Depois da publicação da Lei 12.703, em agosto do ano
passado, que facilitou a portabilidade da dívida do imóvel para um novo
banco ao reduzir custos cartoriais, mutuários enfrentam dificuldades
para concretizar a operação, prevista por lei desde 2006.
À espera de
uma regulamentação da legislação, bancos 'travam' o processo ou nem
mesmo iniciam a operação.
É o que relata o analista de sistemas Vinicius Bragança, de 36 anos.
Ao encontrar taxas mais atrativas no Itaú, que reduziria sua dívida
total em R$ 40 mil e as prestações mensais do imóvel de R$ 1,5 mil para
R$ 1,2 mil, recebeu como resposta que o banco não está fazendo a
portabilidade "por enquanto" para o banco gerador do crédito, no caso o
Bradesco, porque “não consegue finalizar os processos”.
"Agora, estou tentando ver se a Caixa Econômica Federal,
que também oferece taxas menores, consegue desembaraçar este processo.
Estou no terceiro ano de pagamento do financiamento e já consegui
adiantar mais três anos no período. Acredito que tenho o direito de
portar a dívida”.
A regra, anunciada em conjunto com a nova lei da
poupança, permite que uma averbação seja suficiente para mudar a
garantia hipotecária ou alienação fiduciária do imóvel, o que barateia a
operação ao dispensar um novo registro do imóvel e outros custos
cartoriais.
Desde a publicação da lei até agora, mutuários reclamam
de demora do processo, atentos às oportunidades do mercado com o ciclo
de redução de juros, que derrubou a taxa básica (Selic). Em alguns
casos, a espera chega a meses. As queixas recaem sobre as empresas
geradoras do crédito, que parecem dificultar a operação.
Discussão
A regulamentação irá tornar possível a realização da
portabilidade por meio eletrônico, declara o Ministério da Fazenda. Ela
deve tornar mais ágil a realização da operação, na visão do órgão
governamental.
No entanto, o Ministério ressalta, em nota, que a falta
da regulamentação do Conselho Monetário Nacional (CMN) sobre este
aspecto não inviabiliza a portabilidade, inclusive, com seu custo
cartorário reduzido, como determina a Lei 12.703, de 2012.
Mas, de acordo com o especialista em crédito imobiliário,
Marcelo Prata, é difícil afirmar que os bancos não estão cumprindo a
lei enquanto a regulamentação não sai.
Isso porque ela é complementada pelo Projeto de Lei de
Conversão (PLV) 4/2013, aprovado pelo Plenário do Senado na última
quinta-feira (18) e encaminhado à sanção presidencial. O objetivo
principal do projeto é evitar práticas anticoncorrenciais entre as
instituições financeiras, diz Prata.
"Se tiver banco que recompra dívidas a cada mês, vamos
voltar à década de 80, onde havia somente um banco que fazia
financiamentos de imóveis. Isso é ruim para o mutuário, que fica sem
opção".
O projeto obriga o credor a emitir documento atestando a
validade da transferência. Entretanto, a instituição candidata a ser a
nova credora da dívida imobiliária deverá enviar ao credor original a
oferta apresentada ao mutuário, como taxa de juros, custo efetivo total,
prazo, valor das prestações e sistema de pagamento utilizado.
Em cinco dias úteis, o mutuário poderá desistir da
transferência ao aceitar uma contra-oferta do credor original ou manter a
operação por meio da quitação do saldo pelo novo banco credor. No caso
da efetivação da transferência, o credor original poderá exigir
ressarcimento financeiro do novo credor, pelo custo envolvido na
operação de crédito inicial. O Conselho Monetário Nacional poderá
limitar esse ressarcimento.
Outro lado
As instituições financeiras, por meio da Associação
Brasileira das Entidades de Crédito Imobiliário e Poupança (Abecip),
admitem que há entraves nas operações.
Em nota, a associação declara que "as características
próprias das operações de crédito imobiliário tornam a portabilidade
mais complexa que nas demais modalidades de crédito". A consequência é a
necessidade de regulamentação. O PLV 4/2013, na visão da Abecip, apara
"algumas arestas jurídicas". Dessa forma, "a portabilidade do crédito
imobiliário poderá ocorrer com fluidez", diz, em nota.
Os bancos se resignam a dizer que cumprem a legislação
que rege a portabilidade do crédito imobiliário e, até a publicação
desta matéria, o Itaú não respondeu à solicitação da reportagem sobre a
prática relatada pelo mutuário.
O Bradesco esclarece, em nota, que em processos de
portabilidade de financiamento imobiliário o cliente detentor do
financiamento deve solicitar o valor do saldo devedor do seu contrato na
agência onde possui conta corrente.
Abuso
Enquanto as novas regras não são aprovadas, a economista
do Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec), Ione Amorim,
ressalta que o mutuário pode ter que arcar com todos os custos
cartoriais da portabilidade.
“A regra atual não deixa claro quem se responsabiliza
pelos custos de cartório. Por conta disso, os processos podem não andar,
e a taxa de juros menor não compensar. E, para fazer o cálculo de todas
as taxas que podem incidir na operação, pode ser necessária até mesmo a
contratação de uma assessoria jurídica pelo mutuário”.
A saída, aconselham os especialistas, é que os mutuários
tentem renegociar a taxa de juros do financiamento com o banco gerador
do crédito, antes de optar pela portabilidade.
De acordo com Renata Reis, supervisora da área de
assuntos financeiros e habitação do Procon-SP, mesmo sem a
regulamentação da regra, entraves para a portabilidade, prevista por
lei, pode se enquadrar como ‘prática abusiva’. "A instituição financeira
geradora do crédito não pode se negar a realizar a operação porque não
terá prejuízo, já que ela será liquidada”.
"A portabilidade de crédito é um direito do consumidor
garantido pelo Banco Central", completa Renata. "Qualquer negativa,
inclusive a de fornecimento de informações sobre a operação, deve ser
denunciada à autarquia e aos órgãos de defesa do consumidor”, conclui.
Fonte: IG São Paulo - Marília Almeida
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