quinta-feira, 3 de janeiro de 2013

PROJETO DE LEI COMPLEMENTAR Nº.60/2012 INCLUI BUILT TO SUIT NA LEI DO INQUILINATO

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Com a dinâmica dos negócios imobiliários, surgiu entre nós novo ajuste no qual são combinados, num contexto, locação, empreitada, aquisição imobiliária e uma série de obrigações acessórias.

No modelo, explica o ilustre advogado Marcelo Valença, a parte interessada em ocupar um imóvel para certa atividade empresarial contrata com um empreendedor imobiliário a aquisição de um terreno em uma localização estrategicamente selecionada pelo ocupante; a construção de um edifício no terreno para atender às suas necessidades empresariais; e a locação, do empreendedor para o ocupante, do Terreno/Edifício (Built to Suit – Operação de Crédito Estruturada, RDB 27/328).

Como o negócio não tem previsão legal, e muitas de suas convenções afrontam regras locatícias de ordem pública, ocorreu a ideia de alterar a Lei do Inquilinato para incluí-lo.

O Projeto de Lei Complementar nº 60, de 2012, com esse fim, acaba de ser aprovado no Senado e segue para a presidência, tendo sido alardeado como oportuno e necessário. Sua eventual sanção será, de certo, festejada por muitos investidores e empresários do mercado imobiliário.

Particularmente, tenho cá minhas dúvidas se nós, meros cidadãos, teremos iguais motivos para comemorar.

Com efeito, se examinarmos, com atenção, o conjunto negocial que forma a locação “built to suit” (BTS), e as regras que o PLC 60/2012 quer instituir, alguma preocupação, provavelmente, nos assaltará.

Logo de saída, avulta a impropriedade da aglutinação dos negócios componentes do BTS como locação. Disso exsurgem as “incompatibilidades” (exposição à revisão do aluguel, devolução antecipada do imóvel pelo locatário e multa de três aluguéis) que acabaram, incrivelmente, sendo a própria justificativa do projeto – ao invés de determinarem o afastamento da base inquilinária para tal contrato, como seria de se esperar.

O cerne do problema está em identificar o elemento “preço” de tal reunião de contratos sob o exclusivo nome de “aluguel”.

Ao assim tratar uma prestação complexa, e, ao mesmo tempo, pretender salvaguardar os demais interesses ali presentes, inevitável será o choque com as regras locatícias vigentes.

Outro ponto importante é o do “aluguel” que no BTS acaba sendo bem superior ao de mercado. É por isso, aliás, que o projeto autoriza a assombrosa “renúncia” ao direito de revisar o aluguel periodicamente (direito que protege o equilíbrio do contrato).

O projeto autoriza a assombrosa renúncia ao direito de revisar o aluguel

O verdadeiro “horror” que os defensores desse curioso modelo têm da revisão do aluguel, afinal, não é à toa. Como, no BTS, além do aluguel normal, cobra-se uma parcela de aquisição imobiliária ou empreitada “disfarçada” de aluguel, uma revisional poderia deflagrar o artifício – reduzindo a contraprestação ao aluguel real, como, inclusive, já ocorreu (RT 724/371).

De todo modo, fato é que a imprópria denominação do “preço” no BTS (indicando como aluguel prestações que não o são) acarreta problemas insolúveis ou apenas passíveis de parcial solução com uma subversão da estrutura lógico-sistemática da Lei Inquilinária, como a que se vê no projeto em pauta.

Mas, se o aluguel, no BTS, é, sabidamente, parte “aluguel”, parte “outra coisa”, qual a razão para se esconder, sob a primeira rubrica, esse “outro componente”?

A resposta repousa nos “benefícios tributários” que isso acarreta via dedução possibilitada pelo gasto com aquisição imobiliária ou empreitada conformado como despesa, em comparação com o que ocorre num negócio de aquisição imobiliária ou de empreitada comuns.

Essa arquitetura jurídica parece supor que chamar diversas retribuições (pertencentes à aquisição ou empreitada) pelo nome de “aluguel” seria expediente apto a lhes alterar a natureza jurídica.

Porém, a realidade do direito não é essa e a mudança do nome, por mais repetida que seja, não altera a natureza de um instituto ou prestação. Questão que, certamente, sobreviverá à alteração legislativa em exame.

Outro problema desse modelo é a duplicidade de cobrança: por um lado o locador recebe o aluguel de certo imóvel e, além disso, por outro lado, recebe parcela destinada a amortizar o “investimento” relativo à aquisição, construção ou reforma do imóvel ao qual corresponde aquele aluguel!

Acrescente-se o fato de que, no BTS, o imóvel ou a obra ficam para o investidor (e não para quem os pagou: o locatário), que poderá, ainda, descontar seus créditos contratuais no mercado.

Temo que os tempos da criteriosa tutela locatícia, que tanto já protegeu o mercado, estejam com os dias contados.

O dirigismo não é obra do acaso, mas fruto de longa experiência na luta contra abusos de toda sorte.

Ademais, ante do travestimento de outras prestações contratuais em simples aluguel, o uso desse modelo acarretará aumento dos aluguéis de mercado, com efeitos deletérios para o controle inflacionário.

Outrossim, embora se diga serem os imóveis no BTS feitos para necessidades especiais, na prática, o que se vê são escritórios, galpões, supermercados e lojas comuns cuja única particularidade é terem rebuscado contrato objetivando afastar de seu encalço regras cogentes.

No mais, apesar de ter sofrido emenda, o retorno do PLC à casa de origem não foi observado.
Agora, o último bastião contra o retrocesso de nosso sistema inquilinário será a “caneta” presidencial. Resta saber se ela irá lançar seu veto” heroico!

Autor: Waldir de Arruda Miranda Carneiro - Advogado em São Paulo.

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