segunda-feira, 25 de março de 2013

NÚCLEO DE REAL STATE DA POLI-USP AVALIA O DESEMPENHO DAS EMPRESAS DE CAPITAL ABERTO

O setor de real estate brasileiro inaugura uma fase mais madura de relacionamento com o mercado a partir das aberturas de capital ocorridas majoritariamente entre 2006 e 2007. Entraram na Bovespa 23 empresas dedicadas ao desenvolvimento de empreendimentos imobiliários residenciais e nove empresas que exploram imóveis que produzem renda derivada da locação dos espaços que abrigam certas atividades econômicas, principalmente edifícios de escritórios, shopping centers, galpões industriais e de logística.

Após um período de aquisições, incorporações, fusões e fechamento de capital, hoje existem 16 empresas de capital aberto com foco de atuação no mercado residencial, algumas especializadas em produzir e vender habitações para estratos de renda mais baixos. Das nove empresas de capital aberto dedicadas ao segmento de empreendimentos de base imobiliária, seis delas atuam quase que exclusivamente no setor de shopping centers, ainda que hajam manifestações da possibilidade de no futuro promoverem uma maior diversificação de seus investimentos.

Algumas empresas do mercado residencial também mantém linhas de atuação nos segmentos de shopping centers e de edifícios comerciais. Contudo, para a análise que se pretende nesta Carta, vamos considerar o desempenho das empresas à luz dos segmentos que absorvem a maior alocação de seus recursos financeiros.

No gráfico 1 que segue está evidente que a partir do último trimestre de 2010 os preços médios transacionadas na Bovespa apresentam um forte descolamento entre as ações das empresas residenciais (em vermelho e em roxo no gráfico) e as empresas de imóveis para renda (em azul no gráfico).

Este comportamento está capturado e sintetizado nos três sub-índices que compõem o índice IRE (curva preta do gráfico), mensalmente publicado pelo NRE-POLI, o IREBI, desenhado para as empresas dos empreendimentos de base imobiliária, o IRER50+, que reflete o comportamento dos preços das large caps do mercado residencial, as que juntas detém mais de 50% do volume  de transações no segmento, e o IRE-R50-, que contempla as demais residenciais remanescentes. O comportamento do Ibovespa está marcado pela curva em azul claro no gráfico.

As empresas que mais compuseram o IRE-R50+ foram Cyrela, PDG, Gafisa e MRV. Antes dos IPOs da PDG e da MRV, a ROSSI compunha o IRE-R50+ com grande frequência.

No final do ano de 2012 as 16 empresas de real estate residencial de capital aberto alcançavam um valor de mercado (VM) de cerca de R$ 40 bilhões e um patrimônio líquido (PL) de  aproximadamente R$ 35 bilhões, o que resulta para o conjunto uma relação (VM/PL) de 1,15, sendo que nove delas estão sendo avaliadas pelo mercado em patamares inferiores aos respectivos patrimônios líquidos.

Avaliações de empresa de real estate inferiores ao seu Patrimônio Líquido devem significar descrédito das operações em curso e baixa confiança na formulação das estratégias para o desenvolvimento de novos negócios.

De outro lado, valuation de empresas do setor de real estate muito favoravelmente descolados em relação aos PLs seguramente denotam satisfação com os resultados dos negócios correntes e uma grande confiança nas expectativas de geração de resultados futuros decorrentes dos novos negócios em planejamento.

As nove empresas dedicadas aos empreendimentos para geração de renda atingiram ao final de 2012 um valor de mercado de R$ 45 bilhões, para uma patrimônio líquido conjunto que totalizou quase R$ 28 bilhões, perfazendo uma relação VM/PL de 1,64, bem mais expressiva do que a verificada no mercado residencial. As empresas melhor avaliadas neste segmento alcançam valores até três vezes superiores ao seu patrimônio líquido.

Por que, segundo a opinião prevalente no mercado, as empresas que exploram empreendimentos de base imobiliária apresentaram desempenho superior, e portanto vem sendo recorrentemente melhor avaliadas que as de real estate residencial? Este é um traço estrutural ou a conjuntura de mercado no Brasil dos últimos anos foi o que preponderou no descolamento entre os resultados dos dois tipos de empresas? Este descolamento vai perdurar ou pode se esperar algumas mudanças de cenário que alinhe ou inverta as expectativas do mercado em relação aos dois segmentos?

