terça-feira, 8 de março de 2011

MERCADO DE REQUALIFICAÇÃO TECNOLÓGICA DE EDIFÍCIOS ESTIMULA INOVAÇÕES EM PROL DA SUSTENTABILIDADE


RETROFIT DA TEORIA À PRÁTICA

Os avanços tecnológicos têm permitido que construções antigas consigam se adaptar a novas necessidades mesmo com restrições construtivas. "Pode-se, por exemplo, instalar piso radiante gelado em edifícios com pé-direito pequeno, como alternativa ao sistema de ar-condicionado pelo forro", diz Roberta. A inserção de brises, alteração nos tipos de vidros e esquadrias, mudanças nos revestimentos externos e internos, instalação de novos sistemas elétricos, hidráulicos e de ar-condicionado, adequação à acessibilidade, todas as melhorias que garantam melhores usos e aproveitamento do potencial construtivo são ações de retrofit.

Executado pela Método, o retrofit do Edifício Panorama tem a grife do arquiteto Isay Weinfeld. Em vez de escritórios, o edifício abriga agora luxuosos apartamentos
Já é um consenso entre especialistas que o retrofit ou reconversão de um edifício (ou área urbana) é, antes de tudo, uma requalificação tecnológica. Em geral, o que se faz é reconfigurar e otimizar espaços, melhorar sua eficiência energética e, em conseqüência, aumentar seu valor agregado. Segundo a arquiteta doutora Roberta Consentino Kronka Müilfarth, do Labaut (Laboratório de Conforto Ambiental e Eficiência Energética da Universidade de São Paulo), essa requalificação pressupõe tornar o edifício mais "sustentável", pois ataca-se o problema do consumo exagerado de água e energia, apostando na ventilação natural do edifício, reúso de água, uso de água de chuva e outras alternativas. "É uma prática arquitetônica dentro do desenvolvimento sustentável", acredita Roberta (quadro 1).

Um edifício pode ser readequado para o mesmo uso ou adaptado para usos diferentes. Já o retrofit urbano transforma áreas obsoletas e até com problemas sociais em áreas economicamente e socialmente ativas, onde a degradação e violência dão lugar à renovação urbana e maiores consciência e cuidado com o meio. "Na Europa é muito comum a requalificação urbana onde até bairros inteiros são transformados, em oposição à expansão urbana", explica Roberta. De acordo com a pesquisadora, a expansão urbana é cara pois implica alterar a infra-estrutura básica e de transportes (greenfields), enquanto que o reaproveitamento de áreas degradadas ou subutilizadas (brownfields) tira partido de equipamentos existentes e reconecta o tecido urbano truncado de áreas subutilizadas da cidade.


Conhecido mundialmente, o projeto de requalificação de Puerto Madero, em Buenos Aires, transformou antigos galpões em lojas e restaurantes

Projetar um edifício já pensando em seu possível reúso é um conceito estranho à grande maioria dos arquitetos brasileiros. A idéia implica definir sistemas construtivos que permitam desmontagem, e não demolição. "Na Europa, o termo reciclagem é o último empregado na cadeia da sustentabilidade", esclarece Roberta. "Antes de reciclar existe o conceito de reutilizar", conclui. A reutilização exige a definição de sistemas construtivos mais industrializados e secos como lajes moduladas, divisórias desmontáveis, sistemas elétricos e hidráulicos de fácil acesso e reparo, entre outros. Em muitos países europeus, principalmente na Holanda, as lojas de materiais de construção não comercializam produtos novos, mas usados, tirados de outras edificações.

