segunda-feira, 15 de novembro de 2010

O E-MAIL COMO PROPOSTA VINCULANTE NO NOVO CÓDIGO CIVIL


“O problema fundamental em relação aos direitos do homem, hoje, não é tanto o de justificá-los, mas o de protegê-los” Norberto Bobbio in A Era dos Direitos, Ed. Campus.

O dia acorda com o Sol, sendo que uma parcela cada vez mais crescente da população brasileira, e enfim, mundial, faz acordar seu trabalho com a abertura da caixa de e-mails possibilitada por vários programas e webmails. Não obstante a isto, este exercício ansioso e diário na busca de quem possa ter enviado algo ou algum cartão, mensagem, notícia útil ou resposta de e-mails enviados, hodiernamente, começa a transformar-se em outro exercício a ser realizado, qual seja, o da paciência e o da surpresa, exceções às expectativas e regularidade da ética e do proceder cibernéticos.

Hoje, abrir ‘caixas’ de e-mails é na verdade uma verdadeira surpresa, muitas vezes desagradável e demorada. E-mails auto-executáveis que contêm vírus, mensagens prometendo riquezas, divulgação de boatos(1) , propagandas e propostas oferecendo serviços e produtos de empresas e ainda, o que poderia ser mais absurdo, a venda de milhões de e-mails, que se diga pertencente aos internautas, acompanhados de um verdadeiro e completo orçamento. Mas isso tudo seria maravilhoso, se não fosse uma completa invasão e uso do endereço virtual – e-mail - sem qualquer autorização, o que é mais comumente chamado de spam.

Abstraindo-se, para este estudo, da problemática do spam que aliás entendemos ser um ato antijurídico por violar princípios e direitos fundamentais no Ordenamento Jurídico, dentre estes a privacidade e os dados pessoais, muitas destas propostas que chegam até nossas caixas de e-mails têm valor jurídico e vinculativo do proponente do contrato sugerido, ou mais comumente chamado na doutrina civilista, de policitante.

Com pouco esforço de Hermenêutica Jurídica, podemos chegar à conclusão de que a proposta, ou seja, “a oferta dos termos de um negócio, convidando a outra parte a com eles concordar.”(2) , encerrando os termos de um contrato, encaminhada por e-mail, vincula o proponente que a enviou.

Assim também regra geral do Código Civil de 1916, Art. 1.080, repetida no Novo Código Civil, Lei nº 10.406 de 10 de janeiro de 2002, referente à Formação dos Contratos é a que “A proposta de contrato obriga o proponente se o contrário não resultar dos termos dela, da natureza do negócio, ou das circunstâncias do caso.”(Art. 427,NCC). Portanto, a Norma Civil buscou deferir às relações, maior estabilidade e segurança jurídicas, vinculando o proponente à proposta feita, e evitando a lesão das expectativas do aceitante, quando do momento da aceitação ou do acordo de vontades e da aderência integral daquilo que antes fora proposto (Art. 431, NCC).

Portanto, a proposta obriga o proponente, exceto nos casos do Art. 428 do NCC, ou seja, quando:
a) Não estipulado o prazo para aceitação, entre pessoas presentes (428,I, NCC), a proposta não foi imediatamente aceita;
b) Estipulado o prazo para aceitação, entre pessoas presentes, esgota-se este prazo sem aceitação;
c) Não estipulado o prazo para aceitação, entre pessoas ausentes, não chegar a aceitação em tempo suficiente;
d) Estipulado o prazo para aceitação, entre pessoas ausentes, esgota-se este prazo sem que a aceitação seja expedida;
e) Antes ou simultaneamente à chegada da proposta chegue ao conhecimento do aceitante a retratação, o arrependimento da proposta.

O primeiro ponto que nos exige atenção diz-nos respeito ao conceito jurídico indeterminado(3) exposto no Código Civil que nos propõe o termo pessoa presente (Art. 428,I, NCC) que poderá ser “aquela que contrata por telefone ou por meio de comunicação semelhante.”

Fica claro que este meio de comunicação semelhante só o é, em relação ao telefone, coisa, da espécie do gênero telecomunicação. Se formos à pesquisa sistemática do Ordenamento Jurídico Brasileiro, verificaremos o conceito de Telecomunicação por sua Lei nº 9.472 de 16 de julho de 1997, sendo que teremos :

“Art. 60. Serviço de telecomunicações é o conjunto de atividades que possibilita a oferta de telecomunicação.
§ 1° Telecomunicação é a transmissão, emissão ou recepção, por fio, radioeletricidade, meios ópticos ou qualquer outro processo eletromagnético, de símbolos, caracteres, sinais, escritos, imagens, sons ou informações de qualquer natureza.”(4) (grifo nosso)

Por sua vez, ao defrontarmo-nos com o conceito de Internet para a verificação da questão de se o e-mail possa ser enquadrado tecnicamente como o semelhante ao telefone, também teremos:

