Ponderar a demora no procedimento do financiamento
habitacional e o respeito ou não ao direito constitucional à moradia.
Realizando um balanço dos objetivos alcançados e dos principais aspectos
positivos e negativos
Desde os primórdios o homem busca
uma moradia como lugar de abrigo, proteção, privacidade, tranquilidade e
segurança; inicialmente embaixo das copas das árvores, nas cavernas e
grutas e posteriormente através de construções com as pedras, os ossos,
os galhos, as folhas das árvores e as palhas, madeira, barro, tijolos,
telhas, até as casas residenciais que conhecemos atualmente.
Iniciou-se a
defesa ao direito à moradia em 1948 com a Declaração Universal dos
Direitos Humanos, onde em seu artigo XXV estabelece:
Toda pessoa tem direito a um padrão de vida capaz de assegurar a si e a sua família saúde e bem-estar, inclusive alimentação, vestuário, habitação, cuidados médicos e os serviços sociais indispensáveis. – grifos nossos -
Conforme será insculpido no decurso do trabalho, moradia é um direito
fundamental assegurado constitucionalmente. Entendendo-se como moradia
adequada aquela onde se pode viver com dignidade, sem ameaça de remoção,
servida de infraestrutura básica, localizada em áreas com acesso à
educação, à saúde, ao transporte público, ao lazer e a todos os direitos
fundamentais que asseguram o Principio constitucional maior da
dignidade da pessoa humana, considerado fundamento de todo o sistema dos
direitos fundamentais, como afirma por Ingo Wolfgang, onde estes
constituem concretizações e desdobramentos daquele.
A relevância do tema reside no fato de muitos brasileiros através do
processo de financiamento habitacional, na tentativa de adquirir a casa
própria, através do Sistema Nacional Habitacional (SNH) ou do Sistema de
Financiamento Imobiliário (SFI), buscando garantir assim o seu direito
fundamental à moradia.
A escolha do tema que versa sobre a lentidão do procedimento do
financiamento habitacional, expediente cotidiano na vida dos
brasileiros, decorre da relevância social, política e jurídica da
matéria, tendo em vista a prática reiterada na vida dos cidadãos
brasileiros, conflitando ou não com o princípio constitucional norteador
de toda Carta Magna, Principio da dignidade da vida humana,
Oportunizando o estudo e análise dos procedimentos inerentes ao
financiamento habitacional, especialmente o instituto e sua análise sob o
aspecto constitucional e principiológico, o qual é um instituto
moderno, complexo, intrigante e bastante polêmico.
1. Direito à Moradia
Para alguns doutrinadores o direito à moradia difere do direito à
propriedade; entendendo que pela Constituição Brasileira, todas as
pessoas têm direito à moradia, ainda que não sejam proprietárias de
nenhum imóvel. Assim, o direito à moradia deve garantido mesmo que
esteja irregular o título de propriedade do imóvel junto ao cartório de
registro de imóveis, que a construção esteja irregular junto à
Prefeitura ou que a casa não seja própria seja alugada.
Havendo assim
várias formas de exercer o direito à moradia, desde que haja condições
mínimas para uma existência humana digna.
Porém outra parte da doutrina sustenta que o direito à moradia está
diretamente relacionado com a propriedade do imóvel, o que em sua grande
maioria só é possível mediante um financiamento bancário.
A Constituição Federal do Brasil de 1988 (CF) no seu artigo 7º ao
apresentar os direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, no inciso IV
estabelece que o salário mínimo deve atender as necessidades vitais
básicas do trabalhador e de sua família, dentre as quais se inclui o
direito à moradia.
A Emenda Constitucional nº 26/00, contudo, veio a dilatar os direitos
fundamentais, alterando a redação do artigo 6º, acrescendo o direito à
moradia, incluindo-o dentre os direitos sociais a serem fomentados pelo
Estado e pela coletividade; tendo este íntima ligação com o Princípio da
dignidade da pessoa humana.
