sábado, 30 de abril de 2011

SABER DIREITO: COMPRAR OU DESISTIR DE IMÓVEIS DE VENDEDORES DEVEDORES?

1. Introdução

No presente artigo serão apresentados alguns problemas polêmicos do compromisso de compra e venda de imóveis. Mais especificamente aqueles voltados a eventuais ônus que recaiam sobre a pessoa do vendedor (ex: ações trabalhistas).

Da mesma forma, pretender-se-á por meio deste esclarecer a força do terceiro de boa-fé comprador em referida relação jurídica, demonstrando-se, inclusive, o porquê de seu privilégio sobre eventuais credores do vendedor.

Tudo para, ao final, dar uma resposta concreta a vendedores e compradores de imóveis sobre a maior e mais verdadeira impossibilidade de realização dum eventual compromisso de compra e venda.

2. Compromisso de compra e venda – linhas gerais

Compromisso de compra e venda é um contrato em que uma das partes, o promitente vendedor, obriga-se a vender um imóvel pelo valor, condições e modos pactuados, de modo a comprometer-se, ainda, a outorgar a escritura de transferência da propriedade imobiliária ao promissário comprador caso este pague o preço ajustado (tendo esse último, desde que cumpridas suas obrigações, direito real sobre o imóvel objeto do contrato).

Importante ressaltar que essa espécie de contrato preliminar também está direcionada a indivíduos que, desejando realizar negócio de compra e venda, não podem (ou não querem) fazê-lo em dado momento por motivos diversos (como, por exemplo, uma impossibilidade fática em razão de dívidas de IPTU e condomínio do imóvel objeto do contrato). Isso é notório quando alguém se vê impedido de realizar uma avença típica, ou quando esta se manifesta inoportuna por oferecer certas condições desfavoráveis ao estipulante.

Entretanto, mesmo que não haja qualquer empecilho, pode-se dizer que o compromisso de compra e venda (contrato preliminar formal e não solene) é, em regra, o mais utilizado pelas partes que avençam negócios de compra e venda de imóveis.

E ao não possuir o contrato de compromisso de compra e venda cláusula de arrependimento [1], tanto o proprietário vendedor quanto o comprador são obrigados a seguir com o negócio jurídico até o seu final, podendo qualquer das partes, em caso de descumprimento da obrigação contratual da outra, realizar notificação para o devido adimplemento em determinado prazo sob as penas da lei (ação de adjudicação compulsória no caso do comprador e recusa justificada de outorga de escritura no caso do vendedor).

3. Questão da adjudicação compulsória

Com relação à possibilidade de adjudicação compulsória do imóvel objeto do referido contrato pela via judicial, hoje é pacífico o entendimento de que basta a promessa sem cláusula de retratabilidade para legitimar a postulação em juízo. É conveniente, contudo, que se ressalte a existência de corrente de entendimento diversa; respaldada em controversa interpretação.

Bem, mas ao menos segundo a esmagadora maioria dos juristas e jurisprudência pacificada, a adjudicação é deferida em reverência à natureza irretratável da convenção; quando o implemento da obrigação prometida pelo devedor não conhece alternativa válida à conclusão do negócio senão a própria transferência do domínio.

Com isso, para que o compromissário comprador possa exercer seu direito de adjudicação judicial do imóvel objeto do compromisso de compra e venda não é necessário que tal contrato esteja registrado no Cartório de Registro de Imóveis. Com razão, haja vista o fato de o referido contrato ser particular e já possuir, por isso, a necessária força coercitiva de cumprimento (até mesmo porque se houvesse a necessidade de tal registro o contrato de compromisso de compra e venda não teria autonomia legal – o que não é o caso).

4. Restrições referentes à pessoa do vendedor

Noutro sentido, no que se refere à pessoa das partes envolvidas no compromisso de compra e venda, pode-se dizer que existe a possibilidade de que alguma delas (notoriamente a do vendedor), por motivos de restrições pessoais (judiciais ou extrajudiciais), inviabilize tal avença.

É o caso, por exemplo, em que a pessoa do vendedor possui ações trabalhistas contra si movidas por empregados domésticos [2] (e desde que exista penhora, em virtude de tais processos, sobre o imóvel objeto do compromisso de compra e venda).