Antes uma igreja agora um edifício de apartamentos,
a Scotts Church é um exemplo de construção simbiótica

Além de requalificar a estrutura e os sistemas dentro de um mesmo espaço, é possível revalorizar a construção inserindo novos espaços, caso dos edifícios chamados simbióticos, ou seja, construídos a partir do aproveitamento da estrutura de outros mais antigos, de maneira a complementar usos e agregar novos valores. De acordo com a arquiteta doutora e também pesquisadora do Labaut, Denise Helena Silva Duarte, essas construções eram chamadas de parasitas, "Parasite Buildings", mas como o nome remete a algo negativo e restritivo, os especialistas têm preferido chamar esses "anexos" como edifícios simbióticos, conceito que remete a uma interdependência positiva a ambos. "Já foram feitos todos os tipos de estruturas simbióticas, desde uma caixa pendurada do lado de fora de um prédio até a construção de andares inteiros novos sobre a cobertura de um edifício antigo", conta Denise. A construção nas coberturas garante um piso elevado que pode abrigar diferentes funções necessárias à cidade, que não têm espaços disponíveis no solo, além de constituir um espaço valorizado nas cidades adensadas. "Essas construções podem ainda testar novos conceitos, sempre respeitando o edifício existente e o entorno", explica Denise. No entanto, os edifícios simbióticos devem primordialmente possuir estruturas leves e de construção rápida, tendo em vista o sobrepeso estrutural do novo conjunto, além de preverem rotas de fugas facilitadas e atenderem a todas as normas de desempenho. "Adicionar uma nova 'camada' de uso pode trazer vida à construção e fazer a cidade contemporânea respirar, não só para habitação, como para outras funções", conclui.

Seja qual for a estratégia de projeto para reabilitação de edifícios ela deve considerar as exigências dos usuários quanto ao clima e o desempenho do edifício ao longo do ano, deve analisar novas demandas e possíveis conflitos (acústica x ventilação, proteção solar x iluminação natural) e diagnosticar condições atuais (visitas em diferentes horários, desenhos de observação, medições, simulações), de maneira a subsidiar a analise de alternativas e a escolha da melhor solução.

Incluir forros, pisos elevados de serviços e atualizar as instalações são desafios para os arquitetos e limitações para os edifícios
Da teoria a prática

O retrofit pode dotar o edifício de atualidade tecnológica que se traduza em conforto, segurança, custos mais baixos de operação e funcionalidade para o usuário tendo em vistas a viabilidade econômica para o investidor. De acordo com a arquiteta Marília Sayuri Chino, que desenvolveu uma tese de graduação sobre retrofit, a possibilidade de obtenção de valores aceitáveis para o investimento requer um estudo de viabilidade econômica que não se encontra na mera análise por parâmetros convencionais. Uma simples análise de custos poderá negligenciar tanto valores mensuráveis, como a valorização do imóvel e melhoria da eficiência energética, quanto intangíveis, como a preservação da memória, melhoria dos padrões de segurança e conforto. Diferentemente, mensurar o retorno de investimentos em eficiência energética é mais fácil. Já existem hoje, mesmo no Brasil, as chamadas Energy Savings Companies, empresas responsáveis pelo processo de retrofit que visam à eficiência energética. Elas atuam com um contrato de performance em que são responsáveis pelos investimentos iniciais, mas passarão a receber uma porcentagem da economia gerada pelas intervenções por um determinado período de tempo. Após esse período a economia se reverte exclusivamente para o proprietário. Além de realizarem diagnósticos energéticos em um edifício, também negociam junto às concessionárias de energia as tarifas mais adequadas para a edificação, além de acompanharem a instalação do novo sistema.

