quinta-feira, 14 de março de 2013

A RESCISÃO DO CONTRATO DE LOCAÇÃO POR JUSTA CAUSA DO LOCADOR NA HIPÓTESE DE INEXISTÊNCIA DE CONDIÇÕES DE USO REGULAR DO IMÓVEL E A APLICAÇÃO DA INDENIZAÇÃO CIVIL

 
Sumário: I. Introdução; II.  Conceituação do problema; III. A  rescindibilidade contratual ao espelho da lei quando as condições de habitabilidade do imóvel locado inexistem; IV. Conclusão; Referências.
 
I- Introdução:
A legislação brasileira que rege o tema da locação é a lei 8.245/91, com as modificações recentes estabelecidas pela Lei 12112/09. As modificações mais atuais, dado que o diploma legal já possui mais de vinte anos, permitiram uma agilização no procedimento de retomada do imóvel por falha do locatário, quando o mesmo infringe, por alguma razão, o contrato de locação; neste sentido a legislação, inclusive, permite a retomada em sede liminar do imóvel locado.
Paralelamente, como aliás, não poderia deixar de ser, a legislação também acoberta ao locatário quando o imóvel não reúne as condições necessárias ao uso estabelecido no contrato de locação. Exatamente este é o tema deste artigo.
 
II- Conceituação do problema:
A locação é modalidade de negócio jurídico em que um bem é posto a disposição daquele que o pretende adquirir sua posse, sem que pretenda adquirir a propriedade do mesmo. Por diversas razões o negócio se torna interessante, a uma porque não imobiliza capital, a duas porque exige menor volume de investimento; por outro lado, para a óptica daquele que dá em locação, o bem, desta forma, se transforma em gerador de renda, ao passo que se torna uma interessante opção à venda do mesmo.

Para que o negócio que, como vimos, é bilateral e oneroso, se empreenda, do locador é necessário que o bem locado exiba condições de uso adequadas à função a que se presta, conforme os ditames do artigo 22 da lei de regência, e do locatário, que o mesmo possua condições de pagar pela disposição do bem, o locativo mensal, além de que o mesmo deva devolver o bem locado ao fim do contrato, em igual condição à que o tomou, excetuadas, é claro, as degradações normais que o bem venha a ter, tudo conforme o artigo 23 da lei 8.245/91.

Quando o bem dado em locação é um imóvel, seja ele para uso residencial ou comercial, as condições de uso dizem-se condições de habitabilidade e guardam relação com a possibilidade que o mesmo detenha, de vir a ser usado pelo locatário, para os fins que o contrato consagra; assim, se residencial, deve permitir a condição de vida salubre daquele que o loca e se comercial, as condições necessária ao empreendimento que lá se pretende alojar.

Não raro, quando as condições imediatas de uso não são as adequadas se concede carência lastreada às reformas que lá deverão ser empreendidas para que o imóvel assuma as condições de uso desejadas e necessárias ao fim a que se destina; nestas condições, o locador protela o recebimento dos locativos e o locatário protela o pagamento dos locativos em face de que os emprega na realização das benfeitorias necessárias que o imóvel requer.
 
III- A  rescindibilidade contratual ao espelho da lei quando as condições de habitabilidade do imóvel locado inexistem;
Muita vezes, contudo, o bem dado em locação não possui condições que permitam ao seu usuário plena utilização do mesmo, ou porque faltam-lhe benfeitorias necessárias, ou porque reúne vícios oriundos de seu uso primitivo ou de uma construção deficiente e/ou irregular.

Quando o imóvel possui vícios que impedem as condições de habitabilidade a situação se complica um pouco, pois aqui, passa a viger a teoria da culpa, senão vejamos:

