Resumo: Faz uma análise comparativa do Imposto sobre a
Propriedade Predial e Territorial Urbana (IPTU) e Imposto sobre a
Propriedade Territorial Rural (ITR) indicando, através de julgados
recentes dos Tribunais Superiores, em caso de imóvel localizado em zona
urbana e produtor rural qual a incidência tributária.
Ao analisarmos o objeto do presente estudo, um imóvel localizado em zona urbana que, todavia, é produtor rural, nos deparamos com um conflito entre dois tributos, o IPTU e o ITR.
Ao analisarmos o objeto do presente estudo, um imóvel localizado em zona urbana que, todavia, é produtor rural, nos deparamos com um conflito entre dois tributos, o IPTU e o ITR.
Então, inevitável o questionamento: qual dos dois impostos incide sobre o caso em questão?
Primeiramente, cumpre estabelecer os fatos geradores dos dois tributos em conflito.
Nos termos do artigo 32 do Código Tributário Nacional, é fato gerador do IPTU:
“Art. 32. O imposto, de competência dos Municípios, sobre a
propriedade predial e territorial urbana tem como fato gerador a
propriedade, o domínio útil ou a posse de bem imóvel por natureza ou por
acessão física, como definido na lei civil, localizado na zona urbana
do Município.
§ 1º Para os efeitos deste imposto, entende-se como zona urbana a
definida em lei municipal, observado o requisito mínimo da existência de
melhoramentos indicados em pelo menos dois dos incisos seguintes,
construídos ou mantidos pelo Poder Público:
I – meio-fio ou calçamento, com canalização de águas pluviais;
II – abastecimento de água;
III – sistema de esgotos sanitários;
IV – rede de iluminação pública, com ou sem posteamento para distribuição domiciliar;
V – escola primária ou posto de saúde a uma distância máxima de 3 (três) quilômetros do imóvel considerado.
§ 2º A lei municipal pode considerar urbanas as áreas
urbanizáveis, ou de expansão urbana, constantes de loteamentos aprovados
pelos órgãos competentes, destinados á habitação, á indústria ou a
comércio, mesmo que localizados fora das zonas definidas nos termos do
parágrafo anterior.”
Ou seja, o imóvel, para a sua determinação, é urbano quando situado
na zona urbana e a definição da zona urbana deve constar da Lei
Municipal, devendo conter pelo menos dois dos melhoramentos dos incisos
do artigo 32[1].
Quanto ao ITR, para imóveis rurais, assim dispõe o artigo 29 do Código Tributário Nacional:
“Art. 29. O imposto, de competência da União, sobre a propriedade
territorial rural tem como fato gerador a propriedade, o domínio útil ou
a posse de imóvel por natureza, como definido na lei civil, localizado
fora da zona urbana do Município.”
Nessa análise inicial de somente dois dispositivos do Código
Tributário Nacional, podemos concluir que o critério adotado pelo códex
para definir se um imóvel pertence à zona urbana ou rural é o
territorial.
Assim, zona urbana é aquela definida em Lei Municipal, observado o
requisito mínimo da existência de 2 (dois) dos melhoramentos públicos
referidos no § 1º, do art. 32 do Código Tributário Nacional. O que não
for zona urbana (por natureza - § 1 do artigo 32 ou por equiparação - § 2
do artigo 32 do Código Tributário Nacional) poderá ser considerada zona
rural para efeitos fiscais.
Porém, nem sempre o critério territorial, para efeitos fiscais, foi
pacificamente adotado. Em se tratando de conflito entre IPTU e ITR a Lei
n.º 5.868/72 em seu artigo 6º adotou o critério da destinação
econômica, gerando acaloradas discussões a respeito. In verbis:
“Art. 6º - Para fim de incidência do Imposto sobre a Propriedade
Territorial Rural, a que se refere o Art. 29 da Lei número 5.172, de 25
de outubro de 1966, considera-se imóvel rural aquele que se destinar à
exploração agrícola, pecuária, extrativa vegetal ou agroindustrial e
que, independentemente de sua localização, tiver área superior a 1 (um)
hectare. Parágrafo único. Os imóveis que não se enquadrem no disposto
neste artigo, independentemente de sua localização, estão sujeitos ao
Imposto sobre a Propriedade Predial e Territorial Urbana, a que se
refere o Art. 32 da Lei número 5.172, de 25 de outubro de 1966.”
