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Com a dinâmica dos negócios
imobiliários, surgiu entre nós novo ajuste no qual são combinados, num
contexto, locação, empreitada, aquisição imobiliária e uma série de
obrigações acessórias.
No modelo, explica o ilustre advogado
Marcelo Valença, a parte interessada em ocupar um imóvel para certa
atividade empresarial contrata com um empreendedor imobiliário a
aquisição de um terreno em uma localização estrategicamente selecionada
pelo ocupante; a construção de um edifício no terreno para atender às
suas necessidades empresariais; e a locação, do empreendedor para o
ocupante, do Terreno/Edifício (Built to Suit – Operação de Crédito
Estruturada, RDB 27/328).
Como o negócio não tem previsão legal, e
muitas de suas convenções afrontam regras locatícias de ordem pública,
ocorreu a ideia de alterar a Lei do Inquilinato para incluí-lo.
O Projeto de Lei Complementar nº 60, de
2012, com esse fim, acaba de ser aprovado no Senado e segue para a
presidência, tendo sido alardeado como oportuno e necessário. Sua
eventual sanção será, de certo, festejada por muitos investidores e
empresários do mercado imobiliário.
Particularmente, tenho cá minhas dúvidas se nós, meros cidadãos, teremos iguais motivos para comemorar.
Com efeito, se examinarmos, com atenção,
o conjunto negocial que forma a locação “built to suit” (BTS), e as
regras que o PLC 60/2012 quer instituir, alguma preocupação,
provavelmente, nos assaltará.
Logo de saída, avulta a impropriedade da
aglutinação dos negócios componentes do BTS como locação. Disso
exsurgem as “incompatibilidades” (exposição à revisão do aluguel,
devolução antecipada do imóvel pelo locatário e multa de três aluguéis)
que acabaram, incrivelmente, sendo a própria justificativa do projeto –
ao invés de determinarem o afastamento da base inquilinária para tal
contrato, como seria de se esperar.
O cerne do problema está em identificar o elemento “preço” de tal reunião de contratos sob o exclusivo nome de “aluguel”.
Ao assim tratar uma prestação complexa,
e, ao mesmo tempo, pretender salvaguardar os demais interesses ali
presentes, inevitável será o choque com as regras locatícias vigentes.
Outro ponto importante é o do “aluguel”
que no BTS acaba sendo bem superior ao de mercado. É por isso, aliás,
que o projeto autoriza a assombrosa “renúncia” ao direito de revisar o
aluguel periodicamente (direito que protege o equilíbrio do contrato).
O projeto autoriza a assombrosa renúncia ao direito de revisar o aluguel
O verdadeiro “horror” que os defensores
desse curioso modelo têm da revisão do aluguel, afinal, não é à toa.
Como, no BTS, além do aluguel normal, cobra-se uma parcela de aquisição
imobiliária ou empreitada “disfarçada” de aluguel, uma revisional
poderia deflagrar o artifício – reduzindo a contraprestação ao aluguel
real, como, inclusive, já ocorreu (RT 724/371).
De todo modo, fato é que a imprópria
denominação do “preço” no BTS (indicando como aluguel prestações que não
o são) acarreta problemas insolúveis ou apenas passíveis de parcial
solução com uma subversão da estrutura lógico-sistemática da Lei
Inquilinária, como a que se vê no projeto em pauta.
Mas, se o aluguel, no BTS, é,
sabidamente, parte “aluguel”, parte “outra coisa”, qual a razão para se
esconder, sob a primeira rubrica, esse “outro componente”?
A resposta repousa nos “benefícios
tributários” que isso acarreta via dedução possibilitada pelo gasto com
aquisição imobiliária ou empreitada conformado como despesa, em
comparação com o que ocorre num negócio de aquisição imobiliária ou de
empreitada comuns.
Essa arquitetura jurídica parece supor
que chamar diversas retribuições (pertencentes à aquisição ou
empreitada) pelo nome de “aluguel” seria expediente apto a lhes alterar a
natureza jurídica.
Porém, a realidade do direito não é essa
e a mudança do nome, por mais repetida que seja, não altera a natureza
de um instituto ou prestação. Questão que, certamente, sobreviverá à
alteração legislativa em exame.
Outro problema desse modelo é a
duplicidade de cobrança: por um lado o locador recebe o aluguel de certo
imóvel e, além disso, por outro lado, recebe parcela destinada a
amortizar o “investimento” relativo à aquisição, construção ou reforma
do imóvel ao qual corresponde aquele aluguel!
Acrescente-se o fato de que, no BTS, o
imóvel ou a obra ficam para o investidor (e não para quem os pagou: o
locatário), que poderá, ainda, descontar seus créditos contratuais no
mercado.
Temo que os tempos da criteriosa tutela locatícia, que tanto já protegeu o mercado, estejam com os dias contados.
O dirigismo não é obra do acaso, mas fruto de longa experiência na luta contra abusos de toda sorte.
Ademais, ante do travestimento de outras
prestações contratuais em simples aluguel, o uso desse modelo
acarretará aumento dos aluguéis de mercado, com efeitos deletérios para o
controle inflacionário.
Outrossim, embora se diga serem os
imóveis no BTS feitos para necessidades especiais, na prática, o que se
vê são escritórios, galpões, supermercados e lojas comuns cuja única
particularidade é terem rebuscado contrato objetivando afastar de seu
encalço regras cogentes.
No mais, apesar de ter sofrido emenda, o retorno do PLC à casa de origem não foi observado.
Agora, o último bastião contra o
retrocesso de nosso sistema inquilinário será a “caneta” presidencial.
Resta saber se ela irá lançar seu veto” heroico!
Autor: Waldir de Arruda Miranda Carneiro - Advogado em São Paulo.
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