terça-feira, 19 de abril de 2011

SABER DIREITO: OS TÍTULOS PARTICULARES NO REGISTRO DE IMÓVEIS


1) Introdução

O tema proposto, os títulos particulares no registro de imóveis, exige uma reflexão sobre a relevância do instrumento público, sobre a experiência da utilização do instrumento particular no Brasil, sobre os instrumentos particulares que acedem ao registro imobiliário em nosso país e, por fim, o quanto a segurança jurídica pode ser afetada pela utilização dos instrumentos particulares.

Quanto ao acesso ao registro imobiliário, nesta introdução, é interessante apresentar para início da reflexão o que poderia ser a conclusão do trabalho. Podemos partir de uma das conclusões da Declaração de Lima, que nos interessa especialmente. Nos dias 22 a 24 de maio de 2007, teve lugar o Congresso Internacional de Direito Registral, realizado em Lima, Peru, organizado pela Superintendência Nacional dos Registros Públicos do Peru – SUNARP -, Colégio de Registradores da Espanha e Universidade de Lima, com representantes da Argentina, Brasil, Chile, Costa Rica, Equador, Espanha, Estados Unidos da América, El Salvador, Honduras, México, Paraguai, República do Peru e Venezuela. Nesse evento foi expedida a Declaração de Lima composta de conclusões sobre as tendências e características dos modernos sistemas registrais, sobre os modelos de gestão e organização dos sistemas registrais e sobre os sistemas de garantias hipotecárias e mobiliárias. Uma das conclusões, ora de nosso interesse, foi a seguinte:

“Um sistema registral moderno, eficaz, ágil e flexível, deve contar com os seguintes requisitos básicos: a) A utilização do documento público como continente dos atos destinados a serem inscritos no Registro, de forma que a ele acedam somente títulos notariais, judiciais e administrativos em virtude da fé pública que deles dimana. A autenticidade dos documentos públicos coadjuva a segurança jurídica dos Registros”. Penso que efetivamente a autenticidade dos documentos públicos coadjuva a segurança jurídica dos registros, e veremos as razões.

2) A forma nos negócios jurídicos imobiliários

A forma para a contratação foi analisada em texto produzido para o I Foro Internacional Administración Electrónica y Seguridad Jurídica, que teve lugar em Madri, Espanha, nos dias 12 a 14 de maio de 2.008, tendo sido o Brasil representado pelo signatário e pelo Dr. Francisco José Rezende dos Santos. O texto foi elaborado em conjunto com o Dr. Sérgio Jacomino, e podemos destacar os seguintes pontos quanto à forma nos negócios jurídicos imobiliários:

“O sistema jurídico brasileiro se fundamenta na liberdade de forma para a contratação dos negócios jurídicos. A regra geral é de que não existe obrigatoriedade de forma para a contratação, mas sim a voluntariedade para que exista o negócio jurídico. Basta a vontade do agente, e a exteriorização desta vontade (vontade declarada), por seus diversos meios. A regra para a validade do negócio jurídico é a do consensualismo, o acordo de vontades, podendo as partes celebrarem os contratos da forma que desejarem, seja verbalmente, por sinais, tacitamente, ou ainda por escrito. Impera o chamado princípio da liberdade das formas. O agente não fica obrigado à forma especial para o ato ou negócio jurídico. Mas existem casos em que a lei excepciona a regra geral. A lei civil impõe forma em determinados tipos de negócios jurídicos. O descumprimento da forma invalida o negócio jurídico. O Código Civil Brasileiro prescreve no seu art. 104 que: Art. 104. A validade do negócio jurídico requer: I – agente capaz;II – objeto lícito, possível, determinado ou determinável; III - forma prescrita ou não defesa em lei.“.

O negócio jurídico é nulo quando não revestir a forma prescrita em lei (art. 166, IV, do Código Civil).

Quanto aos negócios imobiliários, a lei civil brasileira determinou a forma escrita, sendo essencial à validade dos negócios jurídicos que visem à constituição, transferência, modificação ou renúncia de direitos reais sobre imóveis a escritura pública (art. 108). Não foi sem motivo que o legislador determinou a utilização da escritura pública, como se verá à frente.

No entanto, o legislador deixou uma porta aberta aos instrumentos particulares, estabelecendo uma convivência no sistema pátrio entre o instrumento público e o particular nos negócios jurídicos imobiliários ao estabelecer que a escritura pública é essencial à validade não dispondo a lei em contrário, e abrindo uma exceção no próprio artigo 108, ao permitir a utilização do instrumento particular quando o valor do negócio for de até trinta vezes o maior salário mínimo vigente no país.