Projeto premiado mostra viabilidade de retrofit de um edifício comercial










A arquiteta mestranda Viviane Caroline Abe desenvolveu em seu trabalho de dissertação o retrofit hipotético de um prédio de escritórios de 1971, no Centro de São Paulo. O trabalho ganhou menção honrosa no prêmio Paviflex e foi orientado pela professora doutora Denise Helena Silva Duarte, do Labaut. O edifício objeto da intervenção apresentava problemas de conforto, má eficiência energética e risco de incêndio por falta de rota de fuga. Além disso, a análise das fachadas mostrou um alto índice de absorção de calor. A caixilharia está desgastada e apresenta baixo desempenho quanto à vedação, aumentando a demanda de ar-condicionado. As instalações elétricas e eletromecânicas (elevadores), hidrossanitárias e de telefonia encontram-se defasadas em relação às tecnologias atuais. Não há sistema de condicionamento de ar central, sendo que os aparelhos de ar-condicionado individuais são instalados nas janelas. Também não há sistemas de cabeamento e automação predial. A avaliação técnico-funcional estudou os espaços propostos pelo projeto de arquitetura e mostrou que o pé-direito útil nos escritórios, de apenas 2,50 m, dificulta a implantação de um sistema de condicionamento de ar central, com difusores no teto. Além disso, o edifício não é adequado ao uso para deficientes físicos, inclusive os sanitários.

Solução

Um estudo apurado serviu de base para simulações computacionais de conforto térmico, luminoso e acústico, por meio de softwares específicos, além do levantamento do consumo energético de todos os equipamentos comuns. Também foram realizados estudos do clima e insolação em cada fachada. O resultado de todas as análises levou a arquiteta Viviane a propor a inserção de brises, lightshelves e chapas metálicas para impedir a radiação solar direta na superfície opaca da fachada. A estrutura compõe-se de perfis metálicos verticais e horizontais, além dos contraventamentos.

A carga térmica produzida pelos equipamentos também foi reduzida devido à alteração do sistema de iluminação artificial. A troca da caixilharia foi recomendada, junto com a escolha de outros vidros com melhor desempenho acústico, mantendo-se o mesmo modelo de dois panos projetantes. O vidro laminado proposto possui uma camada de vidro de 1/8", uma película de PVB de 0,030" e outra camada de vidro de 1/8". O nível de ruído resultante é de 40 dB(A), dentro dos limites estabelecidos pela Norma Brasileira (NBR 10152). Para otimizar a perda de calor do interior dos ambientes, Viviane recomendou a abertura dos panos superiores das janelas no período noturno.

O layout interno do escritório também sofreu alterações devido à necessidade de uma área para a casa de máquinas, que deveria estar localizada em um ponto central do escritório. Como o pé-direito reduzido impedia a instalação de difusores de ar sob o forro foi escolhido o sistema de insuflamento por meio de um piso elevado monolítico, com altura de 15,5 cm (acabado), que tira partido de uma menor vazão de insuflamento e da redução da dimensão dos equipamentos e casa de máquinas. O sistema também favorece o uso de ciclo economizador, resultando em menor consumo de energia.

Retrofit de fachadas

Além da valorização do imóvel, o retrofit das fachadas diminui gastos com a manutenção, aumenta a durabilidade da envoltória e os cuidados que cada condômino dispensa ao edifício. De acordo com o engenheiro Paulo Maccaferri, da Adapt Tecnologia e Engenharia, empresa responsável por projetos de requalificação de fachadas, a modernização das fachadas representa um ganho de 10% a 15% no valor total do imóvel. "É um ganho tecnológico e financeiro ao mesmo tempo", explica. Um dos projetos desenvolvidos pela Adapt é de um condomínio residencial que apresenta problemas como o desplacamento das pastilhas brancas que revestem as fachadas, caixilhos com vedação deficiente e contramarcos oxidados, de modo que a umidade externa entre facilmente dentro dos apartamentos. Além disso, apresentava problemas graves de oxidação nas armaduras dos pilares e vigas de concreto, ausência de juntas de dilatação e movimentação e argamassa de emboço esfarelada. Junta-se a isso a deterioração da tubulação externa de esgoto e gás. O projeto de melhoria propôs soluções para cada um dos problemas com o desenvolvimento de um projeto executivo de revestimento de fachada que define um posicionamento mais adequado das juntas. O serviço começa pela remoção completa do revestimento cerâmico, da argamassa de base e dos caixilhos, substituídos por novos caixilhos de alumínio com pintura eletrostática branca e pingadeiras. Tubulações de esgoto e gás novas passam a ser embutidas na argamassa.