Na verdade, ainda que haja ações trabalhistas oriundas de relações de trabalho residenciais, para que tais possam ser consideradas como fatos impeditivos dum possível compromisso de compra e venda, é necessário que exista (em razão delas) penhora sobre o imóvel objeto do referido contrato. E, mais ainda, que tal penhora esteja registrada na matrícula do imóvel (segundo o disposto no parágrafo quarto do artigo 659 do CPC [3]). Isso para dar conhecimento a terceiros.

No entanto, se faz lúcido ressaltar que para uma penhora não registrada na matrícula do imóvel ser válida em relação a referidos terceiros é preciso que tais estejam de má-fé (ou seja, que tenham conhecimento de tal penhora ainda não registrada no momento da compra). Porém, vale dizer também que, mesmo com a ciência dum terceiro sobre eventual penhora do bem, é muito complicada a prova de tal fato pelo credor trabalhista do devedor vendedor (ora antigo proprietário do imóvel então constrito).

Lembrando, ainda, que a dita presunção relativa (ou quase absoluta) da boa-fé de terceiros (referida indiretamente no artigo citado do CPC) em razão de sua não ciência sobre uma eventual penhora de imóvel por si adquirido já pode ser considerada como uma posição jurisprudencial pacificada [4] e sumulada pelo STJ (Súmula 375 [5]) Com razão, visto que a lei federal aludida é bem clara em seus termos.

Em paralelo, se faz importante registrar, também, que o possível comprador de um imóvel cujo proprietário possua contra si ações trabalhistas de empregados domésticos não poderá ter o imóvel adquirido penhorado (posteriormente à compra) se o tiver (com ou sem registro imobiliário de tal fato) como bem de família. Isso porque, segundo o artigo 1.715 do CC [6], o bem de família, mesmo nesses casos, será considerado impenhorável. O que possivelmente ocorrerá é a perda do bem por força de anulação do compromisso de compra e venda (como se verá adiante).

Ademais, não é de mais lembrar que o adquirente de boa-fé não pode ter outros bens de sua propriedade penhorados (em virtude da impenhorabilidade de seu bem de família) em razão de ações trabalhistas cuja legitimidade passiva seja do antigo proprietário do imóvel por ele adquirido. Isso em razão de tal comprador não possuir relação processual direta com tais ações, sendo, portanto, parte ilegítima delas.

5. Compromisso de compra e venda e a fraude contra credores

Por fim, com relação à fraude contra credores (que pode anular negócios jurídicos), muito importante esclarecer que a ocorrência de tal instituto só pode ser tipificada quando o comprador do bem do devedor estiver de má-fé, e, mais ainda, quando o referido devedor não tiver patrimônio capaz de responder por seus débitos (por força de insolvência).

6. Conclusão

Sendo assim, por todo o exposto nas linhas anteriores, conclui-se que o terceiro de boa-fé, como parte compradora em compromisso de compra e venda em que exista ônus sobre a pessoa do vendedor, está numa condição superior a qualquer credor deste último.

Isso porque tal terceiro comprador não pode arcar, por meio de seu novo patrimônio adquirido legalmente, com débitos não gerados por si. Deveras, tal terceiro não deve possuir o dever jurídico em uma relação da qual não recebeu qualquer beneficio.

No entanto, importante esclarecer que para ser considerado de fato um terceiro de boa-fé, deve o comprador verificar, antes de firmar um compromisso de compra e venda, se a pessoa do(s) vendedor(es) não possui nenhum ônus sobre si naquele momento de realização do negócio jurídico; e, caso existam, se o(s) referido(s) detém patrimônio suficiente para responder aos seus débitos (solvência)

Porém, sem qualquer hipocrisia, é preciso lembrar, também, que mesmo que tal terceiro adquirente saiba do(s) ônus que recaiam sobre a pessoa do(s) vendedor(es), é muito difícil a prova de sua dita má-fé pelo credor (que o era antes da compra e venda) deste(s); prova essa que poderia acarretar na anulação do negócio jurídico.

