Sumário: 1. Introdução – 2. Conclusão da obra e entrega da
unidade – 3. Aplicabilidade da multa contratual no caso de atraso na
conclusão da obra – 4. Perdas e danos - Referências.
1.
INTRODUÇÃO
Fala-se em boom imobiliário, incentivo do Governo, instituição
do programa Minha Casa, Minha Vida, incentivo financeiro das
instituições de crédito, incremento de atividades imobiliárias, etc.
Ocorre que, nas relações contratuais imobiliárias, vivemos um cenário
problemático e de graves inadimplementos contratuais.
Constatamos que o aumento das vendas, no mercado imobiliário
brasileiro, causa também outro problema: o aumento da inadimplência.
Assim, torna-se importante adotar medidas preventivas na resolução dos
conflitos e, quando não for possível, optar por medidas repressivas
diante do descumprimento do contrato.
Atualmente, diversos compradores assinam contratos de promessas de
compra e venda de unidades imobiliárias em construção com construtoras e
incorporadoras, aguardam o prazo para a conclusão da obra com a entrega
fictícia das chaves, por meio do “Habite-se”, no entanto, não recebem o
bem no tempo e na forma prometida.
A forma de pagamento acordada geralmente se encontra especificada nos
contratos, e impõem variados reflexos da mora, quando provocada pelo
comprador. Ocorre que, em caso de mora do vendedor quanto à entrega do
bem, quase nunca há previsão de indenização por parte do alienante.
Assim sendo, com a conclusão da obra e a emissão do certificado de
conclusão pela Prefeitura Municipal mais problemas podem aparecer para
os compradores. Neste cenário, variadas confusões são detectadas no
plano contratual, pois não há o cumprimento do contrato no que tange à
entrega real do bem.
Considerando o atraso na obra provocada pela construtora, e a
necessidade de aplicação da multa prevista em contrato em favor do
comprador, toma-se como patente a existência de dois interesses, a
saber: 1) os compradores pretendem receber o imóvel na data prometida
pela construtora; 2) a construtora alega que a obra não foi entregue por
questões alheias à sua vontade.
Dessa forma, durante o tempo em que o comprador espera pela entrega
da unidade, em virtude de disposição contratual quanto à entrega do bem,
geralmente, o adquirente tem que residir em outro local, tendo, para
tanto, que alugar ou adquirir outro imóvel, alternativa esta que pode
sair custosa.
Como resolver essas questões? Quem se responsabiliza pelo atraso na
entrega da obra? Essas problemáticas serão aqui analisadas, adotando-se
como fundamentação jurídica o Código Civil brasileiro e o Código de
Defesa do Consumidor.
2. CONCLUSÃO DA OBRA E A ENTREGA DA UNIDADE
Quando constatada a negligência no cumprimento dos deveres
contratuais por parte da construtora, torna-se possível aplicar a multa
contratual devida por esta ao comprador, em caso de inadimplemento pelo
atraso na entrega da obra, na forma dos artigos 389 e 394 do Código
Civil brasileiro.
A promessa de compra e venda, sendo um contrato preliminar[1],
dispõe sobre as condições de conclusão da obra e de entrega da unidade,
especificando as hipóteses, exemplificativamente, em que o vendedor
estaria eximido de cumprir o prazo convencionado para a entrega da
unidade, podendo ter o prazo contratual prorrogado.
Tais cláusulas de isenção de responsabilidade são abusivas, por
eximirem a construtora de responsabilidade pelo inadimplemento parcial
do contrato, inobservando, assim, as normas do Código Civil e do Código
de Defesa do Consumidor.
Destaca-se que, nessa relação comprador versus construtora,
configura-se uma relação de consumo, haja vista a vulnerabilidade do
contratante comprador. A partir disso, o ordenamento jurídico pátrio
confere uma maior proteção aos clientes, ora consumidores, a fim de
manter o equilíbrio da relação contratual.
Neste prisma, dispõe o artigo 51, inciso I, do CDC:
“São nulas de pleno direito, entre outras, as cláusulas contratuais relativas ao fornecimento de produtos e serviços que:
I - impossibilitem, exonerem ou atenuem a responsabilidade do
fornecedor por vícios de qualquer natureza dos produtos e serviços ou
impliquem renúncia ou disposição de direitos. Nas relações de consumo
entre o fornecedor e o consumidor pessoa jurídica, a indenização poderá
ser limitada, em situações justificáveis.”