Discussões à parte, a Lei nº 9.393/96 resolveu a questão,
consolidando o aspecto geográfico como determinador para a resolução do
conflito de incidência de tributo[2]. Senão vejamos:
“Art. 1º O Imposto sobre a Propriedade Territorial Rural - ITR, de
apuração anual, tem como fato gerador a propriedade, o domínio útil ou a
posse de imóvel por natureza, localizado fora da zona urbana do
município, em 1º de janeiro de cada ano.
§ 2º Para os efeitos desta Lei, considera-se imóvel rural a área contínua, formada de uma ou mais parcelas de terras, localizada na zona rural do município” (g.n.).
O Supremo Tribunal Federal, entretanto, antes do advento da Lei
supramencionada já havia se manifestado a respeito no Recurso
Extraordinário nº 93.850-8 – MG de 20 de Maio de 1982, declarando a
inconstitucionalidade do artigo 6º e seu parágrafo único da mencionada
Lei nº 5.868/72.
O grande problema na adoção do conceito geográfico de zona urbana e
zona rural diz respeito ao crescimento desordenado das cidades.
Hoje em dia, é muito comum encontrar propriedades com atividades econômicas típicas de zona rural dentro da zona urbana.
E esse é o problema que diz respeito à tributação de área urbana
cultivada, normalmente, plantação de hortaliças que abastecem a
população em seu entorno.
O problema da tributação pelo IPTU, em lugar do ITR, nem sempre é
somente de ordem jurídica, mas principalmente de política tributária e
urbana para aqueles municípios que procuram se adequar aos meandros do §
1º do art. 32 do Código Tributário Nacional.
É importante ressaltar, também, a natureza de norma não auto
aplicável do § 1º, do artigo 32 do Código Tributário Nacional, uma vez
que este necessita de uma Lei Municipal regulamentando-o[3].
Mas se de um lado a zona urbana é o Município que define através de
Lei Municipal regulamentadora e por força de norma constitucional para
fins de tributação de IPTU, o mesmo não se pode dizer do ITR, tributo de
competência da União.
“O Município é autônomo, mas não é soberano. Os limites da
sua autonomia para instituir IPTU terminam precisamente onde se inicia
a competência da União para criar o ITR. Nem União, que também é
autônoma, nem Município podem dispor livremente: este não pode
abstrair-se da competência da União; esta, por sua vez, deve conter-se
dentro das fronteiras delimitadas pela Constituição”.[4]
Em que pese a aparente definição pelo Supremo Tribunal Federal
declarando inconstitucionalidade de lei e determinando o critério
geográfico como sendo o mais adequando para a resolução do conflito de
normas entre IPTU e ITR, ou seja, imóvel urbano tributa-se com IPTU e
imóvel rural tributa-se com ITR, mais contemporaneamente e, em função
mesmo do crescimento desordenado das cidades e do excesso de
bitributação surgido recentemente, mais uma vez os Tribunais resolveram
se manifestar.
Assim é que o TRF da 1º Região manifestou-se a respeito:
“I. Pelo critério da localização, de feição clássica, o imóvel
será urbano ou rural de acordo com a sua situação, dentro ou fora do
perímetro urbano definido pela lei administrativa municipal, critério
que a lei (CTN - arts. 29 e 32) leva em conta para fins de lançamento de
imposto territorial. Modernamente, todavia, o elemento diferenciador
mais indicado, até mesmo pelo legislador, é o da destinação econômica do
imóvel, não se considerando a localização como fator decisivo, ainda
que seja levada em conta para fins fiscais...” (TRF-1ª Região. AC 2001.43.00.001709-1/TO. Rel.: Des. Federal Olindo Menezes. 3ª Turma. Decisão: 17/01/06. DJ de 03/02/06, p. 12.)