”2.1 A Internet é um conjunto de redes interligadas, de abrangência mundial. Através da Internet estão disponíveis serviços como correio eletrônico, transferência de arquivos, acesso remoto a computadores, acesso a bases de dados e diversos tipos de serviços de informação, cobrindo praticamente todas as áreas de interesse da Sociedade.”(5) (grifos nossos)

Os dois conceitos, Internet e Telecomunicações, são diferentes tecnicamente por ser clara a não expressão das mesmas realidades, contudo, saltam destes, as idéias de meios de acesso às informações, e aqui sim, confluindo-se a estreiteza entre os conceitos de telefone e telecomunicação e e-mail e Internet. Por serem meios de comunicação e informação, chegamos à clara conclusão de que na verdade o telefone do Código Civil do ano de 1916 pode ser considerado comunicação semelhante ao e-mail existente a quando do Código Civil do ano de 2002, enquanto legítimos meios de informação.

Mas não é só por serem meios de informação que têm importância para o Direito Civil, mas, especificamente, por serem meios onde a manifestação da vontade através da declaração (Art. 112, NCC) ou o silêncio (Art. 111, NCC) pode ser realizada, e neste sentido concluir contratos.

Daí então que, o e-mail quando, porventura, trouxer alguma proposta de contrato, vincula, obriga, nos termos do Art. 427 do Novo Código Civil, o proponente ou policitante* caso haja nos termos antes ditos, a aceitação do oblato, aperfeiçoando e concluindo, destarte, o contrato pelo encontro de vontades receptícias. Assim versa a excelente doutrina de Silvio Rodrigues:

“As regras sobre a proposta e a aceitação, contidas no Código de 1916, foram repetidas no Código de 2002, apesar de já serem obsoletas há anos, De há muito a invenção de formas instantâneas de comunicação, tais como telex, o fax, o e-mail devia ter feito o codificador do novo Código atualizar as regras sobre a maneira como se aperfeiçoa o contrato. Assim, ao responder à pergunta sobre se haverá negócio entre presentes no caso de duas pessoas que habitualmente contratam por meio desses aparelhos mais modernos, inclino-me a fazê-lo afirmativamente.”(6)

Além do mais, esta forma de declaração de vontade contratual através do e-mail, com a hodierna possibilidade da Certificação Digital e da temática do e-mail como prova, torna-se ainda mais forte e segura como uso corrente na sociedade e pelo Direito Civil, mais especificamente no ramo contratual.

Concluindo, por esta interpretação do e-mail como meio de expressão da declaração de vontade através da proposta de um contrato, esta vincula quem a propõe e se aperfeiçoa com o encontro da vontade do aceitante, concluindo o contrato ao “responder ao remetente”. Portanto, o e-mail está na sociedade como mais uma forma a frutificar contratos, tanto oferecido a um indivíduo, quanto ao público (Arts. 429, NCC e, 30 do CDC), e nesta última hipótese geralmente tem originado o tormentoso spam. Mas nem isto, retira-lhe o espírito de obrigatoriedade, a força vinculante, a autonomia da vontade, e a sua função social (Art. 421, NCC), princípios contratuais a que as partes devem observar sob pena de invalidarem o negócio jurídico a que virtualmente, ou melhor, a que presencialmente (Art.428, I, NCC) se obrigaram a cumprir.

O e-mail inaugura um novo meio da declaração de vontade contratual virtual, mas que obriga tanto quanto as outras, e ainda, por toda argumentação já exposta está protegido pelo Novo Código Civil, sobretudo, por ser um meio que possibilita, sem mais complexidades, a manifestação da vontade e logo, suas conseqüências jurídicas.

Notas de rodapé:

1 Conhecidas também como “HOAX”, “boato”, que ultimamente atribuem a arquivos legítimos de sistema a qualidade de serem vírus, incutindo nos internautas a ação de eliminação do referido arquivo e logo, a destruição de arquivos do sistema operacional. Vide por ex. os sites http://www2.uol.com.br/info/aberto/infonews/112001/01112001-17.shl (INFO EXAME: “Hoax usa o Filme http://www.infoguerra.com.br/infonews/viewnews.cgi?newsid1018839600,41722, (“Falso vírus jdbgmgr.exe é variante do boato Sulfnbk.exe” por Giordani Rodrigues). Acesso em 23 de novembro de 2002.

2 RODRIGUES, Silvio. Direito Civil, São Paulo: Saraiva, 28ª edição, 2002, p. 68.

3 Sobre o tema ver obra indispensável de ENGISCH, Karl. Introdução ao Pensamento Jurídico(Trad. J.Baptista Machado), 7ª edição, Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 1996.

4 BRASIL, LEI ORDINÁRIA Nº 9.472 DE 16 DE JULHO DE 1997, que Dispõe sobre a organização dos serviços de telecomunicações, a criação e funcionamento de um órgão regulador