segunda-feira, 13 de julho de 2020

Efeitos jurídicos da pandemia no prazo de denúncia da incorporação


A Incorporação Imobiliária consiste na atividade empresarial complexa de promoção e realização de construção para alienação total ou parcial de edificação ou conjunto de edificações compostas de unidades autônomas, nos termos da Lei 4.591/1964.

O incorporador, por definição, é aquele que reúne, coordena pessoas e fatores de produção necessários para edificação de um determinado empreendimento com objetivo econômico que, dentre outras atividades, faz a prospecção do terreno, os estudos preliminares de viabilidade econômico-financeira, a negociação e assinatura do contrato de compra e venda da área, a definição do projeto, os protocolos de licenciamento, a obtenção do alvará de construção, o lançamento ao público, a construção, a averbação do habite-se, relacionando-se diretamente com o proprietário do terreno, cartórios, poder público, corretores de imóveis, adquirentes, construtores, agentes financeiros etc.

No campo das responsabilidades do incorporador, quanto ao conteúdo, assume perante os adquirentes uma obrigação de resultado; quanto à natureza, consiste em uma obrigação de fazer, composta pela construção do empreendimento e transferência efetiva das unidades autônomas aos seus adquirentes.

Assim, a incorporação imobiliária normalmente precede por muito anos ao seu lançamento público e à efetiva construção, de modo que alguns empreendimentos levam vários anos da sua concepção até a entrega das unidades aos adquirentes.

Pois bem, em que pese todos os estudos e esforços despendidos ao longo de todos esses anos, salvo melhor juízo, o que definirá a viabilidade econômico-financeiro de um empreendimento será o seu efetivo lançamento ao público, hipótese em que a sua performance de venda projetará o seu fluxo de caixa, convertendo a receita de vendas em “tijolos”.

Esse “teste” de mercado é de fundamental importância, sobretudo pelo interesse público envolvido nas incorporações imobiliárias, haja vista que o sucesso do empreendimento repercute positivamente não só em relação aos seus adquirentes como à sociedade, sobretudo porque a existência de um fluxo de pagamento substancialmente estável e seguro proporcionará o cumprimento de todas as obrigações assumidas pelo incorporador, como também, a construção do empreendimento.

Com efeito, esse “teste prático” de viabilidade econômico-financeira é tão importante que a Lei nº 4.591/1964 previu no seu art. 34 que o incorporador poderá fixar no memorial de incorporação o prazo de carência, dentro do qual é lícito desistir do empreendimento, sendo a única hipótese legal de resilição contratual por iniciativa do empreendedor, ou seja, a única hipótese para desfazimento contratual sem caracterização de culpa e imposição de penalidades.

Dessa forma, o cenário atual pandêmico associado à incerteza econômica decorrente do estado de calamidade pública possibilita a suspensão do prazo de carência da incorporação, cuja autorização decorre da própria natureza do aludido prazo, destinado a mitigar os riscos relacionados à viabilidade econômico-financeira do empreendimento, impossíveis de serem fielmente aferidos enquanto perdurar esse cenário.

O Projeto de Lei nº 1.179/2020 que “dispõe sobre o Regime Jurídico Emergencial e Transitório das relações jurídicas de Direito Privado (RJET) no período da pandemia do coronavírus (Covid-19)”, aprovado pelo Congresso Nacional e pendente de sanção presidencial, poderá pacificar essa questão, haja vista que este estabelece o dia 20/03/2020 como termo inicial do eventos derivados da pandemia (art. 1º, § único) e suspende os prazos prescricionais e decadenciais até o dia 30/10/2020 (art. 3º, §§1º e 2º), de modo que o prazo de denúncia da incorporação estará abarcado por esses dispositivos.

Por todo o exposto, a suspensão do prazo de denúncia da incorporação durante o período pandêmico é uma medida que se impõe, evitando decisões precipitadas e irrefletidas de desistência ou, em outra via, de dar prosseguimento a um empreendimento sem viabilidade econômico-financeira, em ambas as hipóteses, prejudicando os adquirentes e a sociedade.

* O artigo foi divulgado no e-book Impactos jurídicos da Covid-19 na construção civil, do Conselho Jurídico da CBIC, que integra o projeto Segurança Jurídica na Indústria da Construção. A iniciativa integra o projeto ‘Segurança jurídica na Indústria da Construção’ da Câmara Brasileira da Indústria da Construção (CBIC) em correalização com o Senai Nacional.

Pedro Ernesto Celestino Pascoal Sanjuan é especialista em Direito Imobiliário, presidente da Comissão de Direito Imobiliário, Notarial e Registral da OAB/SE e membro do Conselho Jurídico (Conjur) da CBIC.
Fonte: CBIC

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