segunda-feira, 22 de abril de 2013

NCORPORAÇÃO IMOBILIÁRIA DIRETA E OS OBSTÁCULOS TRIBUTÁRIOS CRIADOS PELOS MUNICÍPIOS COM A COBRANÇA DO ISSQN

Indubitavelmente, um dos obstáculos a um maior crescimento da construção civil é a carga tributária. Mesmo que a sociedade esteja vivendo um momento em que há certa abundância de recursos para o segmento, principalmente com a ingestão de verba nos bancos públicos para o financiamento de habitações de menor valor aquisitivo, há um grande influxo de capital quando se fala dos tributos cobrados pelos entes governamentais.

Um dos entraves conhecidos das Incorporadoras é a cobrança, pelos Municípios, do Imposto sobre Serviços (ISSQN) sobre a incorporação direta, cujo entendimento do Fisco local é o de que a venda da unidade habitacional na planta, evidentemente, antes da emissão do Habite-se, caracteriza a prestação de serviços tributáveis, própria da Lei Complementar 116/03 e, consequentemente, da legislação municipal, vez que configurada uma obrigação de fazer (construção da obra) em paralelo a uma obrigação de dar (venda/entrega do imóvel), que se desvincula daquela.

Ocorre que na dinâmica da incorporação imobiliária direta, constituída de uma série complexa de fatores de produção, há uma diferenciação técnica e legal desta em face da realizada por intermédio de um construtor, administrador de obra ou empreiteiro, sendo este elemento o cerne da discussão sobre o fato gerador do Imposto Sobre Serviços.
Melhim Namem Chalhub, jurista especialista na matéria, elucida o que se depreende da atividade de incorporar quando diz que:
"Nesse processo, o incorporador opera como elemento catalisador, que se incumbe de mobilizar os recursos necessários à consecução do negócio, desde sua gênese até a conclusão do edifício e entrega das unidades aos adquirentes" (01).

A complexidade desta atividade passa pela identificação de um terreno com potencial econômico, estudo e planejamento do projeto arquitetônico, análise preliminar de viabilidade econômica e financeira do negócio, aquisição do terreno (que se dá em diversas formas: compra e venda integral ou parcelada; aquisição de direitos sobre o terreno e permuta com ou sem torna, entre outras possibilidades), elaboração do projeto de construção definitivo e sua aprovação pelos órgãos públicos competentes (secretarias estaduais e municipais de meio ambiente, infraestrutura de esgoto, água e luz, circulação e transporte, etc.), preparação e elaboração de documentos diversos para compor o Memorial de Incorporação (certidão de matrícula do imóvel, vintenária e de ônus reais, quadro de áreas das futuras unidades autônomas, orçamentos, coeficientes de construção, declarações de idoneidade financeira, etc.), o registro da incorporação, o planejamento de marketing e a execução das vendas (campanha publicitária, cadastramento de candidatos à aquisição, análise econômico-financeira do comprador, assinatura de contratos de promessa de compra e venda e de financiamento, etc.), a instituição do Regime de Afetação Tributária, da Comissão de Representantes e do Condomínio Especial, a compra de suprimentos e a contratação de mão de obra para a execução do empreendimento (02), mas sem se limitar a este rol de atos.

Na letra do regramento especial da incorporação imobiliária (art. 28 e seguintes da Lei Federal 4.591/64), tal atividade consiste na promoção e realização da construção, sendo esta efetuada ou não pelo incorporador, mas que sejam por este no mínimo coordenadas e juridicamente vinculadas, com o fito de se alienar unidades autônomas decorrentes de frações ideais de um terreno, onde se estabelecem obrigações de prazo, preço, garantias e outras.

Ou seja, com um mínimo de palavras a legislação em comento quer dizer que há um rol de atos a serem produzidos por aquele que se compromete e se responsabiliza a incorporar imóveis, dentre estes o ato de construir, os quais foram acima sucintamente elencados, e pelos quais claramente se deduz se tratar de um negócio jurídico complexo, formado de uma múltipla e concatenada forma de agir, que de longe deixa para trás a simples prestação de serviços de execução de obras de construção civil taxativamente exposta na legislação tributária (item 7.02 da LC 116/03 - item 32 do Decreto-Lei 406/68 - Leis Municipais).

