segunda-feira, 7 de março de 2011

EUA TEMEM NOVA BOLHA IMOBILIÁRIA


Alta das commodities provoca boom perigoso nos preços das terras do cinturão cerealista americano, alertam autoridades.

Os 32,40 hectares, aproximadamente, de uma terra agrícola fértil que Jeff Freking e seu irmão Randy adquiriram recentemente perto de Le Mars, Iowa, por US$ 10 mil o acre (um acre corresponde a 0,404 hectare) aparentemente não têm nada em comum com uma casa num condomínio em Miami ou em Las Vegas.

Mas como os preços das terras agrícolas estão subindo no cinturão cerealista nos Estados Unidos, as autoridades reguladoras alertam para a possibilidade da formação de uma nova bolha imobiliária – como na época do boom dos preços das habitações, cujos valores subiram vertiginosamente em Miami e Las Vegas, e depois despencaram.

“Aqui parece que os preços estão subindo em saltos”, disse Jeff Freking, que comprou uma fazenda desse tipo por US$ 6 mil o acre, há apenas dois anos. “Todo mundo acha que é uma coisa maluca”.

A alta dos preços está sendo vertiginosa em todo o Centro-Oeste, com aumentos de dois dígitos porcentuais no ano passado em Illinois, Indiana, Iowa, Kansas, Minnesota e Nebraska. Em algumas partes do Iowa, os preços de boa terra agrícola subiram até 23% no ano passado, afirma o Federal Reserve Bank de Chicago.

Poucos anos atrás, os proprietários de terra se surpreenderam quando os preços da terra começaram a subir por causa da demanda de milho para a produção de etanol. Mais recentemente, foi a alta vertiginosa dos preços do trigo, milho, soja e outras culturas que impulsionou o aumento. Na terça-feira, os preços dos contratos futuros do milho na Bolsa de Chicago fecharam a US$ 7,27 o bushel, em comparação a US$ 3,70 no ano passado. Os contratos futuros da soja foram cotados a US$ 13,67, em comparação a US$ 9,52 no dia 1º de março do ano passado.

Preocupação. Os preços médios dos grãos, corrigidos pela inflação, estão se aproximando dos níveis vertiginosos do final da década de 70, no pico do último desastroso ciclo de expansão e retração para a terra agrícola. É isto que preocupa as autoridades.

“A história nos ensinou que é quase impossível determinar até que ponto o boom da terra agrícola pode ser tornar uma bolha insustentável impulsionada pelos mercados financeiros”, disse Thomas Hoenig, presidente do Federal Reserve Bank de Kansas City.

Os executivos do Banco de Hoenig alertam para a possibilidade de os produtores se depararem com um “enorme” risco de que a elevação dos juros, combinada talvez à queda dos preços agrícolas, possa reduzir o valor da terra. Os valores da terra agrícola poderão cair um terço ou pela metade numa situação como esta, disse Hoenig.

Os preços subiram tanto até agora que “a coisa está ficando assustadora”, disse Mike Green, um leiloeiro de imóveis. Ele bateu o martelo em fevereiro para uma fazenda de 47,75 hectares em Yetter, Iowa, que foi vendida por US$ 11 mil o acre, um recorde segundo ele para uma fazenda no Condado de Calhoun, Iowa. Em dezembro, continuou, o público ficou surpreso quando um pacote foi vendido por US$ 9,3 mil o acre. Tempos atrás, fazendas deste tipo eram vendidas por menos de US$ 8 mil o acre.

“É muito difícil imaginar por quanto uma propriedade será vendida, hoje, porque parece que as coisas mudam toda semana”, ele disse.

Dados referentes ao país como um todo divulgados pelo Departamento da Agricultura dos EUA mostram que os preços das fazendas corrigidos pela inflação superaram há vários anos o pico da década de 70, mas isto inclui terra, principalmente no litoral, cujo preço subiu quando foi vendida para incorporação.

Pesquisas de universidades e do Federal Reserve, que fornecem um quadro mais preciso do valor da terra usada para plantio, mostram que os preços se aproximam do pico do último boom quando corrigidos pela inflação.

