Diante das diversas incertezas presentes nas
relações jurídicas do mundo moderno, é cada vez mais comum a utilização
dos contratos preliminares, na impossibilidade da concretização dos
contratos definitivos. Este contrato particular de natureza acessória
tem como finalidade concluir o contrato principal e este, por sua vez,
visa à concretização da prestação pactuada preliminarmente. O contrato
de promessa de compra e venda de imóveis é uma espécie de contrato
preliminar no qual o promitente vendedor se obriga a outorgar a
escritura definitiva de compra e venda com o promitente comprador, no
tempo, modo e lugar definidos no instrumento preliminar.
A promessa de
compra e venda pode ser formalizada com ou sem cláusula de
arrependimento. Na primeira hipótese, o promitente comprador, após
cumprir todas as exigências pactuadas no contrato tem o direito de
exigir do promitente vendedor a concretização do negócio jurídico
através da lavratura da escritura definitiva e posterior registro no
ofício imobiliário, valendo-se da ação judicial cabível.
Ao receber o contrato de promessa de compra e venda, o oficial de
registro de imóveis deve se ater primeiramente a três fatores básicos e
fundamentais para a validade do negócio jurídico, previstos no artigo
104 do Código Civil: Agente capaz; objeto lícito, possível, determinado
ou determinável; forma prescrita ou não defesa em lei. O agente capaz é o
possuidor de capacidade de fato e capacidade de negociação. O objeto
lícito possível, determinado ou determinável, de acordo com o ilustre
professor Cezar Fiúza é “aquele realizável, tanto materialmente como
substancialmente”, ou seja, que não se vincula a coisas impossíveis como
a venda de um terreno na Lua, por exemplo, ou a coisas ilegais como a
venda de drogas ilícitas e afins. O terceiro requisito para a validade
do negócio jurídico (forma prescrita ou não defesa em lei) é o ponto
central deste artigo, uma vez que incorre em diversas interpretações em
todo o país.
Primeiramente, é necessário se esclarecer que é nulo o negócio
jurídico que não possuir a forma prescrita em lei, de acordo com o
artigo 166, IV do Código Civil. Pois bem, passemos às questões em
debate. De acordo com o artigo 108 do Código Civil: “Não dispondo a lei
em contrário, a escritura pública é essencial à validade dos negócios
jurídicos que visem à constituição, transferência, modificação ou
renúncia de direitos reais sobre imóveis de valor superior a trinta
vezes o salário mínimo vigente no País.” Ao se analisar o artigo 1417 do
referido diploma legal, conclui-se que o promitente comprador, mediante
promessa de compra e venda em que não se pactuou o arrependimento, por
instrumento público ou particular, registrada no Cartório de Registro de
Imóveis, adquire direito real à aquisição do imóvel. Ou seja, o direito
do promitente comprador é um direito real e como tal deveria se
enquadrar na definição do artigo 108 acima explicitada. A maioria dos
oficiais de registro de imóveis entende que o artigo 1417 do Código
Civil tem uma abrangência ampla, podendo ser registrado qualquer
contrato de promessa de compra e venda celebrado através de instrumento
particular, independentemente de seu valor. No meu entendimento e no de
alguns outros autores, o contrato de promessa de compra e venda sem
cláusula de arrependimento somente merece ser registrado sob a forma
particular quando versar sobre negócios com valores inferiores a trinta
salários mínimos, por expressa disposição legal.
Apesar do artigo 462 do
Código Civil prescrever que o contrato preliminar deve conter todos os
requisitos essenciais ao contrato a ser celebrado, exceto quanto à
forma, entendo que a promessa de compra de imóvel é um contrato
preliminar atípico, uma vez que gera direito real de aquisição ao
promitente comprador quando registrado no ofício imobiliário competente e
como tal deve se envolver de uma segurança jurídica maior que os
demais. De acordo com Francisco Amaral : “segurança jurídica significa
paz, a ordem e a estabilidade e consiste na certeza de realização do
direito. Os sistemas jurídicos devem permitir que cada pessoa possa
prever o resultado de seu comportamento, o que ressalta a importância do
aspecto formal das normas jurídicas, a sua forma de expressão. O
direito tem, por isso, como um de seus valores fundamentais, para muitos
o primeiro na sua escala, a segurança, que consiste, precisamente, na
certeza da ordem jurídica e na confiança de sua realização, isto é, no
conhecimento dos direitos e deveres estabelecidos e na certeza de seu
exercício e cumprimento, e ainda na previsibilidade dos efeitos do
comportamento pessoal”. O negócio jurídico deve sempre se cercar da
maior eficácia e presunção de veracidade possível. E nos parece óbvio
que ao passar pelo crivo de um tabelião, ou de qualquer outro agente que
possua competência para a prática de atos notariais, um contrato de
promessa de compra e venda recebe uma espécie de filtragem realizada por
um profissional dotado de notável saber jurídico e de fé-pública, e
como tal reduz de maneira bastante significativa a possibilidade de
fraudes, simulações, dentre outras conseqüências que podem acarretar a
nulidade do ato.
Ademais, o Código Civil de 2002, visando a dar maior
eficácia aos contratos particulares excluiu a necessidade, prevista no
Código de 1916, da assinatura de duas testemunhas para a concretização
do mesmo. Isso tornou ainda maior a possibilidade de adulteração e
falsificação dos referidos instrumentos, deixando os contratantes e o
ofício de registro de imóveis à mercê de uma insegurança enorme e sem
precedentes. A tentativa do legislador de dar maior eficácia e agilidade
aos contratos particulares, acarretou, na verdade, em uma ampliação da
suspeita da não veracidade destes instrumentos.
Diante de todas as explanações acima, concluo que o registro de
instrumentos particulares deve sofrer limitações por parte do oficial de
registro de imóveis. O contrato de promessa de compra e venda é um
contrato preliminar atípico, como já mencionado, e como tal deve estar
amparado, em todos os seus aspectos, pelo principio norteador do sistema
registral imobiliário, o da segurança jurídica. Não há como se falar
que o artigo 1417 do Código Civil possibilita o registro desse contrato
realizado de forma particular, independentemente de seu valor, uma vez
que o direito do promitente comprador é um direito real, de acordo com o
artigo 1225 do mesmo Código, e como direito real que é, deve se
enquadrar, sem nenhum tipo de exceção, na premissa destacada do artigo
108, qual seja, somente negócios jurídicos que visem à constituição,
transferência, modificação ou renúncia de direitos reais sobre imóveis
de valor inferior a trinta vezes o maior salário mínimo vigente no país
podem ser realizados através de instrumentos particulares.
Referências Bibliográficas:
AMARAL, Francisco. Direito Civil: Introdução 5.ed.
Rio de Janeiro: Renovar, 2003 FIUZA, César. Direito Civil: Curso
Completo 6ª edição Belo Horizonte: Del Rey, 2003
CENEVIVA, Walter. Lei dos registros públicos comentada. 15 ed. São Paulo: Saraiva, 2003.
Autor: Henrique Ananias dos Santos Mangualde Bacharel em direito pela PUC-MG, escrevente do 4º Ofício de Registro de Imóveis de Belo Horizonte
Fonte: Âmbito Jurídico
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