Devido à limitação de espaço desta Carta, não vamos penetrar no balanço de cada empresa com o propósito de reconhecer diretamente como a publicação dos resultados trimestrais impactou nos preços e volumes transacionados na Bovespa, até mesmo porque daí poderiam surgir vieses, visto que o ciclo de geração de resultados dos negócios de real estate residencial extrapola este curto horizonte de três meses.

É fato que para as empresas de exploração de imóveis esta leitura enviesada é mais mitigada porque as flutuações de resultados de um trimestre para outro são mais contidas. Os analistas fazem melhores leituras das expectativas e do desempenho deste tipo de empresa com base nos balanços trimestrais, sem grandes vieses.

Analisaremos a percepção do mercado via comportamento dos índices admitindo que no longo prazo a geração de resultados pelas empresas reflete adequadamente a sua precificação, ainda que consideremos que em momentos de euforia ou depressão mais acentuada tal avaliação do mercado poderá conter forte viés especulativo.
 
Percebem-se claramente no gráfico, ciclos de expansão, depressão, recuperação e estabilização dos preços dos papéis das empresas do setor. Na Carta número 30-12 do NRE, o Prof. Rocha-Lima analisa estas flutuações de mercado sob uma perspectiva mais centrada nas questões estruturais e de gestão das empresas. Aqui procurarei complementar fazendo uma leitura voltada para os aspectos da conjuntura setorial e macroeconômica.

- Primeira fase dos ciclos (2º trimestre de 2006 ao 3º trimestre de 2007) – A economia brasileira acelera forte apresentando médias de 5% ao ano para as taxas de expansão do produto nos trimestres compreendidos no ciclo. Não se verificam grandes pressões inflacionárias; a despeito da aceleração, IGP-m e IPCA mantêm-se em patamares estáveis. De outro lado, nota-se uma leve trajetória de queda dos juros interbancários do início para o fim o período. No ambiente setorial a euforia se dissemina entre os agentes, várias empresas (residenciais e de exploração de empreendimentos) realizam bem sucedidas estreias na Bovespa, contando com expressiva participação de capitais estrangeiros. A expansão do crédito imobiliário para as empresas e compradores alcança taxas de dois dígitos ao ano. As empresas formulam planos ambiciosos de expansão. 