Indiscutível que o fato gerador do ISSQN (03) é a prestação do serviço constante da lista anexa ao diploma legal supra referido e que, em cumprimento a ditames constitucionais garantidores da autonomia dos Municípios (arts 29, 30 e 156, III, da Constituição Federal), a estes é incumbida a tarefa de legislar sobre a sua instituição e arrecadação do imposto.
Estritamente relacionado a este poder-dever estão vários princípios constitucionais que subordinam a instituição do Imposto Sobre Serviço. Dentre estes, muito discutidos nos embates jurídicos acerca da matéria apresentam-se os princípios da legalidade e da taxatividade.

Não é por simples zelo ou segurança jurídica, mas muito mais por uma lógica e/ou premissa maior que a Constituição Federal tutela em dois momentos relevantes a obediência à legalidade:
"art. 5º, II - (...) ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei;
art. 150, I - Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios: exigir ou aumentar tributo sem lei que o estabeleça".

Interpretando este princípio, citando o renomado tributarista Ives Gandra da Silva Martins, o também jurista Aires F. Barreto preleciona:
"(...) não basta a existência de lei como fonte de produção jurídica específica; requer-se a fixação, nessa mesma fonte, de todos os critérios de decisão, sem qualquer margem de liberdade ao administrador. Com a acuidade de sempre, assinala Ives Gandra da Silva Martins: 'Na lei, portanto, dever ser encontrados todos os elementos do tipo tributário, única e efetiva garantia do sujeito passivo da relação tributária... A lei, portanto, no espectro maior de suas alternativas expressas, é a única geradora de obrigações...'

Vigora, destarte, nessa matéria, aí incluído o ISS, o princípio da reserva absoluta de lei formal" (04).

Já a taxatividade, em que pese as antagônicas correntes doutrinárias, que divergem sobre o ferimento ou não da autonomia dos Municípios sobre a competência de instituir o imposto (05), é o princípio pelo qual se depreende que a lista de serviços sobre os quais incide o Imposto Sobre Serviço não possibilita uma interpretação extensiva. Esta forma de leitura da lei é predominante na doutrina especializada e na jurisprudência, em especial no Supremo Tribunal Federal e no Superior Tribunal de Justiça (exemplos mais recentes: STF RE 361829/RJ e STJ RESP 755918/RJ).

Em assim sendo, por que os Municípios se veem no direito de cobrar o Imposto Sobre Serviço de uma atividade empresarial não especificada na Lei? Ora, não se aperfeiçoa na relação jurídica incorporador de imóvel e adquirente de unidade habitacional o binômio prestador e tomador de serviço, gerador do tributo, pois aquele que adquire um terreno, projeta por conta própria e constrói com o intuito de vender casas ou apartamentos a qualquer um que apresente condições de comprar está praticando um negócio assinalado por uma obrigação de dar (entrega de coisa), e mais, não prevista na legislação especial, que taxativamente menciona "Execução, por administração, empreitada ou subempreitada, de obras de construção civil (...)", sendo esta uma obrigação tão somente de fazer (construção da coisa).

Mesmo se quisessem por analogia estender à incorporação os ditames da legislação do ISSQN aplicados à construção civil pura, assim não permitira o CTN, na medida em que o parágrafo único do artigo 108 do Código Tributário Nacional veda o emprego da analogia quando esta resultar na exigência de tributo não previsto em lei.

Em uma recente análise (RESP 922956RN), o STJ pronunciou que:
"Se a construção é realizada pelo próprio incorporador, não há prestação de serviços a terceiros, mas a si próprio, o que descaracteriza o fato gerador. É que os adquirentes das unidades imobiliárias incorporadas não celebram, com o incorporador, um contrato de prestação de serviços de construção, mas sim um contrato de compra e venda do imóvel, a ser entregue construído (06)".

Este pronunciamento é de suma importância, pois sedimenta a interpretação concomitante que se deve fazer dos institutos jurídicos insculpidos na Lei Federal 4.591/64 (incorporação imobiliária direta - art. 41) e na Lei Complementar 116/03 (Imposto Sobre Serviço - Execução de obras de construção civil), estendido ao Decreto-Lei 406/68 e consequente legislação municipal.

