No âmbito das relações comerciais, o contrato de locação não residencial se mostra de suma importância na medida em que possibilita ao empresário instalar o seu empreendimento num determinado local sem incorrer num alto custo de aquisição imobiliária, podendo, por exemplo, direcionar os seus investimentos a outras questões prioritárias, como contratação de mão de obra, treinamento da equipe, publicidade, etc.
E justamente com a intenção de fomentar o comércio, o legislador pátrio, com a ação renovatória, protegeu o locatário a fim de resguardar o seu ponto comercial face ao interesse do locador na retomada do imóvel.
A ação renovatória, assim, é um importante instrumento de preservação da atividade empresarial do locatário, sendo cabível a sua propositura desde que observados os requisitos do artigo 51 da lei do inquilinato.
Apenas relembrando, para que seja possível o ajuizamento da ação renovatória é necessário (i) que o contrato tenha sido celebrado por escrito e com prazo determinado, (ii) que o prazo mínimo do contrato ou a soma dos prazos ininterruptos dos contratos escritos seja de cinco anos e (iii) que o locatário esteja explorando o mesmo ramo de comércio pelo prazo mínimo e ininterrupto de três anos.
Diga-se que a ação renovatória deve ser proposta “...no interregno de um ano, no máximo, até seis meses, no mínimo, anteriores à data da finalização do prazo do contrato em vigor”, nos termos do parágrafo 5º do art. 51 da lei 8.245/91. Importa ressaltar também que referido prazo tem natureza decadencial, não admitindo suspensão ou interrupção.
Não resta dúvida que o instrumento em referência se presta à defesa do fundo de comércio.
A questão aqui proposta é se a ação renovatória confere a mesma amplitude de proteção àqueles locatários situados nos empreendimentos denominados shopping centers.
Vejamos:
Tais empreendimentos imobiliário-empresariais têm por objetivo colocar à disposição de um determinado nicho de consumidores uma grande quantidade de fornecedores de produtos e prestadores de serviços. Para tanto, o empreendedor define o público-alvo e organiza os espaços de modo que possa atingir o maior retorno econômico possível.
Muito embora a relação entre lojista e empreendedor possua natureza locatícia - o que se depreende da própria lei do inquilinato, há alguns aspectos que se diferenciam da locação empresarial comum. Alguns exemplos dessa diferenciação: o locador/empreendedor não pode retomar o imóvel para uso próprio; os aluguéis podem ser ajustados com base no faturamento, que será auditado pelo locador; o locatário deverá pagar a res sperata, valor correspondente à vantagem de explorar o sobrefundo de comércio do shopping; vinculação do lojista à associação de lojistas do empreendimento; mensalidade dupla em dezembro, devida em função do incremento das vendas.
Todavia, a despeito das diferenças de ordem contratual relativas à locação empresarial comum e à locação empresarial no contexto do shopping center, a lei do inquilinato dispõe que ao locatário situado nesses empreendimentos também socorre a ação renovatória.
Com efeito, nada mais natural do que resguardar o fundo de comércio conquistado no exercício regular de sua atividade empresarial, desde que observados, evidentemente, os requisitados aqui já esposados.
Cumpre anotar que, por outro lado, assiste ao empreendedor o direito de propriedade sobre o complexo, cabendo a ele definir o tenant mix e avaliar se as lojas estão apresentando resultados satisfatórios ou não.
Por tal razão, caso um lojista esteja em desacordo com a performance esperada pelo empreendedor e pelos demais locatários (que igualmente possuem legítimo interesse no sucesso econômico de todo o complexo), é possível que o locador, demonstrando a desconformidade em juízo, se negue a renovar o contrato de locação com base num fundamento econômico e exerça a retomada com fundamento no seu direito de propriedade – até mesmo para manter a função social do empreendimento.
Considerando que a possibilidade do locador alegar prejuízo ao empreendimento não existe na locação empresarial simples, em que não há um sobre fundo de comércio e terceiros interessados na performance econômica do locatário, entendemos que a ação renovatória proposta pelo locatário situado em shopping pode não ter a mesma extensão protetora que teria caso o locatário estivesse situado fora desse contexto.
É a situação fática que deve ser levada em consideração: é possível que o locador/empreendedor não esteja mais obrigado a renovar o contrato (ainda que presentes os requisitos do artigo 51 da lei 8.245/91) caso consiga demonstrar que o locatário está, de algum modo, concorrendo para o insucesso do empreendimento. Havendo a retomada do imóvel, ao locatário caberá apenas a indenização, se o caso, pela perda do ponto – prevalecendo, então, o direito de propriedade do empreendedor e a sua prerrogativa de reorganizar, da melhor forma possível, aquele complexo empresarial.
Lincoln da Matta Fernandes e João Marcos Zanata Milleo são estagiários no escritório Negromonte & Prado Advogados. / Fonte: Migalhas de Peso
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