Como resultado desta percepção intensamente favorável ao setor, o IRE pula de um valor inicial de 100 para 131,17 pontos, tendo alcançado um pico de 143,44 em junho de 2007.
- Segunda fase dos ciclos (4º trimestre de 2007 ao 2º trimestre de 2008) – Nesta fase, após uma leve alta, os índices do setor de real estate interrompem o gradiente de crescimento que se verificou desde os principais IPOs. Neste período o IRE perde valor e chega em junho de 2008 no nível 120,58 pontos. O espectro da crise americana vai contaminando as expectativas de investidores em geral. Contudo, nesta fase não se verificam grandes impactos na economia brasileira, que continua a crescer no patamar de 5% ao ano, em média nos trimestres deste período, com algum incremento nas taxas de inflação e redução das taxas de juros (Selic). As empresas de real estate continuam a implementar suas estratégias de diversificação e expansão dos investimentos. O crédito imobiliário também se expande.
- Terceira fase dos ciclos (3º trimestre de 2008 e 4º trimestre de 2008) – Uma hecatombe originada pelas hipotecas de alto risco do setor de real estate residencial americano se espraia pelos mercados mundo afora. Na Bovespa, os valores de todas as empresas de real estate atingem seus menores valores históricos. A penalização exagerada leva a incríveis relações entre VM e PL que alcançam 0,49 para empresas residenciais e 0,65 para empresas com portfólios de empreendimentos para geração de renda, sem que isso tenha correspondência direta com as condições e o desempenho real dos mercados brasileiros de real estate (ver a Carta do NRE-POLI 13-08, de outubro-dezembro de 2008, Especulação, Pânico e a Busca de Antídoto). O impacto maior da crise internacional ocorre ao longo do ano de 2009, que apresenta uma retração da atividade em cerca de (0,33%), o que deflagra a adoção de políticas anticíclicas pelo governo.
- Quarta fase dos ciclos (1º trimestre de 2009 ao 4º trimestre de 2010) – Ainda que ao longo de 2009 tenha havido retração da atividade econômica, medidas eficientes são tomadas na gestão da política econômica que permitem uma retomada de crescimento do PIB logo em 2010 (7,5% no ano). Com a continuada disponibilização de crédito mais barato e com prazos de liquidação dos empréstimos mais largos, o setor de real estate tem o seu melhor ano dentro do ciclo aqui analisado, seja em volumes e velocidade de vendas, número de lançamentos ou no que se refere ao crescimento acentuado de preços médios dos produtos nos principais mercados residenciais nas cidades brasileiras. Com a expansão da economia e com a redução das taxas de juros, os setores comerciais e de serviços, os quais tem fortíssimo vínculo com o desempenho das empresas que exploram portfólios de empreendimentos de base imobiliária, crescem com vigor. O ambiente favorável de 2010 viabiliza uma recuperação intensa de todos os índices setoriais, que ademais foi favorecida pela frágil base de referência do final de 2008 (IBovespa em 29.000 pontos e IRE em 36), alguns comentavam que neste ponto só havia um opção de sobrevivência econômica, o da recuperação da confiança. O IRE começa o período posicionado em 41 e termina 2010 no patamar de 121 pontos. O IRE-BI apresenta incremento mais acentuado ainda, saindo de 54 pontos e finalizando o período com 174 pontos.
Quinta fase dos ciclos (1º trimestre de 2011 ao 4º trimestre de 2012) – Este ciclo é marcado pelo forte descolamento do desempenho das empresas com portfólios imobiliários geradores de renda, principalmente constituídos de edifícios de escritórios, shopping centers e galpões, contra o desempenho das residenciais. Boa parte dos analistas avaliou que ao final do primeiro ciclo dos investimentos em novos empreendimentos com recursos dos IPOs os resultados médios apresentados foram insatisfatórios, daí a precificação das ações das empresas residenciais iniciarem uma trajetória de queda após as publicações de balanços referentes ao quarto trimestre e ao consolidado do ano de 2010. O IRE-50+ inicia 2011 posicionado em 126 pontos e ao final de 2012 atinge 57! E o IRE-50- sai de 77 pontos e chega a 42 pontos, no mesmo período, denotando o grande descontentamento dos investidores com o desempenho associado aos negócios originados neste primeiro ciclo de investimentos com recursos captados nas aberturas de capital. 

Não cabe aqui discorrer sobre as razões que deflagraram este fraco desempenho médio do setor, de resto já fartamente explorado em outras Cartas (problemas de formulação de estratégias de posicionamento no mercado, de gestão de parcerias, de avaliações de riscos equivocadas, controle operacional, entre outras), mas entendo que este se deveu mais a estas questões de gestão do que às relativas às condições do mercado residencial, em demanda e com preços crescentes em todas as grandes cidades, a despeito da inflação setorial ter sido um grande óbice ao bom desempenho econômico dos empreendimentos. De outro lado, a avaliação do mercado em relação às Property Companies só cresceu no período (o IRE-BI estava em 171 pontos no começo de 2011 e fechou 2012 cotado a 277 pontos). Apesar do crescimento pífio da economia brasileira nestes dois últimos anos, 2,73% e 0,87%  respectivamente, a renda do mercado consumidor cresceu com vigor e de modo sustentado, inclusive devido aos baixos níveis de desocupação e à indexação do salário mínimo. De um modo geral a manutenção do crescimento da renda favoreceu a geração de receita nos portfólios de shopping centers, sempre ancorado no consumo de varejo e na prestação de serviços, IPCA de cerca de 12% no período. Ao longo destes dois últimos anos os setores de
galpões industriais nos principais eixos rodoviários e de edifícios comerciais nos grandes centros urbanos tiveram bom desempenho, que avalio não associado ao comportamento macroeconômico de 2011 e 2012, mas muito mais fruto da escassez de oferta de novos empreendimentos em anos anteriores. É importante assinalar que o ciclo se encerra eivado de preocupações no mercado quanto ao comportamento da inflação e a resposta de política econômica a ser perpetrada, se com um viés mais leniente quanto ao crescimento dos preços e a manutenção dos níveis atuais das taxas de juros ou se vai perseguir com maior rigor a manutenção dos índices de inflação dentro da meta do Banco Central.
O descolamento de desempenho entre os dois segmentos vai se intensificar, estabilizar ou as empresas residenciais vão reverter a tendência verificada nos dois últimos anos?
 
