quarta-feira, 16 de janeiro de 2013

DEMORA NA CONCESSÃO DO FINANCIAMENTO IMOBILIÁRIO

Ponderar a demora no procedimento do financiamento habitacional e o respeito ou não ao direito constitucional à moradia. Realizando um balanço dos objetivos alcançados e dos principais aspectos positivos e negativos

Desde os primórdios o homem busca uma moradia como lugar de abrigo, proteção, privacidade, tranquilidade e segurança; inicialmente embaixo das copas das árvores, nas cavernas e grutas e posteriormente através de construções com as pedras, os ossos, os galhos, as folhas das árvores e as palhas, madeira, barro, tijolos, telhas, até as casas residenciais que conhecemos atualmente. 

Iniciou-se a defesa ao direito à moradia em 1948 com a Declaração Universal dos Direitos Humanos, onde em seu artigo XXV estabelece:
Toda pessoa tem direito a um padrão de vida capaz de assegurar a si e a sua família saúde e bem-estar, inclusive alimentação, vestuário, habitação, cuidados médicos e os serviços sociais indispensáveis. – grifos nossos -

Conforme será insculpido no decurso do trabalho, moradia é um direito fundamental assegurado constitucionalmente. Entendendo-se como moradia adequada aquela onde se pode viver com dignidade, sem ameaça de remoção, servida de infraestrutura básica, localizada em áreas com acesso à educação, à saúde, ao transporte público, ao lazer e a todos os direitos fundamentais que asseguram o Principio constitucional maior da dignidade da pessoa humana, considerado fundamento de todo o sistema dos direitos fundamentais, como afirma por Ingo Wolfgang, onde estes constituem concretizações e desdobramentos daquele.

A relevância do tema reside no fato de muitos brasileiros através do processo de financiamento habitacional, na tentativa de adquirir a casa própria, através do Sistema Nacional Habitacional (SNH) ou do Sistema de Financiamento Imobiliário (SFI), buscando garantir assim o seu direito fundamental à moradia.

A escolha do tema que versa sobre a lentidão do procedimento do financiamento habitacional, expediente cotidiano na vida dos brasileiros, decorre da relevância social, política e jurídica da matéria, tendo em vista a prática reiterada na vida dos cidadãos brasileiros, conflitando ou não com o princípio constitucional norteador de toda Carta Magna, Principio da dignidade da vida humana,

Oportunizando o estudo e análise dos procedimentos inerentes ao financiamento habitacional, especialmente o instituto e sua análise sob o aspecto constitucional e principiológico, o qual é um instituto moderno, complexo, intrigante e bastante polêmico.

1. Direito à Moradia
Para alguns doutrinadores o direito à moradia difere do direito à propriedade; entendendo que pela Constituição Brasileira, todas as pessoas têm direito à moradia, ainda que não sejam proprietárias de nenhum imóvel. Assim, o direito à moradia deve garantido mesmo que esteja irregular o título de propriedade do imóvel junto ao cartório de registro de imóveis, que a construção esteja irregular junto à Prefeitura ou que a casa não seja própria seja alugada. 

Havendo assim várias formas de exercer o direito à moradia, desde que haja condições mínimas para uma existência humana digna.

Porém outra parte da doutrina sustenta que o direito à moradia está diretamente relacionado com a propriedade do imóvel, o que em sua grande maioria só é possível mediante um financiamento bancário.

A Constituição Federal do Brasil de 1988 (CF) no seu artigo 7º ao apresentar os direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, no inciso IV estabelece que o salário mínimo deve atender as necessidades vitais básicas do trabalhador e de sua família, dentre as quais se inclui o direito à moradia.

A Emenda Constitucional nº 26/00, contudo, veio a dilatar os direitos fundamentais, alterando a redação do artigo 6º, acrescendo o direito à moradia, incluindo-o dentre os direitos sociais a serem fomentados pelo Estado e pela coletividade; tendo este íntima ligação com o Princípio da dignidade da pessoa humana.

