O
setor de real estate brasileiro inaugura uma fase mais madura de
relacionamento com o mercado a partir das aberturas de capital ocorridas
majoritariamente entre 2006 e 2007. Entraram na Bovespa 23 empresas
dedicadas ao desenvolvimento de empreendimentos imobiliários
residenciais e nove empresas que exploram imóveis que produzem renda
derivada da locação dos espaços que abrigam certas atividades
econômicas, principalmente edifícios de escritórios, shopping centers,
galpões industriais e de logística.
Após
um período de aquisições, incorporações, fusões e fechamento de
capital, hoje existem 16 empresas de capital aberto com foco de atuação
no mercado residencial, algumas especializadas em produzir e vender
habitações para estratos de renda mais baixos. Das nove empresas de
capital aberto dedicadas ao segmento de empreendimentos de base
imobiliária, seis delas atuam quase que exclusivamente no setor de
shopping centers, ainda que hajam manifestações da possibilidade de no
futuro promoverem uma maior diversificação de seus investimentos.
Algumas
empresas do mercado residencial também mantém linhas de atuação nos
segmentos de shopping centers e de edifícios comerciais. Contudo, para a
análise que se pretende nesta Carta, vamos considerar o desempenho das
empresas à luz dos segmentos que absorvem a maior alocação de seus
recursos financeiros.
No
gráfico 1 que segue está evidente que a partir do último trimestre de
2010 os preços médios transacionadas na Bovespa apresentam um forte
descolamento entre as ações das empresas residenciais (em vermelho e em
roxo no gráfico) e as empresas de imóveis para renda (em azul no
gráfico).
Este
comportamento está capturado e sintetizado nos três sub-índices que
compõem o índice IRE (curva preta do gráfico), mensalmente publicado
pelo NRE-POLI, o IREBI, desenhado para as empresas dos empreendimentos
de base imobiliária, o IRER50+, que reflete o comportamento dos preços
das large caps do mercado residencial, as que juntas detém mais de 50%
do volume de transações no segmento, e o IRE-R50-, que contempla as
demais residenciais remanescentes. O comportamento do Ibovespa está
marcado pela curva em azul claro no gráfico.
As
empresas que mais compuseram o IRE-R50+ foram Cyrela, PDG, Gafisa e
MRV. Antes dos IPOs da PDG e da MRV, a ROSSI compunha o IRE-R50+ com
grande frequência.
No
final do ano de 2012 as 16 empresas de real estate residencial de
capital aberto alcançavam um valor de mercado (VM) de cerca de R$ 40
bilhões e um patrimônio líquido (PL) de aproximadamente R$ 35 bilhões, o
que resulta para o conjunto uma relação (VM/PL) de 1,15, sendo que nove
delas estão sendo avaliadas pelo mercado em patamares inferiores aos
respectivos patrimônios líquidos.
Avaliações
de empresa de real estate inferiores ao seu Patrimônio Líquido devem
significar descrédito das operações em curso e baixa confiança na
formulação das estratégias para o desenvolvimento de novos negócios.
De
outro lado, valuation de empresas do setor de real estate muito
favoravelmente descolados em relação aos PLs seguramente denotam
satisfação com os resultados dos negócios correntes e uma grande
confiança nas expectativas de geração de resultados futuros decorrentes
dos novos negócios em planejamento.
As
nove empresas dedicadas aos empreendimentos para geração de renda
atingiram ao final de 2012 um valor de mercado de R$ 45 bilhões, para
uma patrimônio líquido conjunto que totalizou quase R$ 28 bilhões,
perfazendo uma relação VM/PL de 1,64, bem mais expressiva do que a
verificada no mercado residencial. As empresas melhor avaliadas neste
segmento alcançam valores até três vezes superiores ao seu patrimônio
líquido.
Por
que, segundo a opinião prevalente no mercado, as empresas que exploram
empreendimentos de base imobiliária apresentaram desempenho superior, e
portanto vem sendo recorrentemente melhor avaliadas que as de real
estate residencial? Este é um traço estrutural ou a conjuntura de
mercado no Brasil dos últimos anos foi o que preponderou no descolamento
entre os resultados dos dois tipos de empresas? Este descolamento vai
perdurar ou pode se esperar algumas mudanças de cenário que alinhe ou
inverta as expectativas do mercado em relação aos dois segmentos?
