças significativas, as quais, em geral, não representam uma unanimidade. Afinal, existem posturas de rejeição dogmática, euforia, adaptação e aquelas direcionadas a aproveitar janela de oportunidades específica.

Este é o cenário de desafios para empresas e profissionais, o que exige aprofundamento no tema, de maneira a organizar debate regulatório interdisciplinar vocacionado ao design de soluções negociadas na busca por equilíbrio entre os interesses das partes interessadas, simultaneamente à discussão acerca das novas habilidades e competências exigidas daqueles que atuam nesse setor.

1. Blockchain e smart contracts

A tecnologia blockchain surgiu no âmbito das criptomoedas enquanto rede para registro de transações, principalmente, com bitcoins, chamando a atenção de vários setores pela segurança que proporciona às transações, reduzindo os riscos de falsificação. Isto é possível porque a tecnologia funciona na forma de uma cadeia de blocos, cada um com sua impressão digital (“hash”), fornecida por função matemática que carrega um código com letras e números, que cresce a cada transação, gravando todos os negócios que envolveram aquele bloco. Permite-se, assim, verificar se houve qualquer alteração para que seja possível invalidá-lo, ou confirmar se o código realmente é válido.

Acompanhando a definição da literatura especializada, a expressão pode ser sintetizada enquanto rede de negócios segura, em que ativos são transferidos por meio de um livro de registro comum, que é continuamente sincronizado e do qual todos os participantes possuem cópia.

O termo smart contracts originalmente atribuído ao cientista da computação, professor Nick Szabo, foi cunhado para um banco de dados que armazenava contratos, automatizando cláusulas importantes a fim de desencorajar a violação de seus termos.

Atualmente, diz respeito a softwares criados em linguagem de programação específica e armazenados dentro de uma rede de blockchain. Essa característica é a responsável por disseminar o uso de smart contracts, reduzindo os riscos de invasão, aumentando integridade, segurança e confiabilidade por intermédio dos registros que podem ser verificados por todas as partes interessadas.

Assim, esses documentos não podem ser alterados depois de firmados, preveem cláusulas aceitas por todas as partes contratantes, que não exigem intervenção humana para avaliar ou concretizar seu cumprimento. Em síntese, há um contrato sendo executado autonomamente por software em harmonia com condições definidas previamente.

Imagine-se, por exemplo, uma compra e venda com cláusulas resolutivas expressas. O comprador transfere recursos para a rede de blockchain onde se localiza o smart contract, a qual direciona automaticamente tais quantias para o vendedor à medida que aquelas condições vão sendo superadas e, caso, alguma não o seja, os recursos retornam ao comprador.

Esta situação hipotética se torna factível com o apoio de cartórios que utilizam a tecnologia blockchain para registro de títulos de propriedade, funcionalidades de emissão de ordens de pagamento online e dispositivos que confirmem autonomamente as características da propriedade objeto da negociação.

Na China, a imprensa local noticiou a abertura em abril de 2019 do primeiro cartório habilitado para blockchain em Pequim. Naquele espaço, permite-se ao detentor de um certificado verificar o conteúdo do documento digitalizando um código, além de outras funções que visam impedir a falsificação de documentos e o aproveitamento de assimetrias informacionais por fraudadores.

Outro caso pertinente é o da República Democrática da Geórgia. Naquele país, a implementação do registro de título de propriedade baseado em blockchain iniciou-se em 2016, contabilizando mais de 100 mil títulos registrados até 2019. O procedimento inicia-se com a solicitação do serviço pelo cidadão, em seguida o oficial do cartório realiza o registro apoiado na solução de blockchain, o sistema fornece ao cidadão um certificado digital de seu ativo, suportado com prova criptográfica da originalidade, publicada na rede pública de blockchain, sendo possível aos cidadãos verificarem a legitimidade de qualquer título.

Em termos de eficiência, o relatório da Comissão Europeia “Blockchain for digital government”, publicado em 2019, explicita que a Agência Nacional de Registro Público da Geórgia conseguiu apoiado nessa tecnologia reduzir o tempo de registro de uma propriedade para minutos, o que antes levava de 1 a 3 dias; a verificação desse tipo de documento público passou a ser feita em segundos; e os custos operacionais foram diminuídos em 90%.