Tal exoneração de responsabilidade por parte do vendedor se dá na
medida em que a cláusula prevê que o prazo para conclusão da obra fica
automaticamente prorrogado pela ocorrência de caso fortuito ou força
maior, certamente, sem que isso acarrete responsabilidade para o mesmo.
Ocorre que não se pode indistintamente projetar o atraso na entrega
da obra como uma situação de ocorrência de caso fortuito ou força maior,
razão pela qual não há se falar em prorrogação automática de prazo para
conclusão das obras sem ônus para a construtora.
No mercado imobiliário, percebe-se que as construtoras trabalham com
as seguintes hipóteses de exclusão de responsabilidade: “greves gerais
ou parciais de qualquer natureza, inclusive de trabalhadores da
construção civil, dos transportes coletivos ou de órgãos públicos,
perturbações de qualquer ordem, quando afetem direta ou indiretamente o
setor da construção civil ou a execução da obra”.
Trata-se de cláusula abusiva, haja vista ser irrazoável prorrogar o
prazo de entrega da obra em razão de greve de “qualquer natureza”, tendo
em vista que o tempo de duração das mesmas é mínimo, se comparado ao
prazo que tem o construtor para edificar o prédio, de modo que a
ocorrência de greve não obstaria o cumprimento da obrigação.
Neste contexto, o vendedor deve estabelecer um prazo para a
edificação do prédio já contando com possíveis imprevistos no decorrer
da obra, a fim de garantir ao consumidor a entrega do produto,
demonstrando, da mesma forma, a boa-fé objetiva da empresa.
Deve-se adotar, ao presente caso, a teoria do risco do
empreendimento, de Sérgio Cavalieri Filho (2008, p. 475), segundo a qual
“todo aquele que se disponha a exercer alguma atividade no mercado de
consumo tem o dever de responder pelos eventuais vícios ou defeitos dos
bens e serviços fornecidos, independentemente de culpa”.
No caso, enquadra-se, no conceito de “defeito”, a demora na prestação
do serviço e na entrega do produto. O autor Sérgio Cavalieri aduz,
ainda, que “a responsabilidade decorre do simples fato de dispor-se
alguém a realizar atividade (...) ou executar determinados serviços. O
fornecedor passa a ser o garante dos produtos e serviços que oferece no
mercado de consumo” (Cavalieri Filho, 2008, p. 476).
Nesse passo, sendo o consumidor a parte vulnerável, não há sentido em
atribuir a ele os riscos da relação de consumo. De igual maneira, não
se faz justiça ao obrigar o consumidor a arcar sozinho com os prejuízos
advindos de eventual inexecução ou execução tardia de um serviço, de
modo que é devida a compensação ao adquirente, diante de todos os
prejuízos e transtornos por ele suportados.
Conforme decisão do STJ, o consumidor não pode sofrer as consequências do referido inadimplemento.
“RECURSO ESPECIAL. CONSUMIDOR. PROMESSA DE COMPRA E VENDA DE IMÓVEL.
RESCISÃO. RESTITUIÇÃO. PARCELAS PAGAS. PREVISÃO CONTRATUAL. FINALIZAÇÃO
DAS OBRAS. POSSIBILIDADE. Havendo rescisão do compromisso de compra e
venda de imóvel, a restituição das parcelas pagas, devidamente
atualizadas, pode ser feita até o término do prazo inicialmente previsto
para finalização das obras. Eventual atraso na conclusão do
empreendimento não pode ser imputado ao consumidor. Nulidade parcial da
cláusula contratual que determina a devolução tão-somente quando
"efetivamente" concluída a construção. Recurso especial parcialmente
provido “(Recurso Especial n. 619531 – SC (2003/0231602-3). Relator:
Min. Castro Filho. Data da decisão: 04.08.2005).
O Tribunal de Justiça do Estado do Espírito Santo já se manifestou sobre a entrega de unidade em atraso no seguinte sentido:
“Cabe à construtora/incorporadora entregar a unidade no prazo
estipulado e, não cumprindo sua obrigação, responde pelos prejuízos que
sua mora causar. (art. 43, II, Lei 4.591⁄94).” (TJES 2ª Câmara Cível.
Apelação Cível nº 024.020.083.077. Rel. Des. Elpídio José Duque).
Por fim, cabe ressaltar que, quando o atraso na entrega da obra se
configurar, não caberá a construtora o direito de arguir a retenção das
parcelas pagas, no caso de extinção antecipada do contrato por
iniciativa do comprador.