Dito isso, conclui-se que a municipalidade incorre em violação legal e constitucional quando cria lei imputando à incorporação imobiliária direta o recolhimento do Imposto Sobre Serviço, obstruindo o desenvolvimento de importante atividade empresarial que muito reflete no bem estar da sociedade. Tem-se notícia até mesmo de vedação ao Habite-se enquanto não é recolhido o imposto.
Notoriamente deve-se reconhecer o brilhantismo do legislador que em meados dos anos sessenta institui norma reguladora da construção civil que já á época tutelava uma atividade complexa, dinâmica e segura para o que fluxo de compra e venda de imóveis na planta (onde o proprietário do terreno constrói para si e negocia a unidade habitacional a quem lhe interessar).
Desta feita, diante da constatação de que a incorporação imobiliária direta é atividade muito maior que a construção por administração ou empreitada, e, que não há previsão na legislação taxativamente tributando tal atividade, nem mesmo por analogia há de se falar em recolhimento de ISSQN.

Notas

(01) Da Incorporação Imobiliária; Chalhub, Melhim Namem; 3ª Edição Revista e Atualizada; Ed. Renovar; 2010; Rio de Janeiro; pag. 20.
(01) Idem nota 1.
(03) Lei Complementar 116/03 - Art. 1º - O Imposto Sobre Serviços de Qualquer Natureza, de competência dos Municípios e do Distrito Federal, tem como fato gerador a prestação de serviços constantes da lista anexa, ainda que esses não se constituam como atividade preponderante do prestador.
(04) ISS na Constituição e na Lei; 3ª edição; Barreto. Aires F.; Editora Dialética; São Paulo; 2009; pag. 14.
(05) Sobre o tema ler artigo: Comentários à lista de serviços anexa à lei complementar 116/03, dos advogados Marcelo Magalhães Peixoto e Lais Vieira Cardoso, in ISS LC 116/2003, organizado por Ives Gandra da Silva Martins e Marcelo Magalhães Peixoto; Ed. Juruá; pag. 369 a 426.
(06)https://ww2.stj.jus.br/processo/jsp/revista/abreDocumento.jsp?componente=MON&sequencial=13111654&formato=PDF - consulta realizada em 17 de abril de 2012.

Autor: Antônio Roberto Winter de Carvalho/ Alysson Elias Macedo
Antônio Roberto Winter de Carvalho – Graduado em Direito pela Pontifícia Universidade Católica – PUC/MG. Mestre em Direito Público com ênfase em Tributário pela PUC/Minas. MBA em Auditoria, Finanças e Auditoria pela FGV. Especialista em Direito Tributário pelo IEC-PUC. Development of Entrepreneur - Executive Shareholde. (Babson College-MA). Sócio Consultor Sênior de Planejamento e Tributação da Winter Carvalho Advogados. Ex-professor assistente da Pontifícia Universidade Católica. Ex-assessor de Projetos na Assembleia Legislativa de Minas Gerais. Ex-sócio consultor da Data Legis Tributo e Governo (2003). Advogado militante em Direito Público. Parecerista em Direito Tributário. Membro do Instituto de Hermenêutica Jurídica IHJ. Associado ao Conselho Nacional de Ensino e Pós-graduação em Direito (CONPEDI). Membro da Academia Brasileira de Direito Tributário (ABDT). Membro do Instituto Brasileiro de Governança Coorporativa (IBGC). Membro do Instituto de Estudos Fiscais (IEFI). Membro da Associação Brasileira de Direito Tributário (ABRADT). Membro da Fundação Brasileira de Direito Econômico (FDBE). Associado Master da Associação Paulista de Direito Tributário (APET). Membro Efetivo da Comissão Especial de Direito Tributário da OAB/MG (Ordem dos Advogados do Brasil Seção Minas Gerais).

Alysson Elias Macedo - Graduado em Direito pelo Centro Universitário de Belo Horizonte – UNIBH. Pós-Graduação em Direito Empresarial pelo Centro de Atualização em Direito da Universidade Gama Filho – CAD/BH. Pós-Graduação em Direito Processual Civil pelo Centro de Atualização em Direito da Universidade Gama Filho – CAD/BH. Ex-Conselheiro Jurídico do Conselho de Segurança Pública dos Bairros da Região Oeste de Belo Horizonte – CONSEP. Ex-Coordenador do Departamento Jurídico da Fundação Cultural de Belo Horizonte – FUNDAC-BH. Conselheiro da Fundação Cultural de Minas Gerais – FUNDAC. Áreas de atuação: Direito Civil com ênfase no setor da construção, Direito do Consumidor, Direito Imobiliário, Direito Urbanístico, Direito Educacional e Direito Fundacional.

Fonte: Apet

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