Devido
à limitação de espaço desta Carta, não vamos penetrar no balanço de
cada empresa com o propósito de reconhecer diretamente como a publicação
dos resultados trimestrais impactou nos preços e volumes transacionados
na Bovespa, até mesmo porque daí poderiam surgir vieses, visto que o
ciclo de geração de resultados dos negócios de real estate residencial
extrapola este curto horizonte de três meses.
É
fato que para as empresas de exploração de imóveis esta leitura
enviesada é mais mitigada porque as flutuações de resultados de um
trimestre para outro são mais contidas. Os analistas fazem melhores
leituras das expectativas e do desempenho deste tipo de empresa com base
nos balanços trimestrais, sem grandes vieses.
Analisaremos
a percepção do mercado via comportamento dos índices admitindo que no
longo prazo a geração de resultados pelas empresas reflete adequadamente
a sua precificação, ainda que consideremos que em momentos de euforia
ou depressão mais acentuada tal avaliação do mercado poderá conter forte
viés especulativo.
Percebem-se
claramente no gráfico, ciclos de expansão, depressão, recuperação e
estabilização dos preços dos papéis das empresas do setor. Na Carta
número 30-12 do NRE, o Prof. Rocha-Lima analisa estas flutuações de
mercado sob uma perspectiva mais centrada nas questões estruturais e de
gestão das empresas. Aqui procurarei complementar fazendo uma leitura
voltada para os aspectos da conjuntura setorial e macroeconômica.
-
Primeira fase dos ciclos (2º trimestre de 2006 ao 3º trimestre de 2007) –
A economia brasileira acelera forte apresentando médias de 5% ao ano
para as taxas de expansão do produto nos trimestres compreendidos no
ciclo. Não se verificam grandes pressões inflacionárias; a despeito da
aceleração, IGP-m e IPCA mantêm-se em patamares estáveis. De outro lado,
nota-se uma leve trajetória de queda dos juros interbancários do início
para o fim o período. No ambiente setorial a euforia se dissemina entre
os agentes, várias empresas (residenciais e de exploração de
empreendimentos) realizam bem sucedidas estreias na Bovespa, contando
com expressiva participação de capitais estrangeiros. A expansão do
crédito imobiliário para as empresas e compradores alcança taxas de dois
dígitos ao ano. As empresas formulam planos ambiciosos de expansão.
Como resultado desta percepção intensamente favorável ao setor, o IRE
pula de um valor inicial de 100 para 131,17 pontos, tendo alcançado um
pico de 143,44 em junho de 2007.
- Segunda fase dos ciclos (4º trimestre de 2007 ao 2º trimestre de
2008) – Nesta fase, após uma leve alta, os índices do setor de real
estate interrompem o gradiente de crescimento que se verificou desde os
principais IPOs. Neste período o IRE perde valor e chega em junho de
2008 no nível 120,58 pontos. O espectro da crise americana vai
contaminando as expectativas de investidores em geral. Contudo, nesta
fase não se verificam grandes impactos na economia brasileira, que
continua a crescer no patamar de 5% ao ano, em média nos trimestres
deste período, com algum incremento nas taxas de inflação e redução das
taxas de juros (Selic). As empresas de real estate continuam a
implementar suas estratégias de diversificação e expansão dos
investimentos. O crédito imobiliário também se expande.
- Terceira fase dos ciclos (3º trimestre de 2008 e 4º trimestre de
2008) – Uma hecatombe originada pelas hipotecas de alto risco do setor
de real estate residencial americano se espraia pelos mercados mundo
afora. Na Bovespa, os valores de todas as empresas de real estate
atingem seus menores valores históricos. A penalização exagerada leva a
incríveis relações entre VM e PL que alcançam 0,49 para empresas
residenciais e 0,65 para empresas com portfólios de empreendimentos para
geração de renda, sem que isso tenha correspondência direta com as
condições e o desempenho real dos mercados brasileiros de real estate
(ver a Carta do NRE-POLI 13-08, de outubro-dezembro de 2008,
Especulação, Pânico e a Busca de Antídoto). O impacto maior da crise
internacional ocorre ao longo do ano de 2009, que apresenta uma retração
da atividade em cerca de (0,33%), o que deflagra a adoção de políticas
anticíclicas pelo governo.
-
Quarta fase dos ciclos (1º trimestre de 2009 ao 4º trimestre de 2010) –
Ainda que ao longo de 2009 tenha havido retração da atividade econômica,
medidas eficientes são tomadas na gestão da política econômica que
permitem uma retomada de crescimento do PIB logo em 2010 (7,5% no ano).