O próprio Supremo Tribunal Federal, que apesar de declarar a
inconstitucionalidade do artigo 6º da Lei nº 5.868/72, com um
entendimento mais recente, na determinação da cobrança do tributo
mesclou o conceito territorial com a destinação econômica para tentar
combater tal bitributação:
“II - O c. Supremo Tribunal Federal pacificou o entendimento no
sentido de que a regra do art. 32 do Código Tributário Nacional, na
redação dada pelo art. 15 do Decreto-Lei 57/66, foi recepcionada pela
Constituição Federal de 1967, pela Emenda Constitucional 01/69 e pela
atual Constituição Federal de 1988 como norma com natureza de lei
Complementar, por ser regra geral tributária acerca dos tributos ITR e
IPTU, assim somente podendo ser alterada por norma desta mesma espécie,
pelo que declarou a inconstitucionalidade do art. 6° e seu parágrafo
único da Lei 5.868/72 (STF. RE 94.850-8/MG. LEX 46/91. Rel. Min. Moreira
Alves) e também do art. 12 da mesma Lei (na parte que revogava o art.
15 do Decreto-Lei 57/66 (STF. RE 140773 / SP. J. 08/10/1998, DJ
04-06-1999, p. 17; EMENT 1953-01/127. Rel. Min. Sydney Sanches;
Resolução 09/2005 do Senado Federal), restabelecendo assim a plena
vigência do art. 32 do CTN, impondo a regra da prevalência da destinação
do imóvel para fins de incidência do ITR ou do IPTU, sujeitando-se o
imóvel com destinação rural ao ITR mesmo que esteja na área urbana do
município.”
Entenda-se: o Artigo 15 do Decreto-Lei nº 57/66[5] não está revogado por força da Resolução nº 09 de 07 de junho de 2005 do Senado Federal.
Também nesse sentido o TRF 5º Região:
“Ementa: .... o critério topográfico estabelecido no art. 32, do
CTN, deve ser interpretado em conformidade com o comando do art. 15, do
Decreto-Lei Federal 57/1966, de maneira que não deverá incidir o IPTU
quando o bem imóvel, ainda que situado na zona urbana, tenha como
destinação, como informa o citado dispositivo, a exploração extrativa
vegetal, agrícola, pecuária ou agro-industrial, situação em que caberá
apenas a incidência do ITR, sob pena de se admitir a chamada
bitributação, rechaçada pela doutrina e jurisprudência pátrias; ....” (TRF-5ª Região. REO 2005.05.00.028906-1/SE. Rel.: Des. Federal Manoel Erhardt. 3ª Turma. Decisão: 01/03/07. DJ de 27/04/07, p. 988.).
Neste sentido, é concluso que somente incidirá o IPTU se das cinco hipóteses apresentadas pelo artigo 32, § 1º[6],
ao menos duas forem respeitadas. Por outro lado, não incidirá o IPTU, e
sim o ITR, se o imóvel destinar-se à exploração extrativista vegetal,
agrícola, pecuária ou agroindustrial, ainda que localizado em zona
considerada urbana pelo Município. (Grifo nosso)
E, ainda, se o imóvel preencher apenas um ou nenhum dos requisitos do
artigo 32 do Código Tributário Nacional, também estaríamos diante de
caso de incidência de ITR e não de IPTU.
Bibliografia
BARRETO, Aires F. Curso de Direito Tributário Municipal. São Paulo: Saraiva, 2009.
Código Tributário à Luz da Jurisprudência/
Organizado pelo Tribunal Regional Federal da Primeira Região. 2º Ed.
Brasília: TRF 1º Região, 2008.