São direitos sociais a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia,
o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à
infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição. –
grifos nossos -
Além de ter impulsionado a discussão dentro do direito civil quanto à questão da impenhorabilidade do bem de família, alavancou também a luta dos movimentos sociais urbanos e o empenho do governo na promoção de programas habitacionais e de melhorias de saneamento básico e de condições de vida;
como resultado temos programas sociais como: Minha Casa, minha vida,
PAC, recentemente o aumento do prazo de financiamento para 35 (trinta e
cinco) anos. A atuação do governo frente à problemática da moradia é de
competência comum da entre todos os Entes da Federação, de acordo com
artigo 23, IX, da CF, na qual atuam em cooperação administrativa
recíproca, visando alcançar os objetivos.
Como também fortalece o novo conceito de propriedade que não pode
mais ser vista apenas como um direito real, sendo seu conteúdo delineado
pelo direito constitucional, definindo como direito individual e
social. Assim, a Constituição assegura o direito de propriedade e
estabelece a formulação da compreensão acerca da função social da
propriedade, que deixa de ser um direito absoluto, ilimitado e passa a
sofrer restrições para que seu uso, garantindo o bem-estar e
desenvolvimento social.
Na Constituição Federal de 1988 o direito à propriedade foi garantido
enquanto direito fundamental (artigo 5º, XXII), sendo um direito
inviolável e essencial ao ser humano, posto ao lado de outros direitos,
como a vida, a liberdade, a segurança, etc. Mas também à propriedade foi
atribuído interesse social, pois o artigo 5º, XXIII prega que “a
propriedade atenderá a sua função social”, portanto, fica condicionada à
efetividade de sua função social.
2. Sistema Habitacional
O financiamento habitacional pode ser obtido o crédito de duas
formas. A primeira e mais tradicional é o Sistema Financeiro de
Habitação (SFH), criado pelo governo em 1964, e que tem a Caixa
Econômica Federal como principal intermediário, sendo utilizado para
porver o crédito os recursos do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço -
FGTS, da conta de depósitos de poupança, de financiamentos contraídos no
país ou no exterior para a execução de projetos de habitações e de
letras imobiliárias (títulos de crédito) emitidos pelos agentes
financeiros.
A segunda modalidade de financiamento é o Sistema
de Financiamento Imobiliário (SFI), que permite o
crédito habitacional concedido com recursos dos próprios bancos. As
taxas de juros no âmbito do SFI são livremente negociadas entre as
partes do contrato.
Porém o procedimento em especial do SNH prolonga-se por muito tempo,
por tratar-se de um procedimento burocrático e que demanda diversos
documentos e requisitos dos envolvido e do próprio objeto, atualmente o
prazo para que o dinheiro e o imóvel sejam liberados, normalmente é
superior a 03 (três) meses, chegando em alguns casos a 06 (seis) meses
ou mais, dependendo para isso da regularidade do imóvel, e de todos os
requisitos dos envolvidos na transação imobiliária, como também do
empenho e eficácia dos agentes envolvidos na venda e compra do imóvel,
ou seja, o corretor, despachante, banco e os compradores e vendedores em
alguns casos.
A lentidão em sua grande maioria é consequência da busca da
documentação necessária seja do imóvel, seja do comprador ou do
vendedor; deve-se buscar formas mais eficientes de realizar esses
procedimentos, inicialmente esclarecendo todos os requisitos necessários
à plena satisfação do financiamento em questão e também com o empenho
do Estado exigindo e fiscalizando continuamente de forma mais atuando a
regularização dos imóveis, o que reduziria o tempo necessário para a
efetivação do financiamento habitacional; mas que por tratar de uma soma
de valores em geral alta e em especial de dinheiro do cidadão, deve-se
haver um rigor, o que não significa uma lentidão, para a aquisição desse
crédito. Essa ineficiência e ineficácia do sistema financeiro faz com
que o mutuário algumas vezes veja-se prejudicado.
Trata-se de um tema não pacifico, temos uma jurisprudência
divergente, que considera a demora do financiamento habitacional danoso
ao mutuário temos:
APELAÇÃO CÍVEL. CONTRATO DE MÚTUO HABITACIONAL. SFH.
INDENIZAÇÃO. DEMORA INJUSTIFICADA PARA LIBERAÇÃO DO GRAVAME HIPOTECÁRIO.
DANO MORAL CARACTERIZADO. Apelação Cível Nº 70045397858, Nona Câmara
Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Tasso Caubi Soares Delabary,
Julgado em 26/10/2011.
Em sentido diverso, encontramos:
CIVIL E CDC.
