Sumário: I. Introdução; II. Conceituação do problema; III. A
rescindibilidade contratual ao espelho da lei quando as condições de
habitabilidade do imóvel locado inexistem; IV. Conclusão; Referências.
I- Introdução:
A legislação brasileira que rege o tema da locação é a lei 8.245/91,
com as modificações recentes estabelecidas pela Lei 12112/09. As
modificações mais atuais, dado que o diploma legal já possui mais de
vinte anos, permitiram uma agilização no procedimento de retomada do
imóvel por falha do locatário, quando o mesmo infringe, por alguma
razão, o contrato de locação; neste sentido a legislação, inclusive,
permite a retomada em sede liminar do imóvel locado.
Paralelamente, como aliás, não poderia deixar de ser, a legislação
também acoberta ao locatário quando o imóvel não reúne as condições
necessárias ao uso estabelecido no contrato de locação. Exatamente este é
o tema deste artigo.
II- Conceituação do problema:
A locação é modalidade de negócio jurídico em que um bem é posto a
disposição daquele que o pretende adquirir sua posse, sem que pretenda
adquirir a propriedade do mesmo. Por diversas razões o negócio se torna
interessante, a uma porque não imobiliza capital, a duas porque exige
menor volume de investimento; por outro lado, para a óptica daquele que
dá em locação, o bem, desta forma, se transforma em gerador de renda, ao
passo que se torna uma interessante opção à venda do mesmo.
Para que o negócio que, como vimos, é bilateral e oneroso, se
empreenda, do locador é necessário que o bem locado exiba condições de
uso adequadas à função a que se presta, conforme os ditames do artigo 22
da lei de regência, e do locatário, que o mesmo possua condições de
pagar pela disposição do bem, o locativo mensal, além de que o mesmo
deva devolver o bem locado ao fim do contrato, em igual condição à que o
tomou, excetuadas, é claro, as degradações normais que o bem venha a
ter, tudo conforme o artigo 23 da lei 8.245/91.
Quando o bem dado em locação é um imóvel, seja ele para uso
residencial ou comercial, as condições de uso dizem-se condições de
habitabilidade e guardam relação com a possibilidade que o mesmo
detenha, de vir a ser usado pelo locatário, para os fins que o contrato
consagra; assim, se residencial, deve permitir a condição de vida
salubre daquele que o loca e se comercial, as condições necessária ao
empreendimento que lá se pretende alojar.
Não raro, quando as condições imediatas de uso não são as adequadas se
concede carência lastreada às reformas que lá deverão ser empreendidas
para que o imóvel assuma as condições de uso desejadas e necessárias ao
fim a que se destina; nestas condições, o locador protela o recebimento
dos locativos e o locatário protela o pagamento dos locativos em face de
que os emprega na realização das benfeitorias necessárias que o imóvel
requer.
III- A rescindibilidade contratual ao espelho da lei quando as condições de habitabilidade do imóvel locado inexistem;
Muita vezes, contudo, o bem dado em locação não possui condições que
permitam ao seu usuário plena utilização do mesmo, ou porque faltam-lhe
benfeitorias necessárias, ou porque reúne vícios oriundos de seu uso
primitivo ou de uma construção deficiente e/ou irregular.
Quando o imóvel possui vícios que impedem as condições de
habitabilidade a situação se complica um pouco, pois aqui, passa a viger
a teoria da culpa, senão vejamos:
O artigo 22º da Lei 8.245/91, trata exatamente dos deveres do locador,
encabeçando a lista pelas condições de habitabilidade, vejamos:
“Art. 22. O locador é obrigado a:
I - entregar ao locatário o imóvel alugado em estado de servir ao uso a que se destina;
II - garantir, durante o tempo da locação, o uso pacífico do imóvel locado;
III - manter, durante a locação, a forma e o destino do imóvel;
IV - responder pelos vícios ou defeitos anteriores à locação;
V - fornecer ao locatário, caso este solicite, descrição minuciosa
do estado do imóvel, quando de sua entrega, com expressa referência aos
eventuais defeitos existentes;
VI - fornecer ao locatário recibo discriminado das importâncias por este pagas, vedada a quitação genérica;
VII - pagar as taxas de administração imobiliária, se houver, e de
intermediações, nestas compreendidas as despesas necessárias à aferição
da idoneidade do pretendente ou de seu fiador;
VIII - pagar os impostos e taxas, e ainda o prêmio de seguro
complementar contra fogo, que incidam ou venham a incidir sobre o
imóvel, salvo disposição expressa em contrário no contrato;
IX - exibir ao locatário, quando solicitado, os comprovantes relativos às parcelas que estejam sendo exigidas;
X - pagar as despesas extraordinárias de condomínio.