Além disso, já existem plataformas privadas que realizam eletrônica e automaticamente a celebração de contratos envolvendo negócios imobiliários, abrangendo espaço virtual para a oferta da propriedade, negociação, checklist, gestão, análise e auditoria de documentação, armazenamento na nuvem e assinatura digital. Do mesmo modo, outras empresas oferecem linguagem de programação customizável para diferentes tipos de contratos, prevendo antecipadamente todas as possibilidades de acontecimentos e consequências durante o prazo de vigência daquele instrumento.

No espaço legal, existe no Canadá norma jurídica sobre tecnologia da informação (“Act to establish a legal framework for information technology”) fixando garantias para os sujeitos que fazem uso de documentos pré-programados, tais quais os smart contracts. Assegura-se, dessa maneira, a obrigatoriedade de o documento fornecer instruções quanto ao seu uso, informando adequadamente acerca de erros potenciais e mecanismos para mitigá-los ou corrigi-los, bem como evitar o recebimento de produtos e serviços não solicitados devido a alguma inadequação do software.

No Brasil, tramita no Senado Federal, o projeto de lei 2.876/20 que objetiva a alteração da Lei de Registro Públicos (lei 6.015/73) para estabelecer que os registros de títulos e documentos e de imóveis sejam feitos também em “Sistema Eletrônico de Blockchain Nacional”, o qual, segundo a redação do PL, seria disponibilizado pelo Conselho Nacional de Justiça.

Quanto aos contratos eletrônicos, o PL 2.359/20, em tramitação na Câmara dos Deputados, propõe o acréscimo ao rol do artigo 784, CPC/15, “o documento particular, assinado, manual ou digitalmente”, apoiado na decisão do STJ no REsp 1.495.920/DF, na qual compreendeu-se pela possibilidade de reconhecimento excepcional da executividade dos contratos eletrônicos quando atendidos requisitos específicos, em decorrência da “nova realidade comercial com o intenso intercâmbio de bens e serviços em sede virtual”.

2. Proptechs

O acrônimo “proptech” designa “property technology”, inovações aplicadas ao setor imobiliário, das quais fazem parte “construtechs” e “contechs”, ligadas especificamente à indústria de construção, entre outras expressões. Semelhantemente ao que ocorre nos casos de “fintechs” ou “lawtechs”, as startups voltadas para esse setor oferecem produtos e padrões inovadores ou novos modelos de negócios, ambos apoiados em tecnologia.

Em 2017, quatro proptechs foram avaliadas em mais de US$ 1 bilhão. A atuação dessas empresas consiste em intermediar negociações imobiliárias, representar juridicamente em meio eletrônico compradores e vendedores, realizar a gestão de patrimônio subsidiada na análise de big data, sugestão autônoma de opções de negócios a partir das informações relativas as características do imóvel fornecidas pelo usuário, entre outras.

Inteligência artificial, realidade virtual e aumentada, blockchain e big data são algumas tecnologias utilizadas pelas proptechs para concretizar a inovação nesse setor. Exemplos de funcionalidades são variados, incluindo: definição de preços por algoritmos; análise preditiva de mercados; due diligence para transação imobiliária a partir de processamento de linguagem natural; automação de contratos; soluções inteligentes para gestão de energia, iluminação e proteção contra incêndios; assistentes virtuais; tours virtuais em 3D; rede privada de blockchain para registrar e rastrear propriedades a fim de ampliar confiança e transparência.

3. Plataformas de locação para temporada

A intermediação realizada no meio eletrônico entre proprietários de imóveis e turistas ou outros sujeitos interessados em acomodações é inovação na locação para temporada que se consolidou nos últimos anos. Sem dúvidas, constatou-se a emergência de um novo modelo de negócios, o qual, segundo estatísticas divulgadas por empresa do setor, é usado diariamente por aproximadamente dois milhões de pessoas em mais de oitenta mil cidades ao redor do mundo.

No entanto, esse fenômeno ainda causa divergência na interpretação das normas jurídicas aplicáveis. Existem posicionamentos que privilegiam as regras expressas na Convenção do Condomínio, após deliberação na respectiva assembleia geral extraordinária, proibitivas, em algumas situações, quanto a esse tipo de relação. Entendimento diverso se relaciona a ofensa ao Direito de Propriedade, enxergando nesse tipo de regra restrição inadequada sobre a unidade autônoma pertencente ao condômino.

