Pelourinho - Salvador / Bahia
Uma questão freqüente nos programas de requalificação de sítios
históricos é como tratar a população que habita estes locais, geralmente
composta de pessoas de baixa renda, no âmbito de intervenções cujo
objetivo é valorizar a área com novos investimentos.
Hoje, o desafio colocado aos gestores destes programas é o de buscar
soluções, tanto de planejamento quanto de projeto, que evitem que as
ações de reabilitação urbana e valorização econômica resultem na
expulsão desse contingente populacional, historicamente excluído das
benesses trazidas pelos investimentos públicos no espaço urbano.
A polêmica em torno da estratégia a ser utilizada nas ações de
reabilitação de áreas urbanas degradadas, em especial em sítios
históricos, envolve uma disputa entre o setor imobiliário e os órgãos de
gestão do patrimônio cultural, que parte do tradicional impasse entre
as políticas de preservação e as políticas de desenvolvimento econômico.
As primeiras tidas como um fator “engessamento” da cidade, que impede o
crescimento e o desenvolvimento econômico e urbano, e as últimas
consideradas predatórias e a serviço do grande capital, que destrói a
memória da cidade e de seus habitantes em prol da obtenção de lucros
cada vez maiores através da especulação imobiliária.
Nesse contexto, o tombamento ora é tratado como um mecanismo de
“congelamento” da cidade sendo, portanto, visto como um empecilho para a
sua “modernização”, ora é utilizado por grupos sociais como um dos
instrumentos que podem garantir qualidade de vida numa cidade
gradativamente descaracterizada e deteriorada pelas desordenadas
transformações urbanas.
Com a criação do Estatuto da Cidade, concretiza-se o conceito de
função social da propriedade, possibilitando o surgimento de uma espécie
de “função social do patrimônio histórico e cultural”, que resultou em
uma série de projetos de intervenção em perímetros centrais que buscam
concatenar as necessidades de preservação com outras questões urbanas,
como a adequação da infraestrutura, as políticas habitacionais e a
inclusão social.
Nessas intervenções se entende que preservar o patrimônio histórico é
valorizar a memória de uma comunidade, fortalecendo os laços de
identidade entre as suas várias gerações. Dessa identidade também fazem
parte os moradores e as atividades tradicionalmente desenvolvidas nas
áreas tombadas. Esse entendimento é incompatível com a transformação dos
sítios reabilitados em cenários para turistas.
Quando – além das questões culturais – existe a proposta de melhorar a
qualidade da habitação ou repovoar os centros, os imóveis tombados têm o
importante papel de concretizar o direito a moradia da população de
baixa renda em áreas bem localizadas da cidade, possibilitando que o
patrimônio edificado seja efetivamente apropriado pela comunidade.
Para tanto, é necessário pensar articuladamente as políticas de
planejamento urbano e de preservação, utilizando os instrumentos do
Estatuto da Cidade para compatibilizar os interesses dos diversos
segmentos atuantes em uma área tombada, de modo a minimizar os conflitos
existentes e promover seu uso por todos os segmentos da população.
A Transferência do Direito de Construir, por exemplo, pode ser
utilizada em parceria com o tombamento, a fim de oferecer uma espécie de
“compensação” aos proprietários de imóveis localizados em sítios
tombados a fim de preservar a ambiência e impedir que novas intervenções
modifiquem suas características.
Outra possibilidade é a utilização de benefícios fiscais e
tributários. Os tributos sobre imóveis urbanos, assim como as tarifas
relativas a serviços públicos, podem ser diferenciados em função de seu
interesse social. Dessa forma, é possível estabelecer uma política de
subsídios para as tarifas dos serviços de energia elétrica e saneamento
para áreas e imóveis urbanos onde morem pessoas de baixa renda. Esse
tipo de política pode ser essencial para manutenção dessa população em
imóveis localizados em sítios protegidos, cujo custo de conservação é
bem mais alto que o de imóveis comuns.
Outros instrumentos como ZEIS, direito de preempção, IPTU
progressivo, outorga onerosa ou até mesmo programas de locação social
podem ser pensados a partir da lógica de valorização do patrimônio
através de sua apropriação pela população e pela cidade. Assim,
independente da fórmula escolhida, o importante é começar a pensar as
ações de preservação no âmbito das políticas de gestão do uso do solo,
partindo do pressuposto que o acesso ao patrimônio cultural faz parte do
processo de democratização do espaço urbano e promoção de cidades mais
justas e democráticas.
Fonte: Carolina Bayma Cavalcanti - Coordenadora do Programa de Reabilitação de Áreas Urbanas Centrais do Ministério das Cidades.
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