domingo, 2 de setembro de 2012

RESCISÃO UNILATERAL DE CONTRATO IMOBILIÁRIO É COERENTE


Um impasse cada vez mais comum vem tomando conta do setor da incorporação imobiliária: a necessidade de uma rápida solução para os casos de compradores confessadamente em dívida com suas obrigações contratuais. Ao menos com relação àqueles que pagaram apenas o sinal ou pequenas parcelas do preço do imóvel, e, ao longo da construção não conseguiram honrar o compromisso assumido, ou não obtiveram aprovação de crédito para financiamento imobiliário no momento da entrega da obra.

Incorporadoras e compradores se veem diante de um dilema: a unidade não pode ser vendida a terceiros, pois está prometida àquele comprador, e este último não consegue pagar o preço, tampouco se liberar da obrigação, pois dificilmente vai receber de volta o que foi pago. Alguns deles até são inscritos nos órgãos de proteção ao crédito, por estarem em dívida com as prestações ajustadas, causando graves embaraços em sua vida cotidiana.

As soluções que se apresentam nem sempre são viáveis ou vantajosas: ações judiciais cujo valor da causa está vinculado ao valor do contrato, e honorários advocatícios proporcionalmente elevados, sem a garantia de concessão de liminar (tutela antecipada) para imediata liberação das partes e do imóvel, ou, no caso exclusivo das incorporadoras, leilões extrajudiciais igualmente custosos e que, por sua publicidade, ainda podem desvalorizar outras unidades ainda à venda no mesmo empreendimento.

Num cenário dinâmico como o do mercado imobiliário uma solução mais rápida, eficiente e menos onerosa se impõe: a rescisão unilateral, aquela que se dá automaticamente após a notificação do comprador concedendo-lhe o prazo previsto em lei para pagamento de seu débito. Rescisões dessa natureza vêm sendo vistas com maus olhos pelos órgãos de proteção ao consumidor e Poder Judiciário, mas sua instituição passa a ser coerente e adequada desde que afastados alguns pré conceitos nessa relação, que nem sempre refletem a realidade.

O primeiro, é que o comprador inadimplente é necessariamente hipossuficiente, aquele que sonhou com a casa própria ou com um segundo imóvel como renda complementar para sua aposentadoria. Essa premissa não é verdadeira. Pessoas nessa situação geralmente repactuam sua dívida de acordo com sua capacidade financeira ou negociam a devolução das parcelas pagas. As estatísticas constatam que grande parte dos consumidores na situação de inadimplência, hoje, tratam-se de especuladores que adquiriram unidades em lançamentos de empreendimentos imobiliários, para alavancar algum lucro com sua posterior venda, mesmo já sabendo de sua incapacidade financeira ao longo da construção ou ao final dela. Com a desaceleração das vendas e maior oferta de produtos, esse especulador encontra dificuldade em repassar sua unidade, e então recusa-se a celebrar amigavelmente a rescisão, na tentativa de ganhar algum tempo até que possa obter sucesso, obrigando a vendedora a ter que ingressar pelas vias judiciais a fim de ver garantido seus direitos, não importa o quanto a mesma flexibilize a devolução das parcelas do preço pagas.

A segunda ideia pré concebida é a de que as incorporadoras têm interesse em rescindir a contratação para vender novamente aquela unidade a preços mais inflacionados do que aquele previsto no contrato não cumprido. Outro equívoco. Como dito, a alteração da realidade do mercado, com as vendas reduzidas e concorrência em alta, tem levado incorporadoras a flexibilizarem ao máximo a repactuação de valores em atraso, numa tentativa de evitar que unidades voltem ao seu estoque. Essas empresas têm por objetivo projetar empreendimentos, ver suas unidades integralmente vendidas e seus contratos cumpridos. Recompra, adjudicação e unidades de volta ao estoque na maioria das vezes não fazem parte de seus planos, até porque implicam em um custo significativo para a administração de imóveis isolados, em empreendimentos que não são mais novos, e que, portanto, não mais dispõem de toda a publicidade de incentivo de vendas, como à época de seu lançamento. Além disso, imóveis cujo preço tenha sido em grande parte — ao menos a metade — pago pelo promitente comprador geralmente têm sua dívida repactuada, a fim de evitar às incorporadoras a disponibilização de quantias elevadas, para a retomada da unidade.

O terceiro e último empecilho encontra-se na pretensão das incorporadoras na imposição de cláusulas contratuais abusivas de retenção dos valores pagos, na hipótese de rescisão contratual por inadimplência no pagamento das parcelas do preço. Esses contratos são praticamente de adesão, onde não há muito espaço para o comprador discutir condições, além da forma de pagamento do preço, e geralmente contém disposições extremamente leoninas e desvantajosas. 

Além das retenções relativas às perdas materiais efetivamente envolvidas, como despesas administrativas, de publicidade, e tributos, muitos contratos prevêm, ainda, multas que chegam a até 50% do valor encontrado após tais retenções, sem qualquer justificativa para essa abusiva penalidade.

Nesse contexto, a aplicação da razoabilidade se faz necessária, até porque bom senso e rescisão unilateral não são incompatíveis, contanto que o contrato contenha essa previsão. Esgotado o prazo concedido para a quitação do débito, e desde que o comprador tenha sido pessoalmente dele notificado (ou nas formas previstas para sua notificação pela via judicial), impõe-se a possibilidade da rescisão da contratação, mediante a devolução de percentual adequado do valor das parcelas pagas —70 a 90% do preço pago, como vem decidindo o Poder Judiciário.

Não satisfeito com o valor da devolução, poderá o comprador, aí sim, perquirir em juízo o excedente que entende lhe ser devido, e até eventual indenização, caso o procedimento não tenha obedecido às formalidades legais. Tudo no tempo necessário à eventual condenação, podendo inclusive dispor de medidas previstas em lei para ver garantido o futuro recebimento de seu crédito. A agilidade desse procedimento, todavia, garantirá a rápida solução do impasse, com a liberação e venda da unidade a terceiros, evitando, assim, que se acumulem débitos condominiais e fiscais, sobre um imóvel desocupado, porém indisponível ao comprador e à incorporadora. Todos saem ganhando, ao final.  Ou melhor, perdendo menos.

Autora: Adriana Vlavianos / advogada, sócia do escritório Boin Aguiar e Soneghet Vlavianos Advogados.
Fonte: Revista Consultor Jurídico, 1º de setembro de 2012

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