Metrô Praça da Árvore: busca pela eficiência energética

Uma das grandes Energy Save Companies que trabalham principalmente em São Paulo e no Rio de Janeiro é a Ecoluz. A empresa desenvolveu diversos projetos de economia de energia como o da Sala São Paulo, o do Centro Cultural de São Paulo e o do aeroporto de Cumbica, ambos em São Paulo, e o Jockey Clube do Brasil, no Rio de Janeiro, entre outros.

Além de edifícios, equipamentos urbanos como o metrô também sofreram intervenção em seus pontos de iluminação. É o caso do metrô Praça da Árvore, em São Paulo. Depois de uma análise do gasto energético com as luminárias instaladas nas plataformas os especialistas propuseram a troca dos equipamentos por refletores especulares aluminizados brilhantes, com espessura de 0,4 mm, com soquetes em inox e acessórios de fixação, e, mais significativo, propuseram a redução de duas lâmpadas fluorescentes para uma de 110 W tipo HO. Além disso, os reatores duplos fluorescentes de 2 W x 110 W foram substituídos por reatores simples fluorescentes de 1 W x 110 W. Foram instaladas lâmpadas fluorescentes HO/110 W tipo "trifósforo" IRC = 85 , temperatura de cor 4.000 K. De acordo com a empresa, a implementação das ações de eficiência energética nas luminárias da Estação Praça da Árvore reduziu em cerca de 50% o consumo da energia elétrica destinada à iluminação das plataformas.

Além disso, as medições luximétricas realizadas em campo verificaram um aumento no nível de iluminamento da estação. As tabelas a seguir mostram condições pré e pós-implementação do novo sistema de iluminação:


Edifício Panorama: Retrofit com grife

Na região da Vila Nova Conceição, zona nobre de São Paulo, um edifício comercial foi transformado em residencial pelas mãos do arquiteto Isay Weinfeld.

O edifício de oito pavimentos, sendo o último um dúplex, apresenta quatro tipologias de apartamentos. O processo de requalificação iniciou-se pela definição da construção de uma estrutura anexa à estrutura de concreto do antigo edifício, para aumento das lajes e áreas úteis. Essa nova estrutura foi construída de maneira convencional, com fundações, lajes e vigas em concreto, e pilares dispostos na periferia para a obtenção de uma planta livre, conceito fundamental dos apartamentos. De acordo com o diretor de empreendimentos imobiliários da Método, o engenheiro Ricardo Guedes, a interferência entre as duas estruturas se deu nas lajes do estacionamento, que tiveram que ser perfuradas para a execução da fundação e pilares do anexo. Além disso, como as estruturas não foram solidarizadas, a construção teve que ser milimetricamente controlada para a perfeita coincidência dos níveis. As instalações hidráulicas e elétricas existentes foram todas retiradas, e tiveram suas prumadas fechadas, enquanto que novas prumadas foram executadas com a instalação de tubos de água quente e fria, cabeamento estruturado e facilidades controladas por um sistema de automação.
A tubulação de esgoto galvanizada tinha um fluxo livre de trabalho inferior à necessária para a nova demanda e também foi inteiramente trocada, com novas furações e diâmetros adequados ao fluxo residencial. "A criatividade do arquiteto está em interligar os projetos de hidráulica, elétrica e estrutura com os novos espaços e usos", explica Guedes. Para o diretor é difícil quantificar aos investidores quanto se gasta e quanto se ganha na requalificação de um edifício, pois as análises de custos não podem ser as mesmas utilizadas para edifício novo e a rapidez do processo muitas vezes impede a busca por cálculos mais adequados. "O retrofit ainda é um nicho de mercado e não uma tendência" acredita Guedes.

Fonte: Simone Sayegh

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