Bom reiterar, ainda, que a eventual fraude contra credores, caso requerida e provada pelo interessado, gera a anulação (e não nulidade) do negócio jurídico. E qual a importância disso? Enfim, se o credor não pedir a anulação, via judicial, do referido negócio no prazo decadencial de dois anos (ainda que exista penhora registrada em Cartório Imobiliário no caso de bens imóveis), há a convalidação deste. E o que isso significa? Que tal negócio, ainda que realizado com fraude contra credores, não poderá mais ser anulado.

Dessa maneira, devem os credores, por sua vez, estarem sempre atentos aos passos de seus devedores, de modo a evitar que tais se tornem insolventes com a venda de todo o patrimônio que possuem (aproveitando-se, inclusive, de prazos decadenciais para fazer isso). Devem, ainda, em caso de penhora em seu favor sobre bens imóveis de seus devedores, fazer o devido Registro Imobiliário de cada uma a fim de dar conhecimento a terceiros.

Em suma, para encerrar este artigo, importante dizer que, acima das leis, deve estar a dignidade humana da pessoa do vendedor e comprador. Assim, antes de encerrar a possibilidade de um negócio, devem as referidas partes avaliar o seu real interesse nele. No caso do comprador, o quanto o imóvel sob análise lhe causa sentimentos de bem estar; e, no caso do vendedor, o que a venda de um bem de sua propriedade pode lhe trazer em boa troca. Desistir... Nunca tão só por impossibilidade legal objetiva; mas, acima de tudo, por inviabilidade moral subjetiva.

Referências:

[1] . Art. 1.417. Mediante promessa de compra e venda, em que se não pactuou arrependimento, celebrada por instrumento público ou particular, e registrada no Cartório de Registro de Imóveis, adquire o promitente comprador direito real à aquisição do imóvel.

Art. 1.418. O promitente comprador, titular de direito real, pode exigir do promitente vendedor, ou de terceiros, a quem os direitos deste forem cedidos, a outorga da escritura definitiva de compra e venda, conforme o disposto no instrumento preliminar; e, se houver recusa, requerer ao juiz a adjudicação do imóvel.

[2]."Consectariamente, não se confundem os serviçais da residência, com empregados eventuais que trabalham na construção ou reforma do imóvel, sem vínculo empregatício, como o exercido pelo diarista, pedreiro, eletricista, pintor, vale dizer, trabalhadores em geral. A exceção prevista no artigo 3º, I, da Lei 8.009/90, deve ser interpretada restritivamente. Em conseqüência, na exceção legal da penhorabilidade do bem de família não se incluem os débitos previdenciários que o proprietário do imóvel possa ter em relação a estranhos às relações trabalhistas domésticas", afirmou o ministro Fux. Votaram com o ministro Fux, que lavrará o acórdão, os ministros José Delgado, Teori Albino Zavascki e Denise Arruda – Fonte: STJ.

[3]. Art. 659. A penhora deverá incidir em tantos bens quantos bastem para o pagamento do principal atualizado, juros, custas e honorários advocatícios.

§ 4o A penhora de bens imóveis realizar-se-á mediante auto ou termo de penhora, cabendo ao exeqüente, sem prejuízo da imediata intimação do executado (art. 652, § 4o), providenciar, para presunção absoluta de conhecimento por terceiros, a respectiva averbação no ofício imobiliário, mediante a apresentação de certidão de inteiro teor do ato, independentemente de mandado judicial

[4] EXECUÇÃO FISCAL - EMBARGOS DE TERCEIRO - PENHORA - IMÓVEL ALIENADO E NÃO TRANSCRITO NO REGISTRO IMOBILIÁRIO.

1. Jurisprudência da Corte que reconhece a validade de contrato de compra e venda, embora não efetuada a transcrição no registro imobiliário (Súmula 84/STJ).

