De acordo com a legislação pátria, especificamente o Código Civil, em seu artigo 1.228, entende-se por proprietário aquele que pode usar, gozar e dispor do bem, o que atrai igualmente o direito de reavê-lo de quem injustamente o detenha. A propriedade se caracteriza como direito real, todavia, de acordo com a realidade do nosso país, a informalidade imobiliária, ou seja, a ausência de registro, se revela bastante significativa, o que decorre de situações das mais variadas.
Pois, em muitos casos, os adquirentes deixam de transferir o imóvel por mero desconhecimento das disposições constantes nos artigos 1.227 e 1.245 do Código Civil, que assim dispõem
Art. 1.227. Os direitos reais sobre imóveis constituídos, ou transmitidos por atos entre vivos, só se adquirem com o registro no Cartório de Registro de Imóveis dos referidos títulos (arts. 1.245 a 1.247), salvo os casos expressos neste Código.
Art. 1.245. Transfere-se entre vivos a propriedade mediante o registro do título translativo no Registro de Imóveis.
§ 1º Enquanto não se registrar o título translativo, o alienante continua a ser havido como dono do imóvel.
§ 2º Enquanto não se promover, por meio de ação própria, a decretação de invalidade do registro, e o respectivo cancelamento, o adquirente continua a ser havido como dono do imóvel.
De acordo com aquilo que se infere dos dispositivos legais supramencionados, somente se adquirem os direitos reais a partir da transferência do imóvel junto ao Cartório de Registro de Imóveis.
Todavia, a despeito do desconhecimento de grande parcela da população quanto a imprescindibilidade do registro, não se pode desprezar o fato de que em muitos casos não há o interesse na sua realização, por existirem dívidas em nome do comprador que poderiam invariavelmente, deflagar a perda do bem que, a partir de então, passa a integrar o patrimônio do devedor ante a transferência de titularidade.
Há por outro lado, situações que impedem a transferência do imóvel em razão da ausência de preenchimento dos requisitos legais, muitas vezes em razão do título não apresentar as condições necessárias para registro, tal como, exemplificativamente, quando o negócio tenha que ser celebrado através de escritura pública, nos moldes do artigo 108 do Código Civil e tenha sido celebrado através de instrumento particular de compra e venda.
Entretanto, em situações nas quais exista um título que não seja passível de registro em decorrência da ausência do preenchimento de requisitos legais, o ordenamento jurídico apresenta a usucapião como uma das soluções para regularizar o imóvel, quando o possuidor poderá, nos moldes do artigo 1.241 do Código Civil, requerer ao juiz seja declarada adquirida, mediante usucapião, a propriedade do imóvel, sendo que a declaração obtida em juízo constituirá título hábil para o registro no Cartório de Registro de Imóveis, segundo exegese do parágrafo único do referido artigo.
Em se tratando de instrumento de compra e venda, recentemente, o STJ¹, reafirmou que a falta de registro do compromisso de compra e venda não é suficiente para descaracterizar o justo título, que in casu, consistia no requisito necessário ao reconhecimento da usucapião, consoante observa-se da jurisprudência.
RECURSO ESPECIAL. DIREITO CIVIL. AÇÃO REIVINDICATÓRIA. IMÓVEL RURAL. USUCAPIÃO ORDINÁRIA. JUSTO TÍTULO. COMPROMISSO DE COMPRA E VENDA. REGISTRO. DESNECESSIDADE. PRESCRIÇÃO AQUISITIVA. INTERRUPÇÃO. IMPOSSIBILIDADE. BOLETIM DE OCORRÊNCIA. AÇÃO DE IMISSÃO NA POSSE. TERCEIRO. CITAÇÃO. FRUSTRADA. EXTINÇÃO SEM RESOLUÇÃO DO MÉRITO. 1. Recurso especial interposto contra acórdão publicado na vigência do Código de Processo Civil de 1973 (Enunciados Administrativos nºs 2 e 3/STJ). 2. A falta de registro de compromisso de compra e venda não é suficiente para descaracterizar o justo título como requisito necessário ao reconhecimento da usucapião ordinária. 3. A interrupção do prazo da prescrição aquisitiva somente é possível na hipótese em que o proprietário do imóvel usucapiendo consegue reaver a posse para si. Precedentes. 4. A mera lavratura de boletim de ocorrência, por iniciativa de quem se declara proprietário de imóvel litigioso, não é capaz de, por si só, interromper a prescrição aquisitiva. 5. Recurso especial provido.