Parágrafo único. Por despesas extraordinárias de condomínio se
entendem aquelas que não se refiram aos gastos rotineiros de manutenção
do edifício, especialmente:
a) obras de reformas ou acréscimos que interessem à estrutura integral do imóvel;
b) pintura das fachadas, empenas, poços de aeração e iluminação, bem como das esquadrias externas;
c) obras destinadas a repor as condições de habitabilidade do edifício;
d) indenizações trabalhistas e previdenciárias pela dispensa de empregados, ocorridas em data anterior ao início da locação;
e) instalação de equipamento de segurança e de incêndio, de telefonia, de intercomunicação, de esporte e de lazer;
f) despesas de decoração e paisagismo nas partes de uso comum;
g) constituição de fundo de reserva.”
Ocorre que ao proceder em desacordo com seus deveres neste artigo
dispostos, o locador dá causa à infração contratual que, ao espelho do
artigo 9º da mesma lei, permite a rescindibilidade do contrato, conforme
bem exposto no inciso II que prevê que em decorrência da prática de
infração legal ou contratual o mesmo sofra rescisão.
Mais ainda há acerca deste tema, pois quando a inexistência das
condições de habitabilidade reclamam reparos, supondo vícios que de boa
fé tenham ocorrido, em que pese a obrigatoriedade consignada ao
locatário de as deixar executar, quando as mesmas oneram seu bem estar,
se as mesmas se tardarem mais de dez dias, caberá ao locador indenizar
ao locatário no abatimento proporcional deste período em seus locativos,
ao passo que quando a mesmas demandem mais de trinta dias, cabe a este a
possibilidade de resilir o contrato, conforme dispõe a lei em seu
artigo 26.
Ora de franco entendimento o fato de que quando as condições de
habitabilidade do imóvel, requisito da obrigação legal do locador não
são viáveis, a locação pode ser rescindida a todo tempo por infração
contratual sendo e, em nosso entendimento, quando os vícios foram
ocultados do locatário em manifesta má-fé contratual, também de se supor
que a aplicação do artigo 186 do Código Civil, venha ser aplicada ao
caso.
Isto se dá porque a descoberta destes vícios que foram previamente
ocultados, durante o transcurso da locação, no decorrer do contrato
portanto, apesar da possibilidade de ensejar a justa causa na resilição
contratual, justa causa esta que é plenamente reconhecida pela
jurisprudência como veremos abaixo, pondo fim à relação e desobrigando
as partes da primitiva obrigação assumida, de toda forma, causa prejuízo
ao locador que investiu, invariavelmente tempo e dinheiro naquela
locação e os terá perdido por culpa ou por dolo de outrem que no caso é
sua contraparte no contrato.
O artigo 186 do Código Civil vigente consigna que “Aquele que, por
ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e
causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato
ilícito.” Aqui evidente está que a norma não só permite a
responsabilização por dolo, como o permite quando haja culpa, conforme
se depreende da segunda parte do artigo.
O entendimento jurisprudencial corrobora esta tese, vejamos:
“AÇÃO DE REPARAÇÃO DE DANOS MATERIAIS E MORAIS. LOCAÇÃO DE IMÓVEL.
Responsabilidade do locador pela manutenção de condições seguras da
habitação, nos termos do artigo 22 e seus incisos da Lei de Locação.
