Um
impasse cada vez mais comum vem tomando conta do setor da incorporação
imobiliária: a necessidade de uma rápida solução para os casos de
compradores confessadamente em dívida com suas obrigações contratuais.
Ao menos com relação àqueles que pagaram apenas o sinal ou pequenas
parcelas do preço do imóvel, e, ao longo da construção não conseguiram
honrar o compromisso assumido, ou não obtiveram aprovação de crédito
para financiamento imobiliário no momento da entrega da obra.
Incorporadoras
e compradores se veem diante de um dilema: a unidade não pode ser
vendida a terceiros, pois está prometida àquele comprador, e este último
não consegue pagar o preço, tampouco se liberar da obrigação, pois
dificilmente vai receber de volta o que foi pago. Alguns deles até são
inscritos nos órgãos de proteção ao crédito, por estarem em dívida com
as prestações ajustadas, causando graves embaraços em sua vida
cotidiana.
As soluções que se apresentam nem sempre são viáveis ou
vantajosas: ações judiciais cujo valor da causa está vinculado ao valor
do contrato, e honorários advocatícios proporcionalmente elevados, sem a
garantia de concessão de liminar (tutela antecipada) para imediata
liberação das partes e do imóvel, ou, no caso exclusivo das
incorporadoras, leilões extrajudiciais igualmente custosos e que, por
sua publicidade, ainda podem desvalorizar outras unidades ainda à venda
no mesmo empreendimento.
Num cenário dinâmico como o do mercado
imobiliário uma solução mais rápida, eficiente e menos onerosa se impõe:
a rescisão unilateral, aquela que se dá automaticamente após a
notificação do comprador concedendo-lhe o prazo previsto em lei para
pagamento de seu débito. Rescisões dessa natureza vêm sendo vistas com
maus olhos pelos órgãos de proteção ao consumidor e Poder Judiciário,
mas sua instituição passa a ser coerente e adequada desde que afastados
alguns pré conceitos nessa relação, que nem sempre refletem a realidade.
O
primeiro, é que o comprador inadimplente é necessariamente
hipossuficiente, aquele que sonhou com a casa própria ou com um segundo
imóvel como renda complementar para sua aposentadoria. Essa premissa não
é verdadeira. Pessoas nessa situação geralmente repactuam sua dívida de
acordo com sua capacidade financeira ou negociam a devolução das
parcelas pagas. As estatísticas constatam que grande parte dos
consumidores na situação de inadimplência, hoje, tratam-se de
especuladores que adquiriram unidades em lançamentos de empreendimentos
imobiliários, para alavancar algum lucro com sua posterior venda, mesmo
já sabendo de sua incapacidade financeira ao longo da construção ou ao
final dela. Com a desaceleração das vendas e maior oferta de produtos,
esse especulador encontra dificuldade em repassar sua unidade, e então
recusa-se a celebrar amigavelmente a rescisão, na tentativa de ganhar
algum tempo até que possa obter sucesso, obrigando a vendedora a ter que
ingressar pelas vias judiciais a fim de ver garantido seus direitos,
não importa o quanto a mesma flexibilize a devolução das parcelas do
preço pagas.
A segunda ideia pré concebida é a de que as
incorporadoras têm interesse em rescindir a contratação para vender
novamente aquela unidade a preços mais inflacionados do que aquele
previsto no contrato não cumprido. Outro equívoco. Como dito, a
alteração da realidade do mercado, com as vendas reduzidas e
concorrência em alta, tem levado incorporadoras a flexibilizarem ao
máximo a repactuação de valores em atraso, numa tentativa de evitar que
unidades voltem ao seu estoque. Essas empresas têm por objetivo projetar
empreendimentos, ver suas unidades integralmente vendidas e seus
contratos cumpridos. Recompra, adjudicação e unidades de volta ao
estoque na maioria das vezes não fazem parte de seus planos, até porque
implicam em um custo significativo para a administração de imóveis
isolados, em empreendimentos que não são mais novos, e que, portanto,
não mais dispõem de toda a publicidade de incentivo de vendas, como à
época de seu lançamento. Além disso, imóveis cujo preço tenha sido em
grande parte — ao menos a metade — pago pelo promitente comprador
geralmente têm sua dívida repactuada, a fim de evitar às incorporadoras a
disponibilização de quantias elevadas, para a retomada da unidade.
O
terceiro e último empecilho encontra-se na pretensão das incorporadoras
na imposição de cláusulas contratuais abusivas de retenção dos valores
pagos, na hipótese de rescisão contratual por inadimplência no pagamento
das parcelas do preço. Esses contratos são praticamente de adesão, onde
não há muito espaço para o comprador discutir condições, além da forma
de pagamento do preço, e geralmente contém disposições extremamente
leoninas e desvantajosas.
Além das retenções relativas às perdas
materiais efetivamente envolvidas, como despesas administrativas, de
publicidade, e tributos, muitos contratos prevêm, ainda, multas que
chegam a até 50% do valor encontrado após tais retenções, sem qualquer
justificativa para essa abusiva penalidade.
Nesse contexto, a
aplicação da razoabilidade se faz necessária, até porque bom senso e
rescisão unilateral não são incompatíveis, contanto que o contrato
contenha essa previsão. Esgotado o prazo concedido para a quitação do
débito, e desde que o comprador tenha sido pessoalmente dele notificado
(ou nas formas previstas para sua notificação pela via judicial),
impõe-se a possibilidade da rescisão da contratação, mediante a
devolução de percentual adequado do valor das parcelas pagas —70 a 90%
do preço pago, como vem decidindo o Poder Judiciário.
Não
satisfeito com o valor da devolução, poderá o comprador, aí sim,
perquirir em juízo o excedente que entende lhe ser devido, e até
eventual indenização, caso o procedimento não tenha obedecido às
formalidades legais. Tudo no tempo necessário à eventual condenação,
podendo inclusive dispor de medidas previstas em lei para ver garantido o
futuro recebimento de seu crédito. A agilidade desse procedimento,
todavia, garantirá a rápida solução do impasse, com a liberação e venda
da unidade a terceiros, evitando, assim, que se acumulem débitos
condominiais e fiscais, sobre um imóvel desocupado, porém indisponível
ao comprador e à incorporadora. Todos saem ganhando, ao final. Ou
melhor, perdendo menos.
Autora: Adriana Vlavianos / advogada, sócia do escritório Boin Aguiar e Soneghet Vlavianos Advogados.
Fonte: Revista Consultor Jurídico, 1º de setembro de 2012
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