Atualmente, por intermédio de uma simples pesquisa na internet é possível localizar centenas, ou até milhares, de matérias, reclamações entre outras situações envolvendo questões relacionadas ao atraso na entrega de imóveis adquiridos na planta, tanto para fins residenciais como comerciais.
Para o presente estudo não adentraremos no mérito da validade ou invalidade das cláusulas que concedem, sem qualquer prejuízo para as construtoras, o prazo de 180 dias para atrasar a entrega da obra. Isso porque, a discussão sobre a validade do prazo ajustado de 180 dias necessita da análise do caso especifico e termos contratuais.
O fato concreto é que, o consumidor e a construtora ao assinarem o contrato de compra e venda do imóvel assumem reciprocamente direitos e obrigações. No entanto, excluído raras exceções, o consumidor por estar diante de um contrato de adesão não consegue alterar as cláusulas impostas, fato que é observado ao analisarmos a maioria dos contratos, uma vez que as sanções impostas ao consumidor no caso de descumprir sua obrigação “são mais punitivas” do que quando a descumpridora das obrigações é a construtora, ocasião em que inexistem sanções ou a sanção é demasiadamente suave, não refletindo em nenhum temor efetivo pelo descumprimento do contrato.
Como consequência, acompanhando a expansão imobiliária no Brasil, há reflexo crescente no judiciário acerca dos inúmeros conflitos oriundos dos contratos de compra e venda que são firmados.
Um dos principais assuntos discutidos é decorrente do atraso na entrega do imóvel, situação em que caberá ao judiciário avaliar se há ou não equidade nas cláusulas contratuais contratadas e definir o valor devido em decorrência do atraso na entrega do bem.
Isso porque, em alguns casos, mesmo existindo no contrato cláusula penal no caso de atraso da entrega do imóvel, a sanção é extremamente amena para construtora, situação que coloca o consumidor em extrema desvantagem, por conseguinte, não raramente, o Judiciário considera nula tais cláusulas, nos moldes do previsto no Art.51, I, III e IV, in verbis:
Art. 51. São nulas de pleno direito, entre outras, as cláusulas contratuais relativas ao fornecimento de produtos e serviços que:
I - impossibilitem, exonerem ou atenuem a responsabilidade do fornecedor por vícios de qualquer natureza dos produtos e serviços ou impliquem renúncia ou disposição de direitos. Nas relações de consumo entre o fornecedor e o consumidor, pessoa jurídica, a indenização poderá ser limitada, em situações justificáveis;
...
III - transfiram responsabilidades a terceiros;
IV - estabeleçam obrigações consideradas iníquas, abusivas, que coloquem o consumidor em desvantagem exagerada, ou sejam incompatíveis com a boa-fé ou a eqüidade;
Assim, superado o prazo previsto para entrega do bem, está concretizado o descumprimento contratual por parte da construtora, ensejando no direito à indenização. E a discussão judicial será para apurar o valor a ser indenizado, sendo que para o presente estudo analisaremos a situação em que o imóvel adquirido não será utilizado para uso próprio.
Ora, é de conhecimento de todos que em decorrência da expansão imobiliária a compra, venda e aluguel de imóveis residenciais e/ou comerciais tem demonstrado ser uma fonte rentável para alguns investidores. E tais pessoas, sejam PF ou PJ, da mesma sorte daqueles que utilizarão do imóvel para fins próprios sofrem prejuízos decorrentes do atraso na entrega do bem e, portanto, possuem direito à indenização.
O amparo legal para o pleito indenizatório vai além dos dispositivos contidos no Código de Defesa do Consumidor, pois o Código Civil também protege o comprador, nos moldes do disposto no Art. 395, in verbis "Responde o devedor pelos prejuízos a que sua mora der causa, mais juros, atualização dos valores monetários segundo índices oficiais regularmente estabelecidos, e honorários de advogado.” cumulado com o Art. 402. “Salvo as exceções expressamente previstas em lei, as perdas e danos devidas ao credor abrangem, além do que ele efetivamente perdeu, o que razoavelmente deixou de lucrar”.
A aplicabilidade dos dispositivos é possível, pois ao realizar a aquisição do imóvel na planta o adquirente almeja obter, após a entrega do imóvel, rendimento inerente ao próprio bem, seja pela comercialização ou locação do imóvel, situação que lhe é subtraída em virtude do atraso na entrega. Ou seja, o dano indenizável é fruto da privação sofrida pelo adquirente no uso do bem adquirido.
Já, para apuração quantitativa do dano necessário utilizar no mínimo duas vertentes: a) definição do período do dano, que será o lapso temporal entre a data de entrega contratualmente prevista e a data da efetiva entrega do bem e b) apuração do valor do dano mensal.