No Senado Federal, está em tramitação o projeto de lei 2.474/19 que propõe a vedação desse tipo de locação quando “contratada por meio de aplicativos ou plataformas de intermediação em condomínios edilícios de uso exclusivamente residencial”, ressalvada autorização expressa na Convenção, a qual deve obedecer a conjunto de requisitos.

Contudo, o relatório legislativo apresentado em dezembro de 2019 votou pela rejeição do PL, fundamentado nos benefícios dessa inovação tecnológica, tais quais redução dos custos de transação, estímulo a concorrência, ampliação e dinamização dos mercados.

4. Assembleias

A Seção do Código Civil relativa à administração do condomínio, disciplinada nos artigos 1347 a 1356 daquele diploma legal, apresenta regras sobre as assembleias nesses espaços, sendo silente quanto ao uso de Tecnologia da Informação e Comunicação (TIC).

O projeto de lei 548/19 aprovado pelo Senado Federal propõe a permissão para que TIC seja aplicada nas assembleias dos condomínios. Para tanto, sugere procedimento híbrido envolvendo “votação eletrônica dos condôminos” e “segmento virtual da reunião”, quando o quórum especial não for alcançado nas convocações presenciais, explicitando os requisitos para que ocorram as assembleias virtuais (clareza quanto às modalidades, disponibilidade de aplicativo para o voto eletrônico individual, acesso ao inteiro teor da ata da etapa presencial, entre outros).

Importante lembrar que a pandemia ao acelerar a digitalização de vários segmentos da economia e sociedade provocou mudanças normativas no que toca a realização de assembleias virtuais. No Rio de Janeiro, por exemplo, a lei estadual 8.836/20, com vigência limitada ao período de restrições para enfrentamento da covid-19, proibiu a realização de assembleias presenciais nos condomínios edilícios, recomendando a utilização do meio virtual quando as deliberações forem consideradas imprescindíveis.

A tendência é que este modelo seja incorporado ao ordenamento jurídico, semelhantemente ao que ocorreu com o texto da medida provisória 931/20, aprovado pelo Senado Federal em 9/7/20, permitindo, observadas as regras específicas, a participação e votação à distância nas sociedades anônimas, sociedades limitadas e sociedades cooperativas.

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Os cenários abordados na interseção entre Direito Imobiliário e tecnologia representam chamamento aos stakeholders, partes potencialmente afetadas e sociedade civil organizada para o debate concernente à aplicação dessas inovações nesse segmento da economia.

Os benefícios são evidentes: ganho de eficiência, desburocratização, economia de tempo e recursos, aperfeiçoamento do ambiente de negócios, os quais serão ampliados à medida que se expande a digitalização e conectividade da sociedade.

Mas é indispensável apontar a necessária adaptação do ensino jurídico e dos profissionais a fim de que as demandas diferentes e extremamente específicas dos players desse segmento sejam atendidas eficazmente, observando, entre outros aspectos, os novos tipos de transações envolvendo ativos imobiliários e a necessidade de adaptação de contratos.

Igualmente oportuna é a reflexão associada a conformidade legal e regulamentar dessas soluções, às vezes transnacionais e com implicações em múltiplas jurisdições, e aos instrumentos voltados para mitigar potenciais riscos e assegurar proteção de dados pessoais e privacidade.

Enquanto não há no Brasil legislação ou regulação em nível federal, fazem-se essenciais soluções que garantam segurança jurídica às partes interessadas, sempre sob o prisma das normas atualmente existentes e aplicáveis ao setor, de modo a enquadrar esses novos fenômenos ao arcabouço axiológico e normativo a partir do qual se estruturam os negócios imobiliários. 
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Wilson Sales Belchior é sócio do escritório Rocha, Marinho E Sales Advogados.
Fonte: Migalhas

segunda-feira, 27 de julho de 2020

AÇÕES LOCATÍCIAS


Conceito

Trata-se de ações derivadas da locação do imóvel urbano regidas pela Lei do Inquilinato, Lei n. 8.245/91. Esta lei se aplica especificamente à locação do imóvel urbano, não se referindo à locação de bens móveis e nem à locação de imóveis rurais.