FABRETTI, Láudio Camargo. Código Tributário Nacional Comentado. 6º Ed. São Paulo: Atlas, 2005.
HARADA, Kyioshi. Direito Tributário Municipal. São Paulo: Atlas, 2007.
NASCIMENTO, Carlos Valder do (coord.). Comentários ao Código Tributário Nacional. 6º Ed. Rio de Janeiro: Forense, 2001.
SABBAG, Eduardo. Manual de Direito Tributário. São Paulo: Saraiva, 2009.
Notas:
[1] NASCIMENTO, Carlos Valder do (coord.). Comentários ao Código Tributário Nacional. 6º Ed. Rio de Janeiro: Forense, 2001, p. 82.
[2] SABBAG, Eduardo. Manual de Direito Tributário. São Paulo: Saraiva, 2009, 923.
[3] Esse é o entendimento há muito difundido pelo ilustre jurista Kiyoshi Harada.
[4] BARRETO, Aires F. Curso de Direito Tributário Municipal. São Paulo: Saraiva, 2009, p. 195.
[5] Art 15. O
disposto no art. 32 da Lei nº 5.172, de 25 de outubro de 1966, não
abrange o imóvel de que, comprovadamente, seja utilizado em exploração
extrativa vegetal, agrícola, pecuária ou agro-industrial, incidindo
assim, sobre o mesmo, o ITR e demais tributos com o mesmo cobrados.
[6] Art.
32. O imposto, de competência dos Municípios, sobre a propriedade
predial e territorial urbana tem como fato gerador a propriedade, o
domínio útil ou a posse de bem imóvel por natureza ou por acessão
física, como definido na lei civil, localizado na zona urbana do
Município.
§ 1º Para os efeitos deste imposto, entende-se
como zona urbana a definida em lei municipal; observado o requisito
mínimo da existência de melhoramentos indicados em pelo menos 2 (dois)
dos incisos seguintes, construídos ou mantidos pelo Poder Público:
I - meio-fio ou calçamento, com canalização de águas pluviais;
II - abastecimento de água;
III - sistema de esgotos sanitários;
IV - rede de iluminação pública, com ou sem posteamento para distribuição domiciliar;
V - escola primária ou posto de saúde a uma distância máxima de 3 (três) quilômetros do imóvel considerado.
Autora: Jamile Gonçalves Calissi / Advogada. Servidora Municipal do Departamento Tributário da Prefeitura Municipal de Mineiros do Tietê – SP
NOTA DO EDITOR:
Imóvel rural é uma área formada de uma ou mais matrículas de terras
contínuas, do mesmo detentor (seja ele proprietário ou posseiro),
podendo ser localizada tanto na zona rural quanto na área urbana do município. O
que caracteriza o imóvel rural para a legislação agrária é a sua
“destinação agrícola, pecuária, extrativa vegetal, florestal ou
agroindustrial.” Lei n.º 8.629, de 25 de fevereiro de 1993, artigo 4.º,
inciso I).
O termo terras contínuas significa áreas confrontantes do mesmo
detentor, que são consideradas um único imóvel, ainda que cada uma tenha
Registro/Matrícula próprios, ou que haja interrupções físicas como
estradas, cursos d’água, etc, desde que o tipo de exploração seja o
mesmo.
IMPORTANTE: Nenhum proprietário de
imóvel rural está obrigado, por força de Lei, a promover, junto ao
Cartório de Registro de Imóveis, a unificação de matrículas de áreas
contínuas. Entretanto, para fins de cadastramento no Sistema Nacional de
Cadastro Rural (SNCR) o remembramento das áreas é obrigatório por força
da conceituação de imóvel rural contida no inciso I do artigo 4º da Lei
nº 4.504/64 - Estatuto da Terra - conforme estabelece o artigo 2º da
Lei nº 5.868/72 que cria o SNCR.
Caro ilustre amigo e professor Marcos MAscarenhas excelente o comentário parabéns.
ResponderExcluirJose Antonio Unifacs