domingo, 3 de fevereiro de 2013

ENFITEUSE, TERRENOS DE MARINHA E COBRANÇAS ILEGAIS PELA SECRETARIA DO PATRIMÔNIO DA UNIÃO (SPU)


O instituto da enfiteuse, que é uma das mais antigas espécies de direito real, é o ato pelo qual o proprietário de terras não cultivadas ou de terrenos que se destinem a edificação transmite o seu domínio útil, perpetuamente, ao adquirente (enfiteuta), mediante a obrigação deste de manter o imóvel em bom estado, efetuar o pagamento de uma prestação anual ao proprietário (senhorio direto) e pagar o laudêmio quando da transferência dos direitos de ocupação, sendo reconhecido pela doutrina como o mais amplo direito sobre propriedade alheia.

Desde a vigência do Código Civil de 2002, está proibida a constituição de enfiteuses e subenfiteuses civis, permanecendo apenas as existentes. Quanto a esse ponto, vale dizer que a Constituição Federal de 1988, ao dispor sobre a função social da propriedade, exigiu uma adequação do diploma civil, pois a enfiteuse, limitada no seu objeto e na sua perpetuidade, já não mais satisfazia as necessidades sociais, hoje enfatizadas na evolução contínua da política urbana e fundiária, razão pela qual foi instituído o direito de superfície no seu lugar.

No entanto, superveniência do direito de superfície e proibição da constituição de enfiteuses civis não alteram as enfiteuses de bens da União, em especial os casos de terreno de marinha, que são regulados por lei própria e permanecem existindo, numerosamente, em todo o território brasileiro.

Os terrenos de marinha são os imóveis que margeiam o mar, rios e lagoas, no continente ou em ilhas, onde exista a influência das marés, por uma faixa de 33 metros contados para o lado da terra a partir da média das marés altas de 1831, época em que foi criado o conceito de terreno de marinha.

Nesse ponto, vale dizer que tal medição é alvo de diversas críticas, dada à impossibilidade de demarcação correta dos terrenos, pois como não se tem os dados precisos, adota-se um valor presumido, o que contraria a lei. Além disso, segundo estudos técnicos, caso seja realizada a demarcação dos terrenos corretamente uma grande porção dos terrenos tidos, atualmente, como terrenos de marinha, estariam livres da prestação anual e do laudêmio.

Justamente por essa razão a Secretaria do Patrimônio da União (SPU), órgão responsável por administrar os bens da União e cobrar tais pagamentos, que se diga, não são tributos, e sim contraprestação pecuniária em razão de obrigação contratual, não tem qualquer interesse em impulsionar a mudança deste método. Da mesma forma, não é de interesse do Poder Legislativo a alteração da lei, sob a justificativa de ser uma proposta inadequada financeiramente, pois, não podendo cobrar as prestações anuais e laudêmios dessa parcela de terrenos de marinha que deixariam de ser enquadrados como tal, perderia importante receita.

Além disso, existem outras irregularidades já verificadas que comete a SPU. Não pode ela atualizar a prestação anual paga pelo enfiteuta de acordo com o valor do imóvel, pois apenas cabe a atualização monetária anual dos valores já cobrados. Da mesma forma, não podem ser cobradas prestações anuais e laudêmios sobre benfeitorias construídas sobre os terrenos de marinha, como por exemplo, casas, apartamentos, salas, pois essas não estão sujeitas a tal incidência, conforme determina a lei. Ainda, recentemente o Supremo Tribunal Federal julgou inconstitucional dispositivo que permitia à SPU, na fase de demarcação dos terrenos de marinha, intimar os proprietários por edital, devendo ser obrigatoriamente da forma pessoal, sob pena de ocasionar a impossibilidade da cobrança das prestações anuais e laudêmios.

Em que pese questões bastante discutíveis, principalmente no que se refere à imprecisa demarcação dos terrenos de marinha, que envolve estudos técnicos e questão política, tais pontos são passíveis de discussão no Poder Judiciário, sendo possível ingressar com medida judicial para depósito em juízo daquilo que é cobrado ilegalmente para posterior discussão e para ressarcimento do que foi cobrado indevidamente nos últimos cinco anos.

Por fim, vale ressaltar que, pela possibilidade de transmissão por sucessão da enfiteuse, e em razão da legislação especial aplicável aos bens da União que até então segue valendo, principalmente em relação aos terrenos de marinha, a enfiteuse deve perdurar no sistema jurídico brasileiro, inoportunamente, por pelo menos mais algumas décadas, razão pela qual se deve atentar para as questões acima elencadas, como forma de reduzir as irregulares cobranças feitas pela SPU.

Autor: Gabriel Teixeira Ludvig

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