Neste sentido, segue o julgado do Superior Tribunal de Justiça:
“EMBARGOS DE DECLARAÇÃO – RESCISÃO CONTRATUAL - CONTRATO DE COMPRA E
VENDA - BEM IMÓVEL - ATRASO NA ENTREGA DA UNIDADE - CULPA EXCLUSIVA DA
CONSTRUTORA/INCORPORADORA - RETENÇÃO DE PARCELA DO PREÇO PAGO -
INVIABILIDADE – EMBARGOS ACOLHIDOS - EFEITOS INFRINGENTES. Havendo
rescisão de contrato de compra e venda de bem imóvel por atraso da
construtora/incorporadora na entrega da unidade condominial do
adquirente, ou seja, por culpa exclusiva daquela, indevida a retenção de
parcela do preço pago. Embargos de Declaração acolhidos, com efeitos
infringentes, reconsiderando-se o Acórdão anterior, cancelando-se a
retenção de 25% das prestações pagas, as quais deverão ser integralmente
devolvidas para o adquirente.” (STJ. REsp 620257 / RJ. Ministro Sidnei
Beneti. Órgão Julgador. Terceira Turma. Data do Julgamento: 18/09/2008)
3. APLICABILIDADE DA MULTA CONTRATUAL NO CASO DE ATRASO NA CONCLUSÃO DA OBRA
O instrumento de promessa de compra e venda pode prever uma aplicação
de multa em favor do adquirente, a ser paga pelo vendedor, no caso de
atraso no prazo para conclusão das obras, automaticamente prorrogado
pela ocorrência de caso fortuito ou motivo de força maior.
O Código Civil prevê, em seus artigos 408 e 409, ser devida a multa
pelo atraso no cumprimento da prestação. A cláusula penal é obrigação
acessória, estando prevista no contrato firmado entre as partes, de modo
que, também, deve ser cumprida.
“Art. 408. Incorre de pleno direito o devedor na cláusula
penal, desde que, culposamente, deixe de cumprir a obrigação ou se
constitua em mora.
Art. 409. A cláusula penal estipulada conjuntamente com a
obrigação, ou em ato posterior, pode referir-se à inexecução completa da
obrigação, à de alguma cláusula especial ou simplesmente à mora.”
Não há se aplicar ao caso os efeitos do inadimplemento involuntário
(caso fortuito ou força maior), de forma que é devida a multa prevista
em contrato em favor do comprador sobre o valor total do contrato,
atualizado pelo mesmo índice de atualização do preço do negócio, por mês
de atraso.
4. PERDAS E DANOS
A demora em concluir a obra, assim como em entregar a unidade ao
comprador, gera consequências inevitáveis no que diz respeito à
frustração dos planejamentos do adquirente.
Nesta perspectiva, os tribunais têm autorizado aos compradores, como
indenização por perdas e danos, a cobrança de aluguéis e acessórios da
locação em decorrência do atraso da obra.
Sobre o tema, seguem julgados dos Tribunais de Justiça de São Paulo e do Rio de Janeiro:
“COMPROMISSO DE COMPRA E VENDA. Descumprimento do prazo para entrega
do imóvel.
Possibilidade de os compradores cobrarem aluguéis e
acessórios da locação em decorrência do atraso da obra. Recurso não
provido.” (TJSP; AC 994030518712; Rel. Gilberto de Souza Moreira; 5ª
Turma Cível; j. 22/09/2010).
“APELAÇÃO CÍVEL. INCORPORAÇÃO IMOBILIÁRIA. PROMESSA DE COMPRA E VENDA
DE APARTAMENTO EM CONSTRUÇÃO. INADIMPLEMENTO CONTRATUAL. Atraso na
entrega da obra. Empresa de corretagem. Ilegitimidade passiva "ad
causam". O negócio não se realizou por culpa da primeira ré, promitente
vendedora que prometeu algo que não cumpriu. Rescisão de contrato.
Restituição das importâncias pagas a contar do efetivo desembolso.
Lucros cessantes a título de aluguel em virtude do atraso na entrega da
unidade imobiliária. Dano moral inexistente. Mero descumprimento
contratual insuficiente a embasar tal pretensão. Autor condenado nos
ônus sucumbenciais ante a improcedência de seu pedido em face da segunda
ré. Verba honorária fixada em consonância com o disposto no art. 20,
§4°, do C.P.C. Recursos improvidos.” (TJRJ; AC
0128656-60.2006.8.19.0001; Rel. Carlos José Martins Gomes; 16ª Câmara
Cível; j. 07/07/2009).