Com a continuada disponibilização de crédito mais barato e com prazos de
liquidação dos empréstimos mais largos, o setor de real estate tem o
seu melhor ano dentro do ciclo aqui analisado, seja em volumes e
velocidade de vendas, número de lançamentos ou no que se refere ao
crescimento acentuado de preços médios dos produtos nos principais
mercados residenciais nas cidades brasileiras. Com a expansão da
economia e com a redução das taxas de juros, os setores comerciais e de
serviços, os quais tem fortíssimo vínculo com o desempenho das empresas
que exploram portfólios de empreendimentos de base imobiliária, crescem
com vigor. O ambiente favorável de 2010 viabiliza uma recuperação
intensa de todos os índices setoriais, que ademais foi favorecida pela
frágil base de referência do final de 2008 (IBovespa em 29.000 pontos e
IRE em 36), alguns comentavam que neste ponto só havia um opção de
sobrevivência econômica, o da recuperação da confiança. O IRE começa o
período posicionado em 41 e termina 2010 no patamar de 121 pontos. O
IRE-BI apresenta incremento mais acentuado ainda, saindo de 54 pontos e
finalizando o período com 174 pontos.
Quinta
fase dos ciclos (1º trimestre de 2011 ao 4º trimestre de 2012) – Este
ciclo é marcado pelo forte descolamento do desempenho das empresas com
portfólios imobiliários geradores de renda, principalmente constituídos
de edifícios de escritórios, shopping centers e galpões, contra o
desempenho das residenciais. Boa parte dos analistas avaliou que ao
final do primeiro ciclo dos investimentos em novos empreendimentos com
recursos dos IPOs os resultados médios apresentados foram
insatisfatórios, daí a precificação das ações das empresas residenciais
iniciarem uma trajetória de queda após as publicações de balanços
referentes ao quarto trimestre e ao consolidado do ano de 2010. O
IRE-50+ inicia 2011 posicionado em 126 pontos e ao final de 2012 atinge
57! E o IRE-50- sai de 77 pontos e chega a 42 pontos, no mesmo período,
denotando o grande descontentamento dos investidores com o desempenho
associado aos negócios originados neste primeiro ciclo de investimentos
com recursos captados nas aberturas de capital.
Não cabe aqui discorrer
sobre as razões que deflagraram este fraco desempenho médio do setor, de
resto já fartamente explorado em outras Cartas (problemas de formulação
de estratégias de posicionamento no mercado, de gestão de parcerias, de
avaliações de riscos equivocadas, controle operacional, entre outras),
mas entendo que este se deveu mais a estas questões de gestão do que às
relativas às condições do mercado residencial, em demanda e com preços
crescentes em todas as grandes cidades, a despeito da inflação setorial
ter sido um grande óbice ao bom desempenho econômico dos
empreendimentos. De outro lado, a avaliação do mercado em relação às
Property Companies só cresceu no período (o IRE-BI estava em 171 pontos
no começo de 2011 e fechou 2012 cotado a 277 pontos). Apesar do
crescimento pífio da economia brasileira nestes dois últimos anos, 2,73%
e 0,87% respectivamente, a renda do mercado consumidor cresceu com
vigor e de modo sustentado, inclusive devido aos baixos níveis de
desocupação e à indexação do salário mínimo. De um modo geral a
manutenção do crescimento da renda favoreceu a geração de receita nos
portfólios de shopping centers, sempre ancorado no consumo de varejo e
na prestação de serviços, IPCA de cerca de 12% no período. Ao longo
destes dois últimos anos os setores de
galpões industriais nos principais eixos rodoviários e de edifícios comerciais nos grandes centros urbanos tiveram bom desempenho, que avalio não associado ao comportamento macroeconômico de 2011 e 2012, mas muito mais fruto da escassez de oferta de novos empreendimentos em anos anteriores. É importante assinalar que o ciclo se encerra eivado de preocupações no mercado quanto ao comportamento da inflação e a resposta de política econômica a ser perpetrada, se com um viés mais leniente quanto ao crescimento dos preços e a manutenção dos níveis atuais das taxas de juros ou se vai perseguir com maior rigor a manutenção dos índices de inflação dentro da meta do Banco Central.
galpões industriais nos principais eixos rodoviários e de edifícios comerciais nos grandes centros urbanos tiveram bom desempenho, que avalio não associado ao comportamento macroeconômico de 2011 e 2012, mas muito mais fruto da escassez de oferta de novos empreendimentos em anos anteriores. É importante assinalar que o ciclo se encerra eivado de preocupações no mercado quanto ao comportamento da inflação e a resposta de política econômica a ser perpetrada, se com um viés mais leniente quanto ao crescimento dos preços e a manutenção dos níveis atuais das taxas de juros ou se vai perseguir com maior rigor a manutenção dos índices de inflação dentro da meta do Banco Central.