(STJ - REsp: 1584447 MS 2014/0279953-4, Relator: Ministro RICARDO VILLAS BÔAS CUEVA, Data de Julgamento: 09/03/2021, T3 - TERCEIRA TURMA, Data de Publicação: DJe 12/03/2021)
Dentro ainda da premissa da importância do registro, para que se obtenha a titularidade do imóvel, vale destacar que tão logo seja declarada a propriedade do imóvel através da ação de usucapião, caberá ao possuidor comparecer ao Cartório da circunscrição do imóvel para que o registro ocorra, pois, de acordo com o preceito do parágrafo segundo do artigo 1.245 do Código Civil "enquanto não se registrar o título translativo, o alienante continua a ser havido como dono do imóvel".
Por essa perspectiva, tem-se que a despeito da declaração de aquisição de propriedade pelo Poder Judiciário, não há ainda a segurança jurídica necessária ao possuidor, pois, segundo SCAVONE JUNIOR, enquanto o registro não for levado a efeito, nada impede que o titular do imóvel transfira esse direito a outrem, vez que poderá extrair uma cópia da matrícula onde ainda consta como proprietário e nesse sentido, transmitir a propriedade a um terceiro, considerando que não foi conferida a publicidade necessária que decorreria do registro, o que tornaria oponível o direito nele inscrito.
Nunca é demais lembrar, que no direito brasileiro, a mera celebração do contrato de compra e venda do imóvel, ou a lavratura de escritura pública por notário, não se prestam a transferir o domínio, sendo o registro obrigatório para a finalidade de transferência da titularidade do imóvel.
Quando se está diante dos direitos de propriedade, não se pode desprezar a importância dos Cartórios de Registro de Imóveis, que desenvolvem um papel fundamental dentro do nosso ordenamento jurídico, assegurando o registro de direitos, não se restringindo a um mero depósito de documentos, como ocorre nos Estados Unidos e na França, por exemplo, onde não se impede o registro de cadeias duplas, desencadeando, por sua vez, a geração de altos custos de aquisição ante a necessidade de contratação de advogados e de seguros.
No Brasil, contamos com ampla legislação que rege o registro de imóveis, dentre elas, a lei 6.015/73, a lei 8.935/94, a lei 13.286/16, o Código Civil, a própria Constituição Federal e os princípios do Direito Registral, tais como, o da legalidade, da publicidade, da territorialidade, da especialidade, da continuidade, da disponibilidade e da concentração, o que torna a atividade desenvolvida no âmbito dos cartórios de registro de imóveis, essencial para assegurar o direito de propriedade que consiste em direito extremamente caro em nosso ordenamento jurídico, estando elencado no artigo 5º, inciso XXII da Constituição Federal.
Vale ressaltar que, não por acaso, o direito de propriedade se apresenta no rol dos direitos fundamentais, estabelecido no artigo 5º da Constituição, pois a esse se conectam o direito à moradia, estampado no artigo 6º da CF e a própria dignidade da pessoa humana, cujo princípio se encontra lastreado no artigo 1º, inc. III da CF. Pois, somente a partir do direito à moradia e do direito ao exercício da propriedade que decorre do registro, podem ser estruturados os aludidos direitos essenciais do ser humano.
Por fim, além da importância do registro para a transmissão da propriedade, tem-se que são igualmente relevantes as averbações dos negócios jurídicos imobiliários à margem da matrícula do imóvel, especialmente quando se estiver diante de instrumentos particulares de promessa e compromisso de compra e venda, que não se prestam ao registro, e consequentemente à transferência de propriedade, mas possibilitam a averbação que gera a publicidade e, por via de consequência, a oponibilidade erga omnes, resguardando assim o direito real ao comprador do imóvel.
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1- Brasil, Superior Tribunal de Justiça. Processo: RESsp 1584447. Disponível aqui. Acessado em 19 de jul. de 2021.
Atualizado em: 23/7/2021 08:09
Debora Cristina de Castro da Rocha - Advogada fundadora do escritório Debora de Castro da Rocha Advocacia, especializado nas áreas do Direito Imobiliário e Urbanístico, Mestre em Direito Empresarial e Cidadania e Professora.
Claudinei Gomes Daniel - Acadêmico de Direito pela Faculdade Anchieta de Ensino Superior do Paraná - FAESP. Colaborador do escritório Debora de Castro da Rocha Advocacia. Secretário da presidência do Sindicato dos Advogados do Estado do Paraná.
Edilson Santos da Rocha - Assistente Jurídico pelo escritório Debora de Castro da Rocha Advocacia. Acadêmico de Direito pela Faculdades da Industria - FIEP.
Fonte: Migalhas de Peso
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