Em vista da interpretação equivocada do disposto no parágrafo único do art. 36, do Código Tributário Nacional, inúmeros contribuintes têm enfrentado a ira de Municípios na exigência do imposto de transmissão (ITBI), na transferência de bens imóveis da pessoa jurídica para as pessoas físicas.
Inicialmente é de se investigar se há fato gerador na "desincorporação", ou seja, no fenômeno oposto a incorporação de bem imóvel à sociedade. Pelo procedimento, os sócios recebem de volta bem imóvel que encontrava-se incorporado na pessoa jurídica.
Como orienta a jurisprudência, sem controvérsia, nos casos de incorporação de imóvel à sociedade, a transferência é imune:
"DIREITO TRIBUTÁRIO - IMPOSTO SOBRE TRANSMISSÃO DE BENS IMÓVEIS - ITBI - TRANSFERÊNCIA DE BEM DE SÓCIO PARA O PATRIMÔNIO DE PESSOA JURÍDICA - EXCEÇÃO CONSTITUCIONAL DE INCIDÊNCIA - AVERIGUAÇÃO DA ATIVIDADE PREPONDERANTE - ART. 37, § 2º DO CTN (...). O ITBI não incide sobre a transmissão de bens ou direitos incorporados ao patrimônio da pessoa jurídica em realização de capital, nem sobre transmissão de bens ou direitos decorrentes de fusão, incorporação, cisão ou extinção de pessoa jurídica, exceto se a atividade preponderante do adquirente foi a compra e venda desses bens ou direitos, locação de bens imóveis ou arrendamento mercantil (art. 156, § 2º, inciso I, da Constituição da República)." (01)
No caso inverso, ou seja, quando ao invés de incorporação de imóvel ao patrimônio da pessoa jurídica, ocorre a "desincorporação" com a transmissão de bens imóveis da pessoa jurídica para seus sócios, a jurisprudência mantém o mesmo curso:
"SUSCITAÇÃO DE DÚVIDA. REGISTRO PÚBLICO. TRIBUTÁRIO. ITBI. DESINCORPORAÇÃO DE IMÓVEL DE PROPRIEDADE DA EMPRESA COM TRANSMISSÃO AOS SÓCIOS A TÍTULO DE REMUNERAÇÃO DE COTAS SOCIAIS. ART. 156, § 2º, I, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. Nos termos do art. 156, § 2º, I, da Carta Magna, é assegurada a imunidade tributária nas operações de transmissão de bens imóveis de sócios para a formação do capital social da empresa, bem como nas hipóteses de transmissão de bens em decorrência da fusão, incorporação, cisão ou extinção da pessoa jurídica, desde que a atividade preponderante do seu destinatário não seja a compra e venda, a locação ou o arrendamento mercantil de bens imóveis. Caso em que tal regra de imunidade é assegurada quando da redução do capital social, com a desincorporação de bem imóvel de sua propriedade, mediante a sua transmissão aos sócios da empresa. Apelação Improvida. (Grifou-se)."(02)
Para Roque Carrazza, assim como a incorporação de um bem imóvel à sociedade é imune ao ITBI, o fenômeno oposto, isto é, a retirada de um bem imóvel do patrimônio da empresa também o é. Aduz acertadamente:
"É incontroverso que a incorporação - que, em última análise, fortalece a sociedade - não sofre a incidência do ITBI. Esta é a própria dicção constitucional. Ora, a "desincorporação" - que a enfraquece - por muito maior razão (argumento a fortiori) também deve ser alvo do benefício constitucional em tela. Chega-se a esta conclusão até por uma questão de "simetria jurídica". Se a Constituição protege a situação máxima (a incorporação, com o consequente fortalecimento da empresa) e a situação mínima (a extinção, com o automático desaparecimento da empresa), também protege a situação intermediária (a desincorporação, com o inevitável enfraquecimento da empresa). Tal entendimento só seria improsperável se houvesse disposição constitucional expressa, em sentido contrário, o que absolutamente não é o caso. Portanto, o imposto não incide sobre a transmissão dos bens imóveis, aos mesmos alienantes, em decorrência de sua desincorporação do patrimônio da pessoa jurídica a que foram conferidos. O direito público subjetivo dos sócios de não serem tributados, por via de ITBI, exsurge como efeito reflexo da norma imunizante que os favorece. Trata-se, portanto, de um direito fundamental que não pode ser ignorado, sob pena de manifesta inconstitucionalidade." (03)
No mesmo sentido a posição de Láudio Camargo Fabretti, que ao registrar que o imposto não incide sobre a transmissão de bens ou direitos incorporados ao patrimônio de pessoa jurídica em realização de capital, nem sobre a transmissão de bens e direitos decorrentes de fusão, incorporação, cisão, expressamente lembra da não incidência "por ocasião da desincorporação, em retorno de capital aos mesmos alienantes que os haviam entregues como integralização de capital." (04)
Conclui-se, portanto, que diante da dicção da lei, da interpretação da jurisprudência e da lição da doutrina, a operação de transferência de imóveis da pessoa jurídica para as pessoas físicas ("desincorporação") não incide ITBI e nenhum outro imposto de transmissão.
Notas
(01) TJ/MG, AC 1.0024.06.272723-5/001, Rel. Dídimo Inocêncio de Paula, Data do Julgamento: 06/11/2008. No mesmo sentido: APELAÇÃO CÍVEL. DIREITO TRIBUTÁRIO. IMPOSTO SOBRE TRANSMISSÃO DE BENS IMÓVEIS - ITBI. AÇÃO DE REPETIÇÃO DE INDÉBITO. TRANSMISSÃO DE BENS IMÓVEIS AO PATRIMÔNIO DE PESSOA JURÍDICA EM DECORRÊNCIA DE INCORPORAÇÃO. INCIDÊNCIA, NO CASO, POR NÃO RESTAR DEMONSTRADA A NÃO PREPONDERÂNCIA DE ATIVIDADE IMOBILIÁRIA. INTELIGÊNCIA DO ARTIGO 156, § 2º, I, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL/88. RECURSO DESPROVIDO. (TJ/PR, AC 0611140-8, Rel. Dulce Maria Cecconi, Data do Julgamento: 19/01/2010). ITBI. IMÓVEL INCORPORADO AO PATRIMÔNIO DA PESSOA JURÍDICA EM REALIZAÇÃO DE CAPITAL. NÃO-INCIDÊNCIA. Quando a transmissão do bem imóvel for efetuada em realização de capital, somente ocorre o fato gerador do ITBI quando a pessoa jurídica adquirente auferir, nos dois anos anteriores e nos dois subseqüentes à aquisição, mais da metade de sua receita operacional em negócios imobiliários. (TJ/PR, AC 312.854-56, Rel. Juiz Conv. Xisto Pereira, Data do Julgamento: 20/04/2007).
(02) TJ/RS, AC 70026536433, Rel. Elaine Harzheim Macedo, Data do Julgamento: 27/11/2008.
(03) CARRAZZA, Roque Antonio. ITBI - Redução de Capital - Imunidade - Exegese do art. 156, parágrafo 2º, I, da Constituição Federal. Revista Dialética de Direito Tributário n. 24, setembro de 1997, São Paulo: Oliveira Rocha, p. 126/127.
(04) FABRETTI, Láudio Camargo. Código Tributário Nacional Comentado. 7ª edição. São Paulo: Atlas, 2007, p. 66.
Autor: Célio Armando Janczesk - Mestre em Direito. Professor de Direito Tributário da Faculdade Mater Dei, da Escola Superior da Magistratura do Estado de Santa Catarina e da Escola Superior da OAB/SC. Membro do Conselho Científico da Academia Brasileira de Direito Tributário. Advogado no Paraná e em Santa Catarina.
Fonte: FISCOSoft - www.fiscosoft.com.br
Nenhum comentário:
Postar um comentário