Além disso, torna-se patente que o comprador sofre danos
patrimoniais, já que pode ser obrigado a empregar dinheiro para sua
moradia, sendo que já havia uma unidade imobiliária a que tinha direito
de utilizá-la.
O Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, neste sentido, já considerou que tal situação é fato gerador de dano moral, a saber:
“A não entrega de apartamento no prazo convencionado, quando em meio
aos sonhos e ilusões, às noites mal dormidas, vivem os adquirentes, num
misto de angústias e de revolta, as expectativas da entrega do bem que
um dia sonharam ocupar” (TJRJ 13ª Câmara Cível. Apelação Cível nº
2002.001.17310. Rel. Des. Ademir Pimentel).
Tem-se que o dano moral, ao contrário do dano material, decorre do
fato ofensivo. Assim, ocorrendo o descumprimento do prazo contratual
para entrega da obra, o dano é presumido.
Nesse sentido, ensina Sérgio Cavalieri Filho (2008. p. 101) que:
“O dano moral existe in re ipsa; deriva inexoravelmente do próprio fato ofensivo, de tal modo que, provada a ofensa, ipso facto, está demonstrado o dano moral à guisa de uma presunção natural, uma presunção hominis ou facti, que decorre das regras de experiência comum.”
Quanto aos danos morais, para a quantificação da indenização devem
ser analisados critérios como a conduta do agente causador do dano, a
repercussão e a reprovabilidade do fato, bem como o caráter
punitivo-pedagógico que a medida deve propiciar.
Assim, para a caracterização do abalo moral, já resta pacífico que
basta a consciência de que determinado procedimento ofende a
tranquilidade psíquica do indivíduo. O principal objetivo da fixação do
valor indenizatório por danos morais é desestimular a reiteração dessas
práticas.
Evidenciada e provada, portanto, a negligência do vendedor que, por
seus atos e responsabilidade, causa a ofensa moral do comprador e
provoca transtornos em sua vida privada, será possível buscar
indenização, além do ressarcimento material, pelo aborrecimento e
insatisfação que o episódio causa ao adquirente.
Referências
CAVALIERI FILHO, Sérgio. Programa de Responsabilidade Civil. São Paulo: Atlas, 2008.
DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil Brasileiro. São Paulo: Saraiva, 2009. v.3.
DUQUE, Bruna Lyra. O Direito Contratual e a Intervenção do Estado. São Paulo: RT, 2007.
______. A responsabilidade civil no contrato de empreitada. Revista Âmbito Jurídico, 2010. Disponível em: http://www.ambito-juridico.com.br/site/index.php?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=7304.
______. A revisão dos contratos e a teoria da
imprevisão: uma releitura do Direito contratual à luz do princípio da
socialidade. Revista Portuguesa do Consumo, v. 51, p. 151-166, 2007.
GAGLIANO, Pablo Stolze e FILHO, Rodolfo Pamplona. Novo Curso de Direito Civil. São Paulo: Saraiva, 2009. v. 4. Tomo II.
GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito Civil brasileiro. São Paulo: Saraiva, 2008. v.3.
LISBOA, Roberto Senise. Manual de Direito Civil. São Paulo: RT, 2004. v.3.
MARQUES, Cláudia Lima et al. Comentários ao Código de Defesa do Consumidor. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2003.
______. Contratos no Código de Defesa do Consumidor: o novo regime das relações contratuais. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002.
PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de Direito Civil. Rio de Janeiro: Editora Forense, 2005. v.3.
PORTO DE BARROS, Ana Lucia et al. O Novo Código Civil Comentado. São Paulo: Freitas Bastos, 2002. v. 2.
RIZZARDO, Arnaldo. Contratos. 8 ed. Rio de Janeiro: Forense, 2008.
Nota:
[1]
Caio Mário da Silva Pereira esclarece que “quando duas pessoas querem
celebrar um contrato, normalmente passam por fases nas quais debatem os
seus interesses em negociações preliminares; após, uma delas formula a
proposta; a outra declara a sua aceitação”. In: PEREIRA, Caio Mário da
Silva. Instituições de Direito Civil. Rio de Janeiro: Editora Forense, 2005. P. 82.
Autor: Bruna Lyra Duque - Doutoranda e Mestre do Programa em Direitos e Garantias Constitucionais Fundamentais da Faculdade de Direito de Vitória (FDV). Professora de Direito Civil da Graduação e Especialização da FDV. Coordenadora da Especialização em Direito Civil da FDV. Autora e co-autora de livros e artigos jurídicos. Advogada do escritório Lyra Duque Advogados.
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