DEMORA NA ANÁLISE CADASTRAL PARA APROVAÇÃO DE FINANCIAMENTO. DANO MORAL
NÃO CONFIGURADO. MERO DISSABOR. SENTENÇA MANTIDA. RECURSO IMPROVIDO.
[...] 4. A espera para obtenção de autorização para financiamento de
compra, acompanhado do fornecimento de todas as informações solicitadas
pelo financiador, não passa de mero dissabor normal do cotidiano. 5. É
lícito à empresa cercar-se dos cuidados necessários à concessão de
créditos, não sendo exigível que desonere o consumidor de demonstrar que
reúne condições para aprovação do financiamento. não houve, segundo se
depreende da própria inicial, quebra do dever do fornecedor do serviço
de prestar os esclarecimentos necessários quanto à impossibilidade de
contratar. TJDF. ACJ 20070610050730 DF. Relatora: Carmen Bittencourt.
Primeira Turma Recursal dos Juizados Especiais Cíveis e Criminais do
D.F. Data de publicação: DJU 16/09/2008 Pág. : 173.
3. Conclusão
É importante frisar que apesar do financiamento habitacional ser um
procedimento com certa complexidade, necessitando da verificação de
inúmeros requisitos e documentos; não é considerável razoável o tempo
demandado para que realmente seja efetivado o financiamento do imóvel; o
que se constata é a delonga demasiada de um procedimento que se arrasta
por meses, porém persevera que é imprescindível ser verificado e
avaliado os cadastros dos compradores e vendedores do imóvel, como
também a documentação do imóvel, bem como as certidões negativas de
ambos.
Notadamente percebe-se ser prejudicando os envolvidos diretos na
transação, por se encontrarem desgastados em especial aquele que tenta
adquirir a casa própria, em sua grande maioria sonhando em realizar o
sonho da casa própria, garantindo para si e sua família o direito à
moradia digna.
Entretanto, o que acirra a presente proposição, é o fato de estarem
em conflito o direito fundamental entalhado na Carta Magna da República,
o direito à moradia e o principio da eficiência versus a segurança da
transação, que em suma versa sobre dinheiro do cidadão em suas diversas
vertigens; analogamente pode considerar também o principio do devido
processo, com suas fases procedimentais. Assim sendo, presentes estarão
nesta pesquisa, questões diversas sobre o tema, com as inúmeras e
conflitantes posições acerca do assunto, inclusive, ainda que
brevemente, questões sociais, jurídicas, financeiras e políticas.
Especialmente, deve-se analisar o conflito existente, ao passo se
esta delonga procedimental lesa o direito à moradia, o apesar de
retarda-lo, não chega a desrespeita-lo.
De um lado, a dignidade da pessoa humana que, por sua vez, deve ser
reconhecida como a prerrogativa de todo ser humano de não ser
prejudicado em sua vida digna e de fruir o direito à moradia; em outro
lado, o direito contratual, empresarial, entre outros.
Em suma, reside a presente pesquisa, nesses diapasões.
REFERÊNCIAS
ANTOLINI, Tiago Johnson Centeno. Financiamento Habitacional: Dicas e Sugestões. Curitiba: Juruá, 2009.
BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF: Senado, 1998.
Breves Comentários Sobre o Direito à Moradia no Brasil. Disponível em: < http://www.webartigos.com/artigos/breves-comentarios-sobre-o-direito-a-moradia-no-brasil/11869/>. Acesso Em: 19/06/2012.
Como surgiram as moradias. Disponível em :<http://www.escolakids.com/como-surgiram-as-moradias.htm>. Acesso em: 20/06/2012.
GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito Civil Brasileiro: Contratos e Atos Unilaterais. . Vol. III. 7ª ed. São Paulo: Saraiva, 2010.
NUNES, Rizzatto. O princípio constitucional da dignidade da pessoa humana. 3 ª ed. São Paulo: Saraiva, 2010.
OLIVEIRA, Guilherme Lopes. Financiamento imobiliário e o direito constitucional à moradia. Disponível em: <http://www.nucciadvogados.com.br/arquivos/doc_25.pdf>. Acesso em: 18/06/2012.
SCAVONE JUNIOR, Luiz Antônio. Direito Imobiliário: Teoria e Prática. 4ª ed. São Paulo: Forense, 2011.
Autor: Kenia Rosado
Fonte: www.meuadvogado.com
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