Com relação ao período de entrega, como exposto inicialmente, o posicionamento exato depende do caso concreto e dos termos contratuais, pois há situações em que o prazo de atraso de 180 (cento e oitenta) dias utilizados como de praxe não são aceitos pelo Judiciário, uma vez que dependem da comprovação de motivo de força maior ou outro contratempo, há, também, decisões em que o Judiciário considera nula tais cláusulas, pois ofertam vantagem excessiva à construtora em detrimento do adquirente e há situações em que o próprio Judiciário considera válida tais cláusulas, senão vejamos:
“Ementa Compra e venda Atraso na entrega do imóvel Lucro cessante decorrente de atraso dispensa comprovação Jurisprudência do STJ Não comprovação de que volume de chuvas ou escassez de mão de obra impediram entrega no prazo Afastamento de força maior Cláusula de tolerância de 180 dias não foi destacada ou justificada, diverge de informação ostensiva e surpreendeu comprador Cláusula abusiva e nula (art. 51, inc. IV, par. 1º, inc. II, e art. 54, par. 4º, CDC) Lucros cessantes a partir da data de entrega ostensivamente informada Ausência de contratação de SATI e corretagem pelo comprador Cabível ressarcimento pela vendedora de valores pagos por esses serviços pelo comprador Inexistência de ofensa a direito da personalidade Dano moral incabível Recurso da vendedora parcialmente provido Recurso Adesivo do comprador provido. (Apelação nº 0136330- 78.2012.8.26.0100, da Comarca de São Paulo)”
“COMPROMISSO DE COMPRA E VENDA. AQUISIÇÃO DE UNIDADE AUTÔNOMA. ALEGAÇÃO DE CLÁUSULA ABUSIVA. DESCABIMENTO. Cláusula prevendo o prazo de tolerância de 180 dias que não se mostra abusiva, inclusive este prazo é de praxe nas negociações envolvendo imóvel em construção. Superveniência de atraso na entrega da unidade condominial por 05 (cinco) meses apontada em sede de apelação. Autores que não demonstraram satisfatoriamente os prejuízos materiais sofridos, principalmente no que tange ao pagamento de alugueres. Recurso desprovido. (TJ-SP; APL 0121178-92.2009.8.26.0100; Ac. 5651993; São Paulo; Décima Câmara de Direito Privado; Rel. Des. Coelho Mendes; Julg. 31/01/2012; DJESP 23/02/2012)”
“APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS E MATERIAIS EM RAZÃO DO SUPOSTO ATRASO NA ENTREGA DO IMÓVEL. Não obstante a requerida tenha adiado algumas vezes a entrega da unidade residencial, verifica-se que os adiamentos ocorreram dentro do prazo de prorrogação de 180 (cento e oitenta) dias previsto expressamente no contrato. Ausente, portanto, um dos pressupostos da responsabilidade civil, qual seja, a conduta lesiva. Improcedência d demanda. Provimento do apelo. Recurso adesivo prejudicado. (TJ-SE; AC 2011209275; Ac. 12813/2011; Segunda Câmara Cível; Rel. Des. Cezário Siqueira Neto; DJSE 30/09/2011; Pág. 30)”
Destarte, temos que a maioria das decisões atuais consideram o prazo de 180 (cento e oitenta) dias como praxe nas negociações, não ensejando o direito ao pleito indenizatório, excetuando situações específicas, que ocorrem na minoria dos casos concretos.
Em situação oposta está o direito a indenização quando comprovado o atraso na entrega do imóvel, pois, em grande parte das decisões, o Judiciário acata o requerimento formulado pelo comprador prejudicado. Sempre ressaltando que qualquer decisão judicial envolverá o amplo debate processual, razão pela qual é imprescindível que o consumidor prejudicado reúna a maior quantidade de documentos para comprovar seu prejuízo.
Assim, considerando que na presente exposição estamos analisando a situação em que o adquirente não utilizará do imóvel para ocupação própria e sim para auferir renda decorrente da locação, o valor a ser pleiteado deverá ser o equivalente ao rendimento que teria se o imóvel estivesse alugado.
E, em que pese parecer uma situação abstrata, o lucro cessante não é algo hipotético, pois originário de um efeito danoso concreto (atraso na entrega do imóvel) e é plenamente possível presumir o prejuízo sofrido, sendo exigível apenas que o lesado consiga demonstrar, dentro da razoabilidade, o montante do dano sofrido. E, por não existir nenhuma fórmula matemática para auferir o montante a ser indenizado, exige-se a analise concreta do caso específico.