O artigo 22º da Lei 8.245/91, trata exatamente dos deveres do locador, encabeçando a lista pelas condições de habitabilidade, vejamos:
Art. 22. O locador é obrigado a:
I - entregar ao locatário o imóvel alugado em estado de servir ao uso a que se destina;
II - garantir, durante o tempo da locação, o uso pacífico do imóvel locado;
III - manter, durante a locação, a forma e o destino do imóvel;
IV - responder pelos vícios ou defeitos anteriores à locação;
V - fornecer ao locatário, caso este solicite, descrição minuciosa do estado do imóvel, quando de sua entrega, com expressa referência aos eventuais defeitos existentes;
VI - fornecer ao locatário recibo discriminado das importâncias por este pagas, vedada a quitação genérica;
VII - pagar as taxas de administração imobiliária, se houver, e de intermediações, nestas compreendidas as despesas necessárias à aferição da idoneidade do pretendente ou de seu fiador;
VIII - pagar os impostos e taxas, e ainda o prêmio de seguro complementar contra fogo, que incidam ou venham a incidir sobre o imóvel, salvo disposição expressa em contrário no contrato;
IX - exibir ao locatário, quando solicitado, os comprovantes relativos às parcelas que estejam sendo exigidas;
X - pagar as despesas extraordinárias de condomínio.
Parágrafo único. Por despesas extraordinárias de condomínio se entendem aquelas que não se refiram aos gastos rotineiros de manutenção do edifício, especialmente:
a) obras de reformas ou acréscimos que interessem à estrutura integral do imóvel;
b) pintura das fachadas, empenas, poços de aeração e iluminação, bem como das esquadrias externas;
c) obras destinadas a repor as condições de habitabilidade do edifício;
d) indenizações trabalhistas e previdenciárias pela dispensa de empregados, ocorridas em data anterior ao início da locação;
e) instalação de equipamento de segurança e de incêndio, de telefonia, de intercomunicação, de esporte e de lazer;
f) despesas de decoração e paisagismo nas partes de uso comum;
g) constituição de fundo de reserva.”

Ocorre que ao proceder em desacordo com seus deveres neste artigo dispostos, o locador dá causa à infração contratual que, ao espelho do artigo 9º da mesma lei, permite a rescindibilidade do contrato, conforme bem exposto no inciso II que prevê que em decorrência da prática de infração legal ou contratual o mesmo sofra rescisão.

Mais ainda há acerca deste tema, pois quando a inexistência das condições de habitabilidade reclamam reparos, supondo vícios que de boa fé tenham ocorrido, em que pese a obrigatoriedade consignada ao locatário de as deixar executar, quando as mesmas oneram seu bem estar, se as mesmas se tardarem mais de dez dias, caberá ao  locador indenizar ao locatário no abatimento proporcional deste período em seus locativos, ao passo que quando a mesmas demandem mais de trinta dias, cabe a este a possibilidade de resilir o contrato, conforme dispõe a lei em seu artigo 26.

Ora de franco entendimento o fato de que quando as condições de habitabilidade do imóvel, requisito da obrigação legal do locador não são viáveis, a locação pode ser rescindida a todo tempo por infração contratual sendo e, em nosso entendimento, quando os vícios foram ocultados do locatário em manifesta má-fé contratual, também de se supor que a aplicação do artigo 186 do Código Civil, venha ser aplicada ao caso.

Isto se dá porque a descoberta destes vícios que foram previamente ocultados, durante o transcurso da locação, no decorrer do contrato portanto, apesar da possibilidade de ensejar a justa causa na resilição contratual, justa causa esta que é plenamente reconhecida pela jurisprudência como veremos abaixo, pondo fim à relação e desobrigando as partes da primitiva obrigação assumida, de toda forma, causa prejuízo ao locador que investiu, invariavelmente tempo e dinheiro naquela locação e os terá perdido por culpa ou por dolo de outrem que no caso é sua contraparte no contrato.

O artigo 186 do Código Civil vigente consigna que “Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito.” Aqui evidente está que a norma não só permite a responsabilização por dolo, como o permite quando haja culpa, conforme se depreende da segunda parte do artigo.

O entendimento jurisprudencial corrobora esta tese, vejamos:

“AÇÃO DE REPARAÇÃO DE DANOS MATERIAIS E MORAIS. LOCAÇÃO DE IMÓVEL. Responsabilidade do locador pela manutenção de condições seguras da habitação, nos termos do artigo 22 e seus incisos da Lei de Locação. Acidente em decorrência  de má conservação, com consequências graves ao locatário, implica em caracterização de lesão anímica com repercussão no campo indenitário extrapatrimonial. Valor fixado que deve ser reduzido ante as circunstâncias do acidente. Valor da
pensão mensal deve ser mantido em virtude da extensão da lesão e dos ganhos do autor. Litigância de má-fé não configurada. Recurso parcialmente provido.”[1]

