As empresas de construção civil admitem que houve um aumento no registro de atrasos na entrega de imóveis residenciais, especialmente em São Paulo, nos últimos anos, mas dizem que não houve erros no planejamento. Para o setor imobiliário, o problema é que o mercado cresceu muito rapidamente, e não houve capacidade para dar conta da elevação repentina da demanda.
“O problema é que a indústria vinha muito parada e teve uma aceleração muito rápida. Por mais de duas décadas, a demanda ficou reprimida, e de repente cresceu rapidamente e por muito tempo, sem que a indústria estivesse preparada para suprir ela. Foi como uma garrafa de champanhe, que segura a pressão e de repente estoura”, explicou Eduardo Zaidan, diretor de economia do Sindicato da Indústria da Construção Civil do Estado de São Paulo (SindusCon-SP).
O presidente do Sindicato da Habitação do Estado de São Paulo (Secovi), João Crestana, diz preferir não falar em crise no setor. “O que existe são dores do crescimento. Junto com o crescimento rápido do mercado, vêm dores por conta dele, mas não uma crise em si”, disse.
Ele ressaltou que, nos últimos oito anos, o mercado do setor foi multiplicado por 20. “Em 2002 e 2003, o financiamento de imóveis no Brasil ficou em torno de R$ 4 milhões por ano. Em 2010, foram R$ 80 milhões. As empresas não deram conta, os fornecedores não deram conta, a prefeitura não deu conta de regularizar tantos imóveis novos. Formam-se filas, e essas filas também se enfileram, atrasando tudo. A burocracia não estava preparada para tanta demanda, as empresas também não, os cartórios não conseguem dar conta da demanda. A educação brasileira não dá conta de formar a quantidade de profissionais de que o mercado precisa”, disse.
Gargalos
Segundo dados do SindusCon-SP, a mão de obra empregada pelo setor em São Paulo atualmente é de 3 milhões de trabalhadores, contra 1,6 milhão em 2006 - um aumento de quase 100% em 5 anos. E mão de obra não foi a única coisa que faltou, segundo ele. “Nos últimos anos, registramos falta de terrenos em algumas partes da cidade, faltou bate-estaca, guincho, grua, equipamentos em geral, além de mão de obra, projetistas, engenheiros”, disse.
Todos esses “gargalos” acabam afetando de forma geral os prazos das obras, além da própria forma de produção, os preços, os salários dos trabalhadores. “A produção imobiliária se dá em longuíssimo prazo. Isso que se vê agora nos atrasos é resultado de algo que acontece há mais de 2 anos, e que começou a chegar ao consumidor final mais recentemente, mas a indústria já lida com dificuldades há mais tempo, e já traballhou para corrigir essas falhas.
Segundo Crestana, a obra em si representa apenas 50% do prazo de entrega e do atraso. “Muito do que acontece atualmente se dá por problemas na burocracia para entregar imóveis”, explicou. Até mesmo leis pensadas para melhorar o trânsito de São Paulo, segundo ele, atrapalham a velocidade das obras. “O fato de a prefeitura proibir entrega de materiais de contrução de dia, por conta da limitação na circulação de caminhões, também atrasa as obras. Esse tipo de barreira não tinha como ser previsto pelo mercado.”
Em entrevista ao G1, o presidente da Associação Brasileira da Indústria de Materiais de Construção (Abramat), Melvin Fox, admitiu que em 2008 houve problemas no setor, e que a indústria não estava preparada para o crescimento, mas disse não houve nada específico que tenha faltado por muito tempo e que não acredita que os atrasos registrados na entrega de material naquela época sejam causa de atrasos até os dias de hoje. "Não consigo ver nada de material que cause atraso na entrega atualmente. A demanda do ano já foi cumprida", disse, alegando que o setor está trabalhando a 86% da capacidade.
Crescimento chinês em democracia
Segundo Rogério Jonas Zylberstajn, vice-presidente da RJZ Cyrela, o Brasil não se preparou para crescer tão rapidamente quanto nos últimos anos, e houve uma série de problemas no mercado imobiliário por conta do crescimento excessivo, acumulando gargalos em efeito dominó. Segundo ele, o país vive uma “crise de crescimento”.
Uma das principais barreiras, segundo ele, foi a falta de mão-de-obra para trabalhar na construção civil. Antes, explicou, era fácil trazer trabalhadores das regiões Norte e Nordeste do país para o Sudeste, mas com o crescimento dessas regiões, isso se tornou mais difícil. Com a demanda excessiva e a falta de mão-de-obra, aumentam os preços e cai a qualidade do trabalho, a produtividade, disse.
“Tivemos crescimento chinês em plena democracia. No Brasil, os trabalhadores têm direitos, a indústria segue regras, e isso também gera barreiras à manutenção do crescimento.”
Zylberstajn diz que apesar de esses gargalos terem influência nacional, no Rio de Janeiro os problemas estão exponencializados e são muito maiores. “Uma das causas é que as Olimpíadas aumentam a demanda, criam uma disputa com obras do governo (por mão de obra e materiais), e não permitem que muitos prazos sejam estendidos, já que o evento é um prazo em si. Olimpíadas têm data, não dá para adiar.”
Estabilidade
Depois do “estouro da garrafa de champanhe”, entretanto, a tendência é de normalização no fluxo, ou de ter um crescimento mais controlado, explicou o diretor de economia do SindusCon-SP.
“A tendência agora é estabilizar, crescer mais lentamente. Entramos numa nova fase. A indústria se adaptou, mudou os prazos, buscou maior produtividade. As taxas de crescimento vão ser menos espetaculares, mas não há risco de recessão no horizonte”, disse.
E os dados do mercado parecem comprovar isso. As vendas de imóveis novos na cidade caíram 16,2% em março contra fevereiro deste ano, e desabaram 61,8% em relação ao ano anterior, segundo o Secovi-SP, indicando um momento de inflexão no setor.
O presidente do Secovi ressalta que após a surpresa com o grande crescimento, a indústria está começando a dar conta dos gargalos, “planejando com antecedência, se preparando para lidar com essas dificuldades”, disse Crestana.
As obras que estão sendo vendidas hoje, segundo Odair Senra, do Sinduscon-SP, já seguem um novo planejamento, que leva em conta os possíveis gargalos, e “não haverá mais esse problema tão acentuado”.
Fonte: G1 economia
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