2. Impossibilidade de penhorar-se imóvel que não mais pertence ao executado.

3. Recurso especial improvido
STJ - RECURSO ESPECIAL: REsp 468718 SC 2002/0123819-2

Relator(a): Ministra ELIANA CALMON Julgamento: 14/04/2003 Órgão Julgador: T2 - SEGUNDA TURMA

Publicação: DJ 19.05.2003 p. 217

PROCESSUAL CIVIL. EXECUÇÃO FISCAL. EMBARGOS DE TERCEIRO. PENHORA EM IMÓVEL. INEXISTÊNCIA DE REGISTRO EM CARTÓRIO. INEXISTÊNCIA DE FRAUDE. TRANSAÇÃO VÁLIDA. SÚMULA Nº 84/STJ. PRECEDENTES.

1. Recurso especial interposto contra acórdão que reconheceu não ter ocorrido fraude à execução, já que à época em que celebrada a venda do imóvel, não havia registro da penhora no cartório imobiliário.

2. O art. 129, § 9º, da Lei nº 6.015/73 dispõe que: "Estão sujeitos a registro, no Registro de Títulos e Documentos, para surtir efeitos em relação a terceiros: § 9º Os instrumentos de cessão de direitos e de créditos, de sub-rogação e de dação em pagamento".

3. Todavia, sobrelevando a questão de fundo sobre a questão da forma, a jurisprudência desta Casa Julgadora, como técnica de realização da justiça, tem imprimido interpretação finalística à Lei de Registros Públicos. Tal característica está assente na Súmula nº 84/STJ: "É admissível a oposição de embargos de terceiro fundados em alegação de posse advinda de compromisso de compra e venda de imóvel, ainda que desprovido do registro".

4. "O CTN nem o CPC, em face da execução, não estabelecem a indisponibilidade de bem alforriado de constrição judicial. A pré-existência de dívida inscrita ou de execução, por si, não constitui ônus 'erga omnes', efeito decorrente da publicidade do registro público. Para a demonstração do 'consilium' 'fraudis' não basta o ajuizamento da ação. A demonstração de má-fé, pressupõe ato de efetiva citação ou de constrição judicial ou de atos repersecutórios vinculados a imóvel, para que as modificações na ordem patrimonial configurem a fraude. Validade da alienação a terceiro que adquiriu o bem sem conhecimento de constrição já que nenhum ônus foi dado à publicidade. Os precedentes desta Corte não consideram fraude de execução a alienação ocorrida antes da citação do executado alienante. (EREsp nº 31321/SP, Rel. Min. Milton Luiz Pereira, DJ de 16/11/1999) 5. Não há que se falar em fraude contra credores se, quando da alienação do bem, não havia registro de penhora. Para tanto, teria que restar nos autos provado que o terceiro adquirente tinha conhecimento da demanda executória, o que não ocorreu no caso em apreço. Precedentes. 6. Recurso especial não-provido
STJ - RECURSO ESPECIAL: REsp 791104 PR 2005/0177424-3

Relator(a): Ministro JOSÉ DELGADO Julgamento: 05/12/2005

[5]. Súmula 375 do STJ:"O reconhecimento da fraude de execução depende do registro da penhora do bem alienado ou da prova de má-fé do terceiro adquirente".

[6]. Art. 1.715. O bem de família é isento de execução por dívidas posteriores à sua instituição, salvo as que provierem de tributos relativos ao prédio, ou de despesas de condomínio.

Fonte:
www.jurisway.org.br
Autor: Thiago M. Martinez,
Advogado consultor. Especialista em Direito Civil / Processual Civil pela Faculdade Autônoma de Direito de São Paulo (FADISP). Pós-Graduando em Direito Civil / Consumidor na Escola Paulista de Direito (EPD)
Justificar

Um comentário:

  1. bom dia marcos! meu nome eh Leandro, gostaria de uma orientação. dei entrada em um imovel e ja estou aguardando mais de quatro meses a liberação da casa.o vendedor e corretor nos prometeram que dentro de algumas semanas apos o pagamento da entrada nois (eu e minha esposa) teriamos a casa, mas ate agora nada! estão alegando que o cartorio ta de ma vontade para liberar o registro do imovel. essa semana desisti de ir a frente na compra desse imovel. estou me sentindo enrrolado nessa estoria. caso eles nao queiram devolver o dinheiro da entrada o que eu faço? gostaria de uma ajuda. meu e mail: enfop120@hotmail.com abraço

    ResponderExcluir