Acidente em decorrência de má conservação, com consequências graves ao
locatário, implica em caracterização de lesão anímica com repercussão no
campo indenitário extrapatrimonial. Valor fixado que deve ser reduzido
ante as circunstâncias do acidente. Valor da
pensão mensal deve ser mantido em virtude da extensão da lesão e dos
ganhos do autor. Litigância de má-fé não configurada. Recurso
parcialmente provido.”[1]
“EMENTA: Locação - Indenização - Reformas no imóvel locado durante o
contrato de locação que inviabilizaram a permanência da locatária –
Infração aos artigos 9°, II e 22, II da Lei 8245/91 - Indenização por
danos materiais e morais experimentados pela autora - Cabimento - Danos
materiais parcialmente demonstrados – Danos morais - Indenização bem
fixada, de acordo com as circunstâncias fáticas, da autora e da ré –
Assistência judiciária - Miserabilidade processual não derruída -
Deferimento do benefício à ré – Sentença parcialmente reformada
Improvimento do apelo da autora e parcial provimento do apelo da ré.”[2]
Ainda:
“LOCAÇÃO DE IMÓVEIS RESCISÃO CONTRATUAL C. C. INDENIZAÇÃO POR PERDAS E
DANOS PROVIMENTO PARCIAL DA AÇÃO SENTENÇA MANTIDA POR SEUS FUNDAMENTOS
ART. 252 DO RITJ/SP RECURSOS NÃO PROVIDOS, COM OBSERVAÇÃO. Não trazendo
os réus fundamentos suficientes a modificar a sentença de primeiro grau
que reconheceu a procedência parcial da ação, rescindindo o contrato de
locação, ante a ausência de condições de uso do imóvel, de rigor a
manutenção integral da sentença, cujos fundamentos se adotam como razão
de decidir na forma do art. 252 do Regimento Interno deste Tribunal, com
a ressalva da gratuidade judicial concedida ao locador.”[3]
Ora, se torna evidente que o recurso que, aquele que se propõe a
manter o negócio de locação, vivendo dele, muita vez emprega, de manter o
bem locado em precárias condições por economia, pode e deve ser punido
como um negócio irregular, pois sendo a locação um negócio jurídico pelo
qual se pretende obter lucro, necessário se faz que aquele que a ela se
dedica tenha claro que como qualquer negócio, demanda investimentos
para se manter como tal, doutra forma tutelaríamos incontinenti o
enriquecimento sem causa de um contratante em face do outro.
IV- Conclusão:
Com base no que pudemos expor, podemos entender que há a possibilidade
clara de se impor a resilição contratual, no contrato de locação, por
parte do locatário, quando o locador infringe as condições do contrato e
da lei, no momento em que o imóvel, por culpa de seu proprietário,
locador, não mais reúne as necessárias e pressupostas condições de
habitabilidade, sendo, ainda viável se pleitear a indenização civil nos
termos do artigo 186 da Lei Material, quando por dolo (má-fé objetiva)
ou culpa (em senso lato) o locador, neste ensejo, dá causa à rescisão do
contrato e ocasiona prejuízo ao locatário.
Referências
< http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/L10406compilada.htm>, acesso em 28/10/2012.
< http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L8245compilado.htm>, acesso em 28/10/2012.
<https://esaj.tjsp.jus.br/cjsg/resultadoCompleta.do;jsessionid=7EE883D72D9CB8C93EAC89D8F094037E>, acesso em 28/10/2012.
<https://esaj.tjsp.jus.br/cjsg/resultadoCompleta.do;jsessionid=7EE883D72D9CB8C93EAC89D8F094037E>, acesso em 28/10/2012.
<https://esaj.tjsp.jus.br/cjsg/resultadoCompleta.do>, acesso em 28/10/2012.
Notas:
[1] TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO Apelação nº 0143322-37.2007.8.26.0001 2
APEL. (C/ REVISÃO) Nº 0143322-37.2007.8.26.0001
COMARCA: SÃO PAULO (FR DE SANTANA - 7ª VC) APTE: ANTONIO VITOR DE LIMA
APDO: LUCIO ANGELIS JD
1º GRAU: MARCUS VINÍCIUS RIOS GONÇALVES VOTO Nº 7.655
[2] TRIBUNAL
DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO APELAÇÃO COM REVISÃO N°
0276248-77.2010.8.26.0000 SEÇÃO DE DIREITO PRIVADO - 26a CÂMARA
APELANTES: MARIA LAIDE PITELI RITA DE CÁSSIA NICOLAU
APELADAS: AS MESMAS
COMARCA: ARARAQUARA
[3] TRIBUNAL DE JUSTIÇA DE SÃO PAULO Seção de Direito Privado 31ª CÂMARA Apelação nº 0003658-93.2004.8.26.0292 Voto nº 19.578 2 Apelação Com Revisão Nº 0003658-93.2004.8.26.0292
Apelantes : J F IMÓVEIS LTDA. MILTON LAURINO
Apelada : TANIA BARBOSA
Comarca : Jacareí 3ª Vara Cível
Juiz(a) : Otavio Tioiti Tokuda V O T O N.º 19.578
Autor: Lino Elias de Pina
Advogado militante em direito empresarial e tributário
Fonte: Revista Âmbito Jurídico
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