“EMENTA: Locação - Indenização - Reformas no imóvel locado durante o contrato de locação que inviabilizaram a permanência da locatária – Infração aos artigos 9°, II e 22, II da Lei 8245/91 - Indenização por danos materiais e morais experimentados pela autora - Cabimento - Danos materiais parcialmente demonstrados – Danos morais - Indenização bem fixada, de acordo com as circunstâncias fáticas, da autora e da ré – Assistência judiciária - Miserabilidade processual não derruída - Deferimento do benefício à ré – Sentença parcialmente reformada Improvimento do apelo da autora e parcial provimento do apelo da ré.”[2]

Ainda:

“LOCAÇÃO DE IMÓVEIS RESCISÃO CONTRATUAL C. C. INDENIZAÇÃO POR PERDAS E DANOS PROVIMENTO PARCIAL DA AÇÃO SENTENÇA MANTIDA POR SEUS FUNDAMENTOS ART. 252 DO RITJ/SP RECURSOS NÃO PROVIDOS, COM OBSERVAÇÃO. Não trazendo os réus fundamentos suficientes a modificar a sentença de primeiro grau que reconheceu a procedência parcial da ação, rescindindo o contrato de locação, ante a ausência de condições de uso do imóvel, de rigor a manutenção integral da sentença, cujos fundamentos se adotam como razão de decidir na forma do art. 252 do Regimento Interno deste Tribunal, com a ressalva da gratuidade judicial concedida ao locador.”[3]

Ora, se torna evidente que o recurso que, aquele que se propõe a manter o negócio de locação, vivendo dele, muita vez emprega, de manter o bem locado em precárias condições por economia, pode e deve ser punido como um negócio irregular, pois sendo a locação um negócio jurídico pelo qual se pretende obter lucro, necessário se faz que aquele que a ela se dedica tenha claro que como qualquer negócio, demanda investimentos para se manter como tal, doutra forma tutelaríamos incontinenti o enriquecimento sem causa de um contratante em face do outro.
 
IV- Conclusão:
Com base no que pudemos expor, podemos entender que há a possibilidade clara de se impor a resilição contratual, no contrato de locação, por parte do locatário, quando o locador infringe as condições do contrato e da lei, no momento em que o imóvel, por culpa de seu proprietário, locador, não mais reúne as necessárias e pressupostas condições de habitabilidade, sendo, ainda viável se pleitear a indenização civil nos termos do artigo 186 da Lei Material, quando por dolo (má-fé objetiva) ou culpa (em senso lato) o locador, neste ensejo, dá causa à rescisão do contrato e ocasiona prejuízo ao locatário.
 
Referências
 
Notas:
[1] TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO Apelação nº 0143322-37.2007.8.26.0001 2
APEL. (C/ REVISÃO) Nº 0143322-37.2007.8.26.0001
COMARCA: SÃO PAULO (FR DE SANTANA - 7ª VC) APTE: ANTONIO VITOR DE LIMA
APDO: LUCIO ANGELIS JD
1º GRAU: MARCUS VINÍCIUS RIOS GONÇALVES VOTO Nº 7.655
[2] TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO APELAÇÃO COM REVISÃO N° 0276248-77.2010.8.26.0000 SEÇÃO DE DIREITO PRIVADO - 26a CÂMARA
APELANTES: MARIA LAIDE PITELI RITA DE CÁSSIA NICOLAU
APELADAS: AS MESMAS
COMARCA: ARARAQUARA
[3] TRIBUNAL DE JUSTIÇA DE SÃO PAULO Seção de Direito Privado 31ª CÂMARA Apelação nº 0003658-93.2004.8.26.0292 Voto nº 19.578 2 Apelação Com Revisão Nº 0003658-93.2004.8.26.0292
Apelantes : J F IMÓVEIS LTDA. MILTON LAURINO
Apelada : TANIA BARBOSA
Comarca : Jacareí 3ª Vara Cível
Juiz(a) : Otavio Tioiti Tokuda V O T O N.º 19.578
 
Autor: Lino Elias de Pina Advogado militante em direito empresarial e tributário
Fonte: Revista Âmbito Jurídico

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