Aspectos gerais da Lei do Inquilinato

- o foro competente, em princípio, será aquele da situação do imóvel locado; mas as partes podem eleger pelo princípio da autonomia da vontade, outro foro;
- todas as ações locatícias terão como valor da causa uma anuidade, bastará que se proceda à multiplicação do valor do aluguel vigente, no momento do ajuizamento da ação, por doze, não estando inclusos os encargos, exclusivamente o aluguel, e é sobre o valor calculado ao ano que incidirão os emolumentos, como as taxas judiciárias, custas;
- em todas as ações locatícias, os recursos serão recebidos tão somente no efeito devolutivo.

Espécies

Ações de despejo (arts. 59 a 66, Lei n. 8.245/91)

- é a única competente para que o locador recupere o imóvel locado;
- o pedido é o de rescisão de dissolução do contrato. É uma ação, portanto, de natureza eminentemente pessoal e não possessória;
- polo passivo da ação de despejo, figurará o locatário ou o sublocatário ou quem venha sub-rogar-se em seus direitos;
- segue o rito ordinário;
- permite medidas liminares sem a oitiva da outra parte;
- tem caráter mandamental, pois dispensa a fase final exasperante da liquidação da sentença;
- pode ser utilizada por: falta de pagamento; infração contratual; pedido para uso próprio; - - - não conservação do imóvel; danos ao imóvel em detrimento do patrimônio do locador; - ---- realizar obras que aumentem a sua capacidade ou obras determinadas pela autoridade pública e que sejam urgentes (arts. 47 e 59, Lei n. 8.245/91);
- permite o despejo por denúncia vazia.

Ação consignatória de aluguéis e acessórios na locação (art. 67, Lei n. 8.245/91)

- é o remédio legal que tem o locatário para evitar a mora e o risco da propositura de uma ação de despejo por falta de pagamento;
- é uma modalidade de pagamento indireto;
- segue o rito especial;
- o locatário é o autor da ação;
- a lei permite ao réu, que é o locador, além de oferecer contestação, fazer também uma reconvenção.

Ação revisional de aluguel (arts. 68 a 70, Lei n. 8.245/91)

- é uma ação de mão dupla, o que significa dizer que, ela tanto pode ser aflorada pelo locador que pretende elevar o aluguel quanto pode ser ajuizada pelo locatário quando entende que o aluguel deve ser reduzido;
- só pode ser proposta a cada 3 anos;
- segue o rito sumário qualquer que seja o valor da demanda;
- a contestação do réu será oferecida na audiência, inclusive as provas que julgar conveniente;
- tem por peculiaridade a fixação de aluguel provisório que será fixado pelo juiz, a pedido da parte;
- o aluguel fixado na sentença começa a vigorar a partir desta, mesmo havendo recurso;
- a diferença de aluguel, verificada entre o aluguel provisório e o definitivo, poderá ser cobrada ao final da ação;
- caberá ação de despejo por falta de pagamento, mesmo em se tratando de inadimplemento do aluguel provisório.

Ação renovatória de contrato (arts. 71 a 75, Lei n. 8.245/91)

- é aquela ação em que o locatário pleiteia em juízo a recondução do contrato por um novo prazo;
- segue o rito ordinário;
- é uma ação privativa para as locações não residenciais;
- uma locação verbal ou uma locação desde logo contratada por tempo indeterminado não autorizará o ajuizamento da ação renovatória;
- necessário que o tempo do contrato seja de no mínimo 5 anos, sendo admitido que possam ser somados prazos de contratos sucessivos inferiores a 5 anos;
- necessário que nos últimos 3 anos do contrato, o locatário esteja no pleno exercício de sua atividade;
- o prazo é decadencial, pois o direito de renovar o contrato é potestativo e é de 1 ano a 6 meses antes do término do contrato;
- o autor da ação é o locatário;
- permite a fixação de um aluguel provisório que só vai começar a vigorar depois que se expirar o prazo do contrato renovado;
- o aluguel fixado na sentença de mérito na ação renovatória, como na revisional, começa a vigorar imediatamente após a sentença;
- não sendo renovado o contrato e decretando-se o despejo, poder-se-á fazer a execução provisória mediante a prestação de caução.

Fonte: Blog Prof. Cristiano Sobral

NOTA DO EDITOR: Clique no link abaixo para acessar a Lei do Inquilinato:
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l8245.htm