Contudo, por mais que, em algumas situações, a apuração do valor necessite de ampla instrução probatória, tal situação não retira do comprador o direito à indenização, conforme decisões recentes proferidas pelos STJ. Vejamos:
“REsp 1355554 / RJ RECURSO ESPECIAL 2012/0098185-2 - Ministro SIDNEI BENETI - DJe 04/02/2013 – Ementa DIREITO CIVIL. PROMESSA DE COMPRA E VENDA DE IMÓVEL EM CONSTRUÇÃO. INADIMPLEMENTO PARCIAL. ATRASO NA ENTREGA DO IMÓVEL. MORA. CLÁUSULA PENAL. PERDAS E DANOS. CUMULAÇÃO. POSSIBILIDADE. 1.- A obrigação de indenizar é corolário natural daquele que pratica ato lesivo ao interesse ou direito de outrem. Se a cláusula penal compensatória funciona como pre-fixação das perdas e danos, o mesmo não ocorre com a cláusula penal moratória, que não compensa nem substitui o inadimplemento, apenas pune a mora. 2.- Assim, a cominação contratual de uma multa para o caso de mora não interfere na responsabilidade civil decorrente do retardo no cumprimento da obrigação que já deflui naturalmente do próprio sistema. 3.- O promitente comprador, em caso de atraso na entrega do imóvel adquirido pode pleitear, por isso, além da multa moratória expressamente estabelecida no contrato, também o cumprimento, mesmo que tardio da obrigação e ainda a indenização correspondente aos lucros cessantes pela não fruição do imóvel durante o período da mora da promitente vendedora. 4.- Recurso Especial a que se nega provimento”
“AgRg no REsp 1202506 / RJ AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL 2010/0123862-0 Relator(a) Ministro SIDNEI BENETI (1137) Órgão Julgador T3 - TERCEIRA TURMA Data do Julgamento 07/02/2012 Data da Publicação/Fonte DJe 24/02/2012 Ementa AGRAVO REGIMENTAL - COMPRA E VENDA. IMÓVEL. ATRASO NA ENTREGA - LUCROS CESSANTES - PRESUNÇÃO - CABIMENTO - DECISÃO AGRAVADA MANTIDA - IMPROVIMENTO. 1.- A jurisprudência desta Casa é pacífica no sentido de que, descumprido o prazo para entrega do imóvel objeto do compromisso de compra e venda, é cabível a condenação por lucros cessantes. Nesse caso, há presunção de prejuízo do promitente-comprador, cabendo ao vendedor, para se eximir do dever de indenizar, fazer prova de que a mora contratual não lhe é imputável. Precedentes. 2.- O agravo não trouxe nenhum argumento novo capaz de modificar o decidido, que se mantém por seus próprios fundamentos. 3.- Agravo Regimental improvido.”
Destarte, para “transformar” em moeda o valor do lucro cessante (prejuízo pela não fruição do imóvel) é necessário que o comprador apresente o valor médio da locação por m² na região e outras situações que justifiquem o valor almejado, podendo até fazer uso de perito particular para justificar seus anseios.
Entretanto, a definição do valor a título de locação será apurado por intermédio de amplo debate judicial e, considerando a variedade dos casos concretos, há no judiciário elevada heterogenia no valor definido como aluguel mensal, sendo normalmente estabelecido entre 0,5% a 1,10% do valor de mercado do imóvel. O que na verdade, muitas vezes, corresponde ao valor padrão percentual da locação, sem esquecer as peculiaridades de cada feito.
Assim, após a apuração do valor mensal do aluguel, índices e formas de atualização, o montante auferido poderá ser utilizado para abater do saldo devedor ou será ressarcido ao comprador, de acordo com o caso específico.
O fundamental é percebermos que o Judiciário está atento ao aumento dos litígios relacionados com o atraso na entrega do imóvel e, na medida do possível, tem proferido decisões que visam estabelecer o tão almejado sentido de JUSTIÇA, na essência de seu significado.
Em outra esfera, como a questão de lucro cessante envolve litigio judicial, é importante que o comprador tenha sanadas todas dúvidas inerentes ao processo, pois, em algumas situações, ao analisarmos o custo X beneficio de uma ação judicial (gastos com advogados, custas, lapso temporal e risco) com a proposta que algumas construtoras ofertam em decorrência do atraso, pode ser mais rentável aceitar a proposta oferecida, deixando o litigo processual para situações em que há longo período de atraso e intransigência por parte da vendedora na composição.
Fonte: Revista Consultor Jurídico, 23 de fevereiro de 2013
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