Primeiro há que se considerar a questão estrutural do nível de risco setorial. O investimento dos empreendedores no setor residencial tende a ser de maior risco devido à própria conjuntura competitiva que vige nos mercados, que não permite que a relação entre preços de comercialização e custos de implantação seja mantida ao longo do ciclo de produção dos empreendimentos, configurando, portanto, a possibilidade de flutuação das margens de resultado originalmente esperadas.

Claro que a conjuntura competitiva também é um vetor risco para os investimentos em empreendimentos de base imobiliária, mas como os retornos são derivados da renda da exploração do imóvel, que tende a ser homogênea e estável no longo prazo, e não da sua venda, os riscos estão mais fortemente associados ao desempenho da economia local e nacional, cuja correlação com a geração de receita nestas tipologias de empreendimentos é autoevidente.

A arbitragem de níveis de remuneração distintos para os investimentos nos dois segmentos corrobora a leitura pelo mercado desta tendência de maiores riscos nos negócios de produzir residências para vender em relação a construir, ou comprar pronto, imóveis para locação dos seus espaços.

Deste modo, seria razoável esperar que no longo prazo o desempenho médio do segmento de imóveis para renda fosse mais estável, quase que flutuando seguindo de perto a evolução macroeconômica e ajustado conforme as condições competitivas de cada mercado local.

No setor residencial o desempenho médio de longo prazo tenderia a ser mais errático, marcado por períodos de grande atividade e de expressivos resultados, seguido de períodos com desempenhos mais modestos fruto do acirramento competitivo e das pressões inflacionárias intrassetoriais.

Para o horizonte macroeconômico nos próximos dois anos, a opinião prevalente é de um crescimento econômico de baixo para moderado (cerca de 3% em 2013, e um pouco maior em 2014 em função do calendário político), ainda muito ancorado no consumo e na manutenção da expansão do crédito, imobiliário inclusive, e com a inflação seguindo com tendência de alta, mas dentro da banda de tolerância do Banco Central.

Os gargalos de infraestrutura são preocupações presentes nas análises, principalmente no que se refere aos riscos de oferta insuficiente de energia e o comprometimento de uma retomada do crescimento mais acelerada. O problema do aumento dos salários acima do crescimento da produtividade média também está no centro do diagnóstico dos fatores que tem inibido o incremento dos investimentos.

Este cenário sugere a sustentação de resultados satisfatórios no setor de imóveis para renda, ao menos nos mercados que se encontram equilibradas as relações entre demanda e oferta de produtos. A melhoria de desempenho que se refletiria na continuidade da tendência de alta do índice exigiria uma performance macroeconômica mais robusta. Além disso, as empresas que têm ativos em múltiplos segmentos contribuiriam para um desempenho sistêmico mais pujante se refinassem competências de gestão de portfólios.

Para as empresas atuantes do mercado residencial o cenário não indica melhorias expressivas de desempenho médio, ainda que também não aponte para um maior agravamento do estado atual. Os resultados médios tenderão a melhorar na medida em que as empresas estruturem seus novos investimentos baseadas em premissas mais conservadoras e que pressuponham uma discussão mais criteriosa dos riscos de cada negócio.

As empresas de capital aberto de empreendimentos para renda no Brasil continuarão a apresentar melhores resultados do que as focadas no mercado residencial nos próximos dois anos? Ou as residenciais estão se remodelando para serem companhias de qualidade de desempenho equivalente às property companies?

Responda e conheça como o mercado vê este tema.

Fonte: Prof. Dr. Claudio Tavares de Alencar

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