O
descolamento de desempenho entre os dois segmentos vai se intensificar,
estabilizar ou as empresas residenciais vão reverter a tendência
verificada nos dois últimos anos?
Primeiro há que se considerar a
questão estrutural do nível de risco setorial. O investimento dos
empreendedores no setor residencial tende a ser de maior risco devido à
própria conjuntura competitiva que vige nos mercados, que não permite
que a relação entre preços de comercialização e custos de implantação
seja mantida ao longo do ciclo de produção dos empreendimentos,
configurando, portanto, a possibilidade de flutuação das margens de
resultado originalmente esperadas.
Claro
que a conjuntura competitiva também é um vetor risco para os
investimentos em empreendimentos de base imobiliária, mas como os
retornos são derivados da renda da exploração do imóvel, que tende a ser
homogênea e estável no longo prazo, e não da sua venda, os riscos estão
mais fortemente associados ao desempenho da economia local e nacional,
cuja correlação com a geração de receita nestas tipologias de
empreendimentos é autoevidente.
A
arbitragem de níveis de remuneração distintos para os investimentos nos
dois segmentos corrobora a leitura pelo mercado desta tendência de
maiores riscos nos negócios de produzir residências para vender em
relação a construir, ou comprar pronto, imóveis para locação dos seus
espaços.
Deste
modo, seria razoável esperar que no longo prazo o desempenho médio do
segmento de imóveis para renda fosse mais estável, quase que flutuando
seguindo de perto a evolução macroeconômica e ajustado conforme as
condições competitivas de cada mercado local.
No
setor residencial o desempenho médio de longo prazo tenderia a ser mais
errático, marcado por períodos de grande atividade e de expressivos
resultados, seguido de períodos com desempenhos mais modestos fruto do
acirramento competitivo e das pressões inflacionárias intrassetoriais.
Para
o horizonte macroeconômico nos próximos dois anos, a opinião prevalente
é de um crescimento econômico de baixo para moderado (cerca de 3% em
2013, e um pouco maior em 2014 em função do calendário político), ainda
muito ancorado no consumo e na manutenção da expansão do crédito,
imobiliário inclusive, e com a inflação seguindo com tendência de alta,
mas dentro da banda de tolerância do Banco Central.
Os
gargalos de infraestrutura são preocupações presentes nas análises,
principalmente no que se refere aos riscos de oferta insuficiente de
energia e o comprometimento de uma retomada do crescimento mais
acelerada. O problema do aumento dos salários acima do crescimento da
produtividade média também está no centro do diagnóstico dos fatores que
tem inibido o incremento dos investimentos.
Este
cenário sugere a sustentação de resultados satisfatórios no setor de
imóveis para renda, ao menos nos mercados que se encontram equilibradas
as relações entre demanda e oferta de produtos. A melhoria de desempenho
que se refletiria na continuidade da tendência de alta do índice
exigiria uma performance macroeconômica mais robusta. Além disso, as
empresas que têm ativos em múltiplos segmentos contribuiriam para um
desempenho sistêmico mais pujante se refinassem competências de gestão
de portfólios.
Para
as empresas atuantes do mercado residencial o cenário não indica
melhorias expressivas de desempenho médio, ainda que também não aponte
para um maior agravamento do estado atual. Os resultados médios tenderão
a melhorar na medida em que as empresas estruturem seus novos
investimentos baseadas em premissas mais conservadoras e que
pressuponham uma discussão mais criteriosa dos riscos de cada negócio.
As
empresas de capital aberto de empreendimentos para renda no Brasil
continuarão a apresentar melhores resultados do que as focadas no
mercado residencial nos próximos dois anos? Ou as residenciais estão se
remodelando para serem companhias de qualidade de desempenho equivalente às property companies?
Responda e conheça como o mercado vê este tema.
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