São direitos sociais a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição. – grifos nossos -

Além de ter impulsionado a discussão dentro do direito civil quanto à questão da impenhorabilidade do bem de família, alavancou também a luta dos movimentos sociais urbanos e o empenho do governo na promoção de programas habitacionais e de melhorias de saneamento básico e de condições de vida; como resultado temos programas sociais como: Minha Casa, minha vida, PAC, recentemente o aumento do prazo de financiamento para 35 (trinta e cinco) anos. A atuação do governo frente à problemática da moradia é de competência comum da entre todos os Entes da Federação, de acordo com artigo 23, IX, da CF, na qual atuam em cooperação administrativa recíproca, visando alcançar os objetivos.

Como também fortalece o novo conceito de propriedade que não pode mais ser vista apenas como um direito real, sendo seu conteúdo delineado pelo direito constitucional, definindo como direito individual e social. Assim, a Constituição assegura o direito de propriedade e estabelece a formulação da compreensão acerca da função social da propriedade, que deixa de ser um direito absoluto, ilimitado e passa a sofrer restrições para que seu uso, garantindo o bem-estar e desenvolvimento social.

Na Constituição Federal de 1988 o direito à propriedade foi garantido enquanto direito fundamental (artigo 5º, XXII), sendo um direito inviolável e essencial ao ser humano, posto ao lado de outros direitos, como a vida, a liberdade, a segurança, etc. Mas também à propriedade foi atribuído interesse social, pois o artigo 5º, XXIII prega que “a propriedade atenderá a sua função social”, portanto, fica condicionada à efetividade de sua função social.

2. Sistema Habitacional
O financiamento habitacional pode ser obtido o crédito de duas formas. A primeira e mais tradicional é o Sistema Financeiro de Habitação (SFH), criado pelo governo em 1964, e que tem a Caixa Econômica Federal como principal intermediário, sendo utilizado para porver o crédito os recursos do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço - FGTS, da conta de depósitos de poupança, de financiamentos contraídos no país ou no exterior para a execução de projetos de habitações e de letras imobiliárias (títulos de crédito) emitidos pelos agentes financeiros.

A segunda modalidade de financiamento é o Sistema de Financiamento Imobiliário (SFI), que permite o crédito habitacional concedido com recursos dos próprios bancos. As taxas de juros no âmbito do SFI são livremente negociadas entre as partes do contrato.

Porém o procedimento em especial do SNH prolonga-se por muito tempo, por tratar-se de um procedimento burocrático e que demanda diversos documentos e requisitos dos envolvido e do próprio objeto, atualmente o prazo para que o dinheiro e o imóvel sejam liberados, normalmente é superior a 03 (três) meses, chegando em alguns casos a 06 (seis) meses ou mais, dependendo para isso da regularidade do imóvel, e de todos os requisitos dos envolvidos na transação imobiliária, como também do empenho e eficácia dos agentes envolvidos na venda e compra do imóvel, ou seja, o corretor, despachante, banco e os compradores e vendedores em alguns casos.

A lentidão em sua grande maioria é consequência da busca da documentação necessária seja do imóvel, seja do comprador ou do vendedor; deve-se buscar formas mais eficientes de realizar esses procedimentos, inicialmente esclarecendo todos os requisitos necessários à plena satisfação do financiamento em questão e também com o empenho do Estado exigindo e fiscalizando continuamente de forma mais atuando a regularização dos imóveis, o que reduziria o tempo necessário para a efetivação do financiamento habitacional; mas que por tratar de uma soma de valores em geral alta e em especial de dinheiro do cidadão, deve-se haver um rigor, o que não significa uma lentidão, para a aquisição desse crédito. Essa ineficiência e ineficácia do sistema financeiro faz com que o mutuário algumas vezes veja-se prejudicado.