Os valores da terra agrícola foram puxados por vários fatores. Como culturas como milho, trigo e soja costumam provocar alta dos preços, a terra na qual são cultivadas se valoriza. Juros baixos também contribuíram; eles atraem investidores em busca de uma alternativa aos certificados de depósito de baixo rendimento e à volatilidade das bolsas, e incentiva os produtores a comprar mais terra em vez de investir o lucro em outra coisa.

“A terra agrícola é um ativo procurado em um mundo no qual muitos outros tipos caíram em desgraça”, comentou Richard Brown, principal economista da Federal Deposit Insurance Corporation (FDIC).

Bolha. O rápido aumento dos preços da terra agrícola provocou alarmes na FDIC, que faz seguro de depósitos bancários e monitora o vigor financeiro do setor. A agência enviou uma carta às instituições de crédito, em dezembro, alertando-as a não permitir que os altos preços das terras agrícolas as levassem a descuidar do rigor na concessão de empréstimos. “Se for uma bolha”, disse Brown, “está na fase de formação”.

O mercado de terra agrícola dos dias de hoje apresenta diferenças cruciais em relação ao da década de 70, e ao boom da habitação da década passada. Nos anos 70, outro período de juros baixos e altos preços das commodities agrícolas, os produtores se endividaram consideravelmente, usando as fazendas como garantia. Na bolha da habitação, muitos compradores se deixaram seduzir por empréstimos inovadores, mas pouco claros, como hipotecas subprime com juros flutuantes, que ampliaram consideravelmente o risco.

Hoje, o endividamento dos produtores agrícolas é cerca de 33% menor, em comparação ao pico do boom passado, dizem os dados do USDA.

Mas uma grande preocupação das autoridades reguladores é que os produtores comecem a contrair empréstimos sobre propriedades que já possuem, baseando-se nos valores elevados de hoje, e a usar os recursos para adquirir mais terra ou fazer outras aquisições. O que se assemelha ao que os produtores faziam há 30 anos, e ao que os proprietários de habitações fizeram no boom da habitação.

Jason Henderson, um vice-presidente da agência de Omaha do Fed de Kansas City, disse que ouviu de banqueiros que este esquema pode voltar.

Freking e o irmão fizeram a última aquisição usando exclusivamente dinheiro de empréstimos. Seu banqueiro emprestou-lhes a metade do valor da compra, e o restante do dinheiro veio do refinanciamento e da consolidação de empréstimos sobre outras propriedades que eles tinham, e que valem mais em termos do valor atual da terra.

Ele afirmou que houve um certo choque por causa do preço, mas o negócio valia a pena porque a terra ficava próxima de duas outras propriedades que a família cultiva. Ele também conseguiu um juro fixo atraente de cerca de 5%, embora o empréstimo deva ser saldado em oito anos. “Todo mundo fala com entusiasmo das commodities, por isso espero que o negócio compense”, disse Freking.

Especulação. A alta dos preços também atraiu especuladores. Uma pesquisa da Iowa State University concluiu que investidores foram responsáveis por 25% das aquisições no Estado no ano passado, um ligeiro aumento em relação a 2009. “É algo muito agressivo em termos de oferta”, disse Todd Hattermann, um leiloeiro que vendeu uma fazenda em Paullina, Iowa, por US$ 9,6 mil o acre, na semana passada. Segundo ele, os investidoras provocam a alta dos valores. “Vários deles talvez não sejam os que apresentam a oferta final, mas são eles que fazem os lances”.

Não há unanimidade quanto ao surgimento ou não de uma bolha. Michael Duffy, economista especializado em agricultura da Iowa State University, que realiza a pesquisa anual sobre o valor da terra, disse que o mercado parece fundamentalmente saudável e que os preços da terra correspondem à alta dos preços das commodities. “Se você tem uma terra boa, ela vale muito dinheiro”, afirmou.

Bruce Brooks, o corretor que vendeu a fazenda aos irmãos Freking, transpira um otimismo que é familiar a quem comprou uma casa em 2006. “Se analisarmos do início da agricultura nos Estados Unidos até agora, a tendência no longo prazo foi de crescimento”, disse. “Haverá flutuações do mercado. Mas em dez anos, não me surpreenderei se nossa terra, pela qual pagamos US$ 10 mil o acre, chegar a US$ 20 mil”.

Fonte: William Neuman, do The New York Times – O Estado de S.Paulo TRADUÇÃO DE ANNA CAPOVILLA
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