Anote-se que a permissão para a utilização do instrumento particular não afasta a possibilidade de opção pelo instrumento público, mais solene e, seguramente, mais vantajoso, por motivos diversos.

3) Por que a escritura pública?

Eduardo José Martínez Garcia, registrador espanhol, aduz que “al analizar el fraude inmobiliario se señala como una de las causas el contrato privado…” O instrumento particular favorece a clandestinidade, a evasão fiscal e a lavagem de dinheiro, dentre outros problemas. Por seu turno, o instrumento público, lavrado nas notas do tabelião, instrumentaliza nos negócios imobiliários a fase obrigacional, contribuindo para a segurança final que se espera do sistema notarial e registral. O duplo controle, tabelião/registrador, certamente é um dos pontos principais nos quais nos apoiamos para afirmar que o sistema registral imobiliário brasileiro é bastante seguro. Temos, na qualificação notarial e posteriormente na registral, duas fases presididas por profissionais do direito a afastar as possibilidades de nulidade.

Os tabeliães de notas exercem relevantes funções. Frederico Henrique Viegas de Lima afirma com propriedade que “a função notarial deve estar dotada de mecanismos que permitam a prevenção da segurança jurídica privada. Esta atuação ocorre de duas formas: uma através da atuação extradocumental da atividade notarial e outra, propriamente documental. Assim, dentro do enorme feixe de deveres e finalidades da função notarial, ao tabelião cabe, na atividade extradocumental, a função de conselheiro, de promotor do equilíbrio contratual, controlador da legalidade pré-documental e da identidade subjetiva. Já na esfera da atividade documental propriamente dita, a função notarial cria uma forma notarial pública, com efeitos legais, publicísticos e probatórios”. Atua o tabelião de notas preventivamente, evitando litígios com a sua orientação e lavratura dos adequados instrumentos, e também participa da solução de conflitos já instaurados e que admitem composição na via extrajudicial. Apesar da relevância das funções do tabelião de notas, carece a legislação brasileira de uma lei que disponha especificamente sobre as suas funções, assim como há a Lei 6.015/73, que dispõe sobre os registros públicos, e a Lei 9.492/97, que regulamenta os serviços concernentes ao protesto de títulos. As normas que se aplicam exclusivamente ao tabelionato de notas estão esparsas (dentre outras, as da Lei 7.433/85 e o art. 215 do Código Civil – requisitos para a lavratura de escrituras públicas – correspondentes ao art. 46º do Código do Notariado Português).

A relevância da atuação notarial se patenteia nos diversos dispositivos que exigem a escritura pública. Podemos citar, exemplificativamente, hipóteses em que a escritura pública é indispensável: a) para a constituição, transferência, modificação ou renúncia de direitos reais sobre imóveis de valor superior a trinta vezes o maior salário mínimo vigente no País (art.108 do C.C.); b) na lavratura de pactos antenupciais (art.1.653 do C.C. – será nulo se não se observar a forma); c) na cessão de quinhão hereditário (art.1.793 do C.C.); d) na aquisição de imóvel rural por estrangeiro (art.8º e art.15 da Lei 5.709); e) nos atos de interesse de analfabeto (art.215, §2º; art.221 e art.654 do C.C.); f) na lavratura de testamento de cegos (art.1.867 do C.C.); g) na celebração de negócios jurídicos com a cláusula de não valer sem instrumento público (art.109 do C.C.); h) na outorga de mandato quando o ato a ser praticado exige escritura pública – atração de forma (art.657 do C.C.); i) na instituição de bem de família (art.1.711 do C.C.); j) na emancipação (art.5º, parágrafo único, I, do C.C.); l) na constituição de renda (art.807 do C.C.).

O Prof. João Teodoro da Silva, ilustre tabelião da capital mineira, com toda sua capacidade e experiência, dissecou a importância da escritura pública em texto apresentado no III Seminário Luso Brasileiro de Direito Registral Imobiliário, realizado em São Paulo no ano de 2.008. Nada nos resta a acrescentar ao texto referido, cabendo-nos tão somente pedir vênia para transcrever a parte na qual o ilustre professor apresenta de forma didática as vantagens da escritura pública:

“1. Quanto à autoria. O instrumento produzido pelo tabelião de notas é uma das espécies de documento de cunho oficial e, por força da lei, tem presunção de veracidade, ou seja, faz prova não só de sua formação, mas também dos fatos que o tabelião declarar que ocorreram em sua presença (Código de Processo Civil, art. 364). É, pois, verdadeiro enquanto não for decretada, por sentença judicial, a sua falsidade. A escritura pública, especificamente, tem autor declarado, o tabelião, responsável pelo que nela se contém, inclusive pelos erros. (…) 2 – Quanto à fé pública. Se o documento público em geral merece fé por força de lei, o que é produzido por tabelião goza de fé num sentido muito mais amplo. A escritura notarial é dotada de uma fé pública personalizada. (…) 3 – Quanto ao lugar. A escritura pública dá certeza do lugar de sua realização, necessariamente no território de competência do tabelião de notas. (…) 4 – Quanto à data. A escritura pública dá certeza da data de sua realização. Já o instrumento particular pode omitir a data, ser pré-datado ou pós-datado. A lei processual assinala essa precariedade (art. 370 CPC). (…) 5 – Quanto à identidade das pessoas. A escritura pública dá certeza, pela fé de conhecimento do tabelião, de que é a própria e não outra a pessoa que se apresenta. (…) 6 – Quanto à capacidade das pessoas. A escritura pública dá certeza quanto à capacidade jurídica de quem dela participa, por ser inerente à função notarial essa prévia verificação. (…) 7 – Quanto à personalização jurídica da parte. A escritura pública dá certeza quanto à existência legal da parte que é pessoa jurídica. (…) 8 – Quanto à legitimidade da representação. A escritura pública dá certeza de que o representante de uma pessoa natural ou jurídica tem poderes ou atribuições bastantes para a prática do ato, conforme verificação prévia do tabelião. Há certeza da legitimidade do mandato, da identidade e da capacidade do procurador. (…) 9 – Quanto à expressão da vontade.

A escritura pública dá certeza de ter sido outorgada por alguém no domínio de sua vontade, isto é, lúcido, livre de constrangimento ou ameaça. (…) 10 – Quanto ao consentimento. A escritura pública dá certeza de que a pessoa que a tiver assinado o fez conscientemente, porquanto, ao lavrá-la, o tabelião tem o dever de dar esclarecimento às partes sobre o significado e as conseqüências do ato que pretendem praticar. (…) 11 – Quanto ao conteúdo. A escritura pública dá certeza do seu conteúdo imutável e plenamente conhecido do signatário, mediante a obrigatória leitura que este faz ou lhe é feita pelo tabelião. (…) 12 – Quanto à titularidade e à disponibilidade. A escritura pública dá certeza da titularidade dos direitos negociados e da disponibilidade do objeto, uma vez que, para lavrá-la, o tabelião exige a comprovação desses direitos, examinando o título ou os títulos de modo a não deixar dúvida. (…) 13 – Quanto à licitude do objeto. A escritura pública dá certeza de ser lícito o objeto da negociação, porque é de autoria de um técnico que a lavra em conformidade com a lei. (…) 14 – Quanto às obrigações fiscais. A escritura pública dá certeza do cumprimento das obrigações tributárias concernentes ao negócio jurídico realizado, porque o tabelião é fiscal rigoroso na exigência do pagamento dos tributos. (…) 15 – Quanto à redação. A escritura pública dá certeza de estar redigida com técnica adequada, em linguagem clara, concisa e precisa, que não deixa dúvidas. (…) 16 – Quanto à conservação. A escritura pública dá certeza de perenidade, porque o tabelião é zeloso depositário dos livros que a contêm. (…) 17 – Quanto à publicidade. A escritura pública, como sua designação já indica, dá certeza de sua publicidade e de ser acessível, via de regra, em qualquer tempo. (…) 18 – Quanto à orientação das partes. O autor da escritura pública é jurista especializado que orienta as partes com imparcialidade. (…) 19 – Quanto ao custo. Na escritura pública, a remuneração do seu autor é conhecida e fixada em lei. (…) 20 – Quanto à comodidade. Para a escritura pública, o tabelião, via de regra, providencia a documentação necessária. (…) 21 – Quanto ao registro. Se a eficácia do negócio depende do registro da escritura pública, o tabelião pode incumbir-se de promovê-lo. Caso seja obstado o registro por erro, o tabelião providencia a retificação. Tudo sem custos adicionais. (…)”

Diante de tantas vantagens da escritura pública, lavrada por profissional do direito especialista, o que levaria alguém a optar pelo instrumento particular, terreno fértil para fraudes e erros? A escritura pública acederá o registro imobiliário e atingirá os efeitos que dela se esperam, ou seja, terá eficácia, aptidão para produzir efeitos. Quanto ao instrumento particular, muitos percalços podem ser enfrentados pelas partes.

4) A utilização do instrumento particular no Brasil

No trabalho anteriormente referido, elaborado para apresentação no I Foro Internacional Administración Electrónica y Seguridad Jurídica, foi apresentado um retrospecto da utilização do instrumento particular no Brasil, que apresento a seguir:

“A contratação dos negócios por instrumentos particulares no Brasil, não é coisa dos tempos atuais, mas na verdade remonta de vários séculos, como veremos abaixo:

Podemos ver contratação por instrumentos particulares inicialmente nas ordenações Manoelinas, promulgadas em 1.521, e posteriormente também nas Ordenações Filipinas, que vigoraram a partir de 1.603 até a vigência do Código Civil Português de 1.867 e no Brasil até a vigência do Código Civil Brasileiro de 1.916. Em tais ordenações encontramos exemplos de pessoas privilegiadas que poderiam contratar por instrumento particular: entre o pai ou mãe e o filho natural, entre sogro e sogra, genro e nora (enquanto durar o casamento), entre irmãos (germanos ou unilaterais, incluindo os cunhados), entre sobrinho e tio.

Também vemos contratação por instrumento particular na Lei Hipotecária de preferências e leilões de 20 de junho de 1774, aplicada no Brasil até o advento do Decreto 482, de 1846, marco inicial do sistema registral hipotecário brasileiro. Esta lei, oriunda da Reforma Pombalina previa a constituição da hipoteca por instrumento público ou particular, neste caso por pessoas que já possuíam dívidas pessoais anteriores.

O Alvará de 30 de outubro de 1793, da Rainha de Portugal, D. Maria, confirmava o costume no Brasil acerca do valor dos escritos particulares e provas por testemunhas. O Alvará aludia às circunstâncias peculiares da Colônia e apontava a prática comum de se lavrar instrumentos particulares em virtude da distância entre as comarcas, falta de tabeliães e o costume desta praça de se transacionar com os instrumentos particulares.

Na seqüência temos a Lei 840, de 15 de setembro de 1840, que previu a escritura pública apenas para formalização dos negócios sobre bens de raiz cujo valor excedesse a duzentos mil réis (art. 11).

O Decreto 482, de 14 de novembro de 1846 trata de atribuir a um tabelião a direção do Registro Hipotecário e no art. 7º admitia a hipoteca constituída por instrumento particular. O documento era “notarizado”, ou seja, uma via ficava arquivada no Registro Público.

A Lei 1.237, de 24 de setembro de 1864 previa no seu art. 8º, §2º, sobre a transcrição no Registro de Imóveis de instrumentos privados, pelos quais se dava a transmissão de bens imóveis e dos ônus reais.

O Decreto 3.453, de 26 de abril de 1865, art. 54, admitia o titulo particular, que deveria ser apresentado em duplicata para que um dos exemplares ficasse arquivado no registro. Eram admitidos alguns casos de transmissão de bens por instrumento particular.

O Decreto 169-A, de 19 de janeiro de 1890, previa o registro de instrumento particular, para alguns casos de transmissão inter vivos. ( art. 8º)

O Decreto 370, de 2 de maio de 1890, no art. 51 previa o instrumento particular, desde que tivessem firmas reconhecidas e que fosse em duplicata.

O Código Civil Brasileiro de 1916, também previa o instrumento particular nos arts. 771 e 800 (casos de penhor), art. 134, II (“somente é exigida a escritura pública para a transmissão de direitos reais de valor acima de Cr$ 50.000,00″). Era ainda admitido o testamento por instrumento particular (art. 1645).

O Decreto 18.542, de 24 de dezembro de 1928, art. 203, tratava do registro do instrumento particular, e se tal título fosse de permuta deveria ter pelo menos 3 vias.

O Decreto 4.857, de 9 de novembro de 1939, acrescia a possibilidade de registro de escritos particulares assinados, com firma reconhecida, perante duas testemunhas e devidamente selados, nos casos de locação, de penhor agrícola, ou de contratos constitutivos ou translativos de direitos reais sobre imóveis de valor não superior a um conto de réis.

No direito brasileiro atual há diversas hipóteses em que se admite a contratação por documento particular versando sobre direitos reais imobiliários.

A Lei 6.015, de 31 de dezembro de 1973, arts. 194 e 221, admite o registro de título particular, desde que autorizado por lei.

O Código Civil de 2002, arts. 108, 221, 288, 320, 541, 1.334, 1.417, 1.438, 1.448, 2.015 trata da contratação por documentos particulares e que podem ter acesso ao registro.

O Decreto-lei 167 de 14 de fevereiro de 1967, que trata do financiamento rural, o Decreto-lei 413 de 9 de janeiro de 1.969, que trata do financiamento industrial, a Lei 6.313, de 16 de dezembro de 1975, de incentivo a exportação, a Lei 6.840, de 03 de novembro de 1980, que trata do financiamento comercial, e a Lei 8.929, de 22 de agosto de 1994, que trata da Cédula de Produto Rural, destinada a garantir financiamento e venda da produção rural no mercado de futuros, determinam que os financiamentos concedidos por instituições financeiras a pessoa física ou jurídica que se dediquem à estas atividades poderá efetuar-se por meio da cédulas, que são títulos de crédito feitos por documentos particulares e que podem ser garantidos por penhor, alienação fiduciária ou hipoteca.

A Lei n. 8.934, de 18 de novembro de 1994 determina que os atos de constituição e de alteração de sociedades mercantis, desde que certificados pelas juntas comerciais são documentos hábeis para a transferência dos bens com que o subscritor houver contribuído para a formação ou aumento do capital social.

A Lei das Sociedades Anônimas, Lei 6.404, de 15 de dezembro de 1.976, em seu artigo 98, autoriza o instrumento particular, como título hábil para se promover o registro da transmissão da propriedade da empresa, em casos de incorporação, fusão ou cisão.

O Decreto-lei n. 58, de 10 de dezembro de 1937, referente a loteamentos de imóveis não urbanos, prevê o registro de contratos de promessa de compra e venda de lotes e suas cessões, de qualquer valor.

A Lei 6.766, de 1.979, de loteamentos urbanos, prevê os registros de contratos de promessa de compra e venda por instrumentos particulares.

A Lei 4.591, de 1.964, de condomínios e incorporações imobiliárias, autoriza a incorporação de condomínio por instrumentos particulares.

O Decreto 59.566, de 14 de novembro de 1966, que Regulamenta o Estatuto da Terra, em seu art. 73 prevê a possibilidade do contrato agrário ser celebrado por instrumento particular.

A Lei 9.307, de 23 de setembro de 1996, que trata da arbitragem, também autoriza o título particular para acessar ao registro.

A Lei 9.636, de 15 de maio de 1998, determina que os contratos celebrados pela Caixa Econômica Federal, mediante instrumento particular, terão força de escritura pública.

A Lei 10.188, de 12 de fevereiro de 2001, de arrendamento residencial, também autoriza tal contratação por documento particular.

A Lei 10.931, de 02 de agosto de 2004, que dispõe sobre o patrimônio de afetação de incorporações imobiliárias, Letra de Crédito Imobiliário, Cédula de Crédito Imobiliário e Cédula de Crédito Bancário são autorizadas por documentos particulares, inclusive quando tenham hipoteca.

A Lei 10.998, de 2004, que trata do Programa de Subsídio à Habitação de Interesse Social – PSH, autoriza o título particular para tal programa.

O SFH – Sistema Financeiro da Habitação, Lei 5.049, de 1966, alterando o art. 61 da Lei 4.380, de 1964, previu o instrumento particular com força de escritura pública. (…)

O Dec.lei 70, de 21 de novembro de 1966 que trata das Associações de Poupança e Empréstimo, no art. 26 diz que: “Todos os atos previstos neste decreto-lei, poderão ser feitos por instrumento particular” Diz ainda que poderá ser expedida carta de arrematação em procedimento de execução extra judicial, que é título hábil para o registro da propriedade em nome do adquirente/arrematante.

A Lei 9.514, de 20 de novembro de 1.997, que criou o Sistema de Financiamento Imobiliário – SFI e que trata da alienação fiduciária de bem imóvel, em seu artigo art. 38 diz: ‘Os atos e contratos referidos nesta lei ou resultantes da sua aplicação, mesmo aqueles que visem à constituição, transferência, modificação ou renúncia de direitos reais sobre imóveis, poderão ser celebrados por escritura pública ou por instrumento particular com efeitos de escritura pública’. (…)

Conclui-se, portanto, que na legislação brasileira o documento público é a regra e é essencial à validade dos negócios jurídicos que visem à constituição, transferência, modificação ou renúncia de direitos reais sobre imóveis de valor superior a 30 (trinta) vezes o maior salário mínimo vigente no País (art. 108).

Contudo, o documento particular vem sendo utilizado nas hipóteses em que a lei o admite, excepcionalmente, convivendo com o documento público.

O art. 108 admite a utilização do documento particular para transações de valor igual ou inferior a 30 salários mínimos, e outras exceções, aos estabelecer a regra do instrumento público ‘não dispondo a lei em contrário’.

O que ocorre é que as disposições especiais referentes aos documentos particulares se baseiam em razões diversas das que conduziram o legislador de 2.002 a exigir o documento público como regra. São outros o objeto, o espírito e fim das disposições especiais.

Para exemplificar podemos citar a legislação relativa aos parcelamentos do solo (Decreto-lei 58/37 e Lei 6.766), que exige o depósito de um memorial no Registro de Imóveis, do qual consta o contrato-tipo (Dec.-lei 58) ou o exemplar do contrato-padrão de promessa de venda (Lei 6.766), tendo esta enumerado no art. 26 indicações obrigatórias do contrato, visando a proteção do comprador. Qualquer pessoa pode examinar o processo de loteamento e os contratos depositados, livre de emolumentos (art. 24). O contrato-padrão rege as relações entre as partes quando o devedor não cumpre a obrigação (art. 27). Como se vê, há uma proteção à parte teoricamente mais fraca na relação, que se sujeita a um contrato-padrão que passou pela qualificação do registrador, consta de acervo público e que, como contrato de adesão que é, merece interpretação mais favorável ao aderente, nos termos da Lei 8.078 (Código do Consumidor) e dos arts. 423 e 424 do Código Civil.

Por seu turno, a Lei 4.380/64 está impregnada pelo interesse social, visando estimular a construção de habitações de interesse social e o financiamento de aquisição da casa própria, especialmente pelas classes da população de menor renda (art. 1º). As entidades autorizadas a contratar nos termos da lei operam sob fiscalização do Poder Público e aplicam-se, assim como nos parcelamentos, as normas que protegem o consumidor nos contratos de adesão. Ressalte-se, contudo, que na hipótese, em muitos casos, não se tem atingidos os fins de economia de tempo e despesas para o adquirente (previstos no texto legal), em razão dos procedimentos adotados e dos valores cobrados pelas entidades do S.F.H.

Quanto à Lei 9.514/97, que tem por finalidade promover o financiamento imobiliário em geral, aplica-se o que foi dito sobre a Lei 4.380/64.

As exceções contempladas são, portanto e como afirmado, especialíssimas”.

5) Acesso dos instrumentos particulares ao Registro Imobiliário

Ainda invocando o texto apresentado em Madri: “no Brasil o sistema registral imobiliário admite dois tipos de documentos que podem acessar ao fólio real e produzir os seus respectivos efeitos legais: o documento público e o documento particular.

Documento público é o lavrado por servidor público, segundo suas atribuições e com as formalidades legais. Os documentos públicos podem ser emanados dos três entes do poder, Executivo, Legislativo ou Judiciário. Documento particular é o escrito emanado do interessado, ou interessados, sem a intervenção do oficial público.

A lei registral, Lei 6.015 de 31 de dezembro de 1.973, autoriza o registro dos documentos particulares em seu artigo art. 221, II, que determina que são admitidos a registro os ‘escritos particulares, autorizados em lei, assinados pelas partes e testemunhas, com as firmas reconhecidas, dispensado o reconhecimento quando se tratar de atos praticados por entidades vinculadas ao Sistema Financeiro da Habitação’”.

Ponto que merece observação refere-se à interpretação do art. 221, II, da Lei 6.015/73. Diante da redação do art. 221 do Código Civil de 2.002, houve quem defendesse a revogação do inciso II do art. 221 da Lei 6.015/73 quanto à exigência do reconhecimento de firmas. Prevalece amplamente, no entanto, o entendimento da indispensabilidade do reconhecimento das firmas, por se tratar de norma especial. Ademais, a dispensa aumentaria ainda mais a insegurança gerada pelo documento particular.

Note-se, ainda, que o art. 194 da Lei 6.015/73 determina que: “o título de natureza particular apresentado em uma só via será arquivado em cartório, fornecendo o oficial, a pedido, certidão do mesmo”.

O registrador deve qualificar rigorosamente os instrumentos particulares, atento que de seu acesso ao fólio real decorrem importantes efeitos, e que o título não teve a qualificação notarial.

6) A segurança jurídica fortalecida pelo instrumento público

Não obstante se possa afirmar que o instrumento público tem convivido pacificamente com o instrumento particular no Brasil, tal convivência decorre da permissividade imposta pela legislação, ao admitir a contratação por instrumento particular sem avaliar suas consequências. A convivência pacífica, entretanto, não significa que os instrumentos particulares contribuam para a paz social e a segurança jurídica no mesmo patamar que os instrumentos públicos. À evidência não têm como fazê-lo.

A utilização exclusivamente do instrumento público para as contratações relativas a direitos reais sobre imóveis certamente reduziria o número de fraudes e de litígios em juízo.

A conclusão a que se chegou em Lima, dando azo à edição da conclusão mencionada no início deste texto, é indiscutível: a autenticidade dos documentos públicos coadjuva a segurança jurídica dos Registros.

Sérgio Jacomino, digno registrador da capital do Estado de São Paulo, afirma sobre os documentos particulares:

“Como registrador imobiliário na Capital de São Paulo, posso testemunhar o enorme, o continental equívoco que foi a utilização, em larga escala, dos documentos privados para instrumentalizar transações imobiliárias – notadamente a partir da década de 30, com o advento do Decreto-Lei 58, de 1937. (Na verdade, a onda privatista é muito mais antiga. E leva impressivas tintas tropicais. Um Alvará de D. Maria I, em mais um dos seus devaneios, com o príncipe D. João à frente do governo, datado de 30 de outubro de 1793, confirmará o ‘costume do Brazil acerca do valor dos escriptos particulares e provas por testemunhas’). Na circunscrição que delimita as áreas centrais de São Paulo – região que se acha sob minha responsabilidade – a irregularidade imobiliária campeia. Sua ocorrência é simplesmente acachapante. Estamos acostumados a pensar nas iniciativas de regularização fundiária de áreas invadidas e nos esquecemos da irregularidade que se forma tão-só pela péssima contratação privada, que não encontra, em regra, guarida nos Registros Públicos por vícios ou imperfeições materiais ou formais. São promessas de compra-e-venda, cessões, promessas de cessão, numa fieira impressionante, a demandar a adoção da técnica do trato sucessivo abreviado de empréstimo dos espanhóis. O adquirente se vê diante do drama de agitar uma custosa ação de usucapião ou uma ação de obrigação de fazer (adjudicação compulsória) para estabilizar os direitos reais com a respectiva inscrição”.

A experiência vivida na parte central da maior cidade do país deixa claro que a informalidade existente por todo o Brasil advém, em muitos casos, da imperfeição da contratação, e do afastamento do tabelião do momento da lavratura do instrumento. A irregularidade fundiária tem início na contratação mal feita.

Sérgio Jacomino prossegue diagnosticando a patologia jurídica dos contratos privados:

“- São contratos volantes, que não encontram repouso num livro público. Estarão nos lugares mais insólitos. Ou perdidos nalgum escaninho esquecido – justamente quando deles mais necessitamos. Alguns estão em sites protegidos em algum lugar imponderável do cyber-space, prática que se tornou comum depois das violências perpetradas pela Polícia Federal em algumas bancas renomadas.

-São formados na obscuridade e para a opacidade. São como espíritos que muitos crêem não existirem. Atormentam a vida do Fisco e encarnam para obrar a maravilhosa lavanderia invisível dos trópicos.

- São contratos ‘partiais’ – i.e., representam uma das partes, já que se fazem sob a cura de um advogado ou de um simples corretor de imóveis que em regra são patrocinados por uma das partes contratantes. Imagine o interesse da corretagem na concretização do negócio.

- São contratos clandestinos e imperfeitos. São chamados a Juízo quando devem produzir seus efeitos.

- São contratos que acabam criando um pernicioso efeito de tropismo judicial. Chamado a resolver os intrincados problemas deles decorrentes, o Judiciário acaba relevando e socorrendo o contratante e de quebra criando uma jurisprudência leniente com a informalidade, desídia e clandestinidade jurídicas. Vale mais um contrato particular, do que uma hipoteca registrada. Esse fenômeno ocorre nestas plagas e certamente é motivo de escândalo internacional, embora se compreenda o sentido social ínsito.

- O contrato privado é muito mais caro. Não há controle público; os preços não são fixados por Lei. Quando muito, quando lavrados por advogados, os honorários são fixados em tabelas corporativas, onde impera a livre negociação, com fixação de piso que culmina píncaros da tabela notarial. O exemplo da contratação imobiliária assistida por advogados em São Paulo é assaz eloqüente: 2% do valor do imóvel”.

A doutrina estrangeira também nos mostra a importância do instrumento público. A Mestra Mónica Jardim, professora da Faculdade de Direito de Coimbra, Portugal, ao cuidar do movimento em favor da desformalização, assevera:

“Por outro lado, há quem defenda a desformalização como forma de evitar ao cidadão custos elevados. No entanto, se é esse o objetivo, antes de eliminar a exigência de forma, devemos perguntar. a) Pode ser mantida a forma a custos inferiores? b) Se for eliminada a forma, os juristas que passarem a redigir os contratos irão cobrar menos? c) Os custos de um futuro processo judicial não serão bem mais elevados? 3. Por último, há quem pretenda prescindir da forma para, assim, afastar o controle de legalidade efetuado pelo notário. As razões avançadas para recusar o controlo de legalidade efetuado pelo notário têm sido, ao que se sabe, duas. a) Por um lado, afirma-se que tal controle entorpece o desenvolvimento do comércio jurídico. Mas por que será assim? Não se limita o notário a cumprir a lei? É claro que sim. Então o problema é das exigências impostas pela lei, e há que ter coragem de o reconhecer, em vez de continuarmos a afirmar a bondade da lei em abstrato e a recusá-la nos casos em concreto. Mesmo porque, se o controle do notário for eliminado e a lei for mantida, e se os negócios passarem a ser celebrados contra a lei, mais tarde ou mais cedo os particulares verão os seus interesses – contrários à lei – serem postos em causa pelo registrador ou pelo juiz. E, obviamente, não será assim que se assegurará a celeridade do comércio jurídico”.

Prossegue a Mestra para dizer:

“Se a exigência de forma for eliminada, nem por isso o cidadão comum passará, subitamente, a saber redigir contratos. Conseqüentemente, passará a recorrer a outros juristas – solicitadores, advogados, assistentes, professores das faculdades de direito, etc. -, juristas esses que, esperamos, não aceitarão redigir contratos contrários à lei, continuando, assim, o duplo controle da legalidade. A função será mantida, o agente que a desenvolve é que passará a ser outro. Sendo assim, quem pretende a desformalização, caso pretenda que se continuem a redigir negócios conformes à lei, deve assumir que apenas quer mudar o agente. O que colocará a questão de saber por quê. Sobretudo quando se sabe que a função só é verdadeiramente desempenhada por alguém que seja imparcial em face das partes e que não tenha interesse perante um eventual conflito futuro”.

A indagação da Dra. Mónica Jardim ecoa: por que querem mudar o agente? A quem interessa? Com certeza não interessa à sociedade. Os cidadãos não têm qualquer benefício com o instrumento particular, mais caro, menos técnico, parcial, sem a segurança da conservação, sem o amparo da fé pública, instrumento de evasão fiscal e lavagem de dinheiro, mais suscetível a demandas judiciais, enfim, desvantajoso em todos os sentidos com relação à escritura pública.

Este texto, como se verifica, pode ser definido como o resultado de uma pesquisa, já que ao signatário não restou muito mais do que compilar opiniões abalizadas sobre o tema, que analisam com perfeição os pontos propostos, em uma sintonia expressiva entre profissionais com atuação em áreas diversas do direito, um tabelião, Professor João Teodoro, um registrador, Dr. Sérgio Jacomino, e uma professora, Mestra Mónica Jardim.

Por fim, reafirmamos que a conclusão da declaração de Lima está correta, o instrumento público coadjuva a segurança jurídica dos registros; e que os instrumentos particulares, ao acessarem o registro imobiliário exigem uma qualificação mais cautelosa, por todas as vicissitudes apontadas.

Fonte: Eduardo Pacheco Ribeiro de Souza é Tabelião e Registrador – 2º Ofício de Teresópolis-RJ. Trabalho apresentado no 18º Encontro Estadual de Notários e Registradores de Minas Gerais, Belo Horizonte, 20 a 22 de agosto de 2009

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