Trata-se de um tema não pacifico, temos uma jurisprudência divergente, que considera a demora do financiamento habitacional danoso ao mutuário temos:
APELAÇÃO CÍVEL. CONTRATO DE MÚTUO HABITACIONAL. SFH. INDENIZAÇÃO. DEMORA INJUSTIFICADA PARA LIBERAÇÃO DO GRAVAME HIPOTECÁRIO. DANO MORAL CARACTERIZADO. Apelação Cível Nº 70045397858, Nona Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Tasso Caubi Soares Delabary, Julgado em 26/10/2011.
Em sentido diverso, encontramos:
CIVIL E CDC. DEMORA NA ANÁLISE CADASTRAL PARA APROVAÇÃO DE FINANCIAMENTO. DANO MORAL NÃO CONFIGURADO. MERO DISSABOR. SENTENÇA MANTIDA. RECURSO IMPROVIDO. [...] 4. A espera para obtenção de autorização para financiamento de compra, acompanhado do fornecimento de todas as informações solicitadas pelo financiador, não passa de mero dissabor normal do cotidiano. 5. É lícito à empresa cercar-se dos cuidados necessários à concessão de créditos, não sendo exigível que desonere o consumidor de demonstrar que reúne condições para aprovação do financiamento. não houve, segundo se depreende da própria inicial, quebra do dever do fornecedor do serviço de prestar os esclarecimentos necessários quanto à impossibilidade de contratar. TJDF. ACJ 20070610050730 DF. Relatora: Carmen Bittencourt. Primeira Turma Recursal dos Juizados Especiais Cíveis e Criminais do D.F. Data de publicação: DJU 16/09/2008 Pág. : 173.

3. Conclusão
É importante frisar que apesar do financiamento habitacional ser um procedimento com certa complexidade, necessitando da verificação de inúmeros requisitos e documentos; não é considerável razoável o tempo demandado para que realmente seja efetivado o financiamento do imóvel; o que se constata é a delonga demasiada de um procedimento que se arrasta por meses, porém persevera que é imprescindível ser verificado e avaliado os cadastros dos compradores e vendedores do imóvel, como também a documentação do imóvel, bem como as certidões negativas de ambos.

Notadamente percebe-se ser prejudicando os envolvidos diretos na transação, por se encontrarem desgastados em especial aquele que tenta adquirir a casa própria, em sua grande maioria sonhando em realizar o sonho da casa própria, garantindo para si e sua família o direito à moradia digna.

Entretanto, o que acirra a presente proposição, é o fato de estarem em conflito o direito fundamental entalhado na Carta Magna da República, o direito à moradia e o principio da eficiência versus a segurança da transação, que em suma versa sobre dinheiro do cidadão em suas diversas vertigens; analogamente pode considerar também o principio do devido processo, com suas fases procedimentais. Assim sendo, presentes estarão nesta pesquisa, questões diversas sobre o tema, com as inúmeras e conflitantes posições acerca do assunto, inclusive, ainda que brevemente, questões sociais, jurídicas, financeiras e políticas.

Especialmente, deve-se analisar o conflito existente, ao passo se esta delonga procedimental lesa o direito à moradia, o apesar de retarda-lo, não chega a desrespeita-lo.

De um lado, a dignidade da pessoa humana que, por sua vez, deve ser reconhecida como a prerrogativa de todo ser humano de não ser prejudicado em sua vida digna e de fruir o direito à moradia; em outro lado, o direito contratual, empresarial, entre outros.

Em suma, reside a presente pesquisa, nesses diapasões.

REFERÊNCIAS
ANTOLINI, Tiago Johnson Centeno. Financiamento Habitacional: Dicas e Sugestões. Curitiba: Juruá, 2009.
BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF: Senado, 1998.
Breves Comentários Sobre o Direito à Moradia no Brasil. Disponível em: < http://www.webartigos.com/artigos/breves-comentarios-sobre-o-direito-a-moradia-no-brasil/11869/>. Acesso Em: 19/06/2012.
Como surgiram as moradias. Disponível em :<http://www.escolakids.com/como-surgiram-as-moradias.htm>. Acesso em: 20/06/2012.
GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito Civil Brasileiro: Contratos e Atos Unilaterais. . Vol. III. 7ª ed. São Paulo: Saraiva, 2010.
NUNES, Rizzatto. O princípio constitucional da dignidade da pessoa humana. 3 ª ed. São Paulo: Saraiva, 2010.
OLIVEIRA, Guilherme Lopes. Financiamento imobiliário e o direito constitucional à moradia. Disponível em: <http://www.nucciadvogados.com.br/arquivos/doc_25.pdf>. Acesso em: 18/06/2012.
RIOS, Arthur. Manual de Direito Imobiliário. 4ª Ed. Curitiba: Juruá, 2010.
SCAVONE JUNIOR, Luiz AntônioDireito Imobiliário: Teoria e Prática. 4ª ed. São Paulo: Forense, 2011.

Autor: Kenia Rosado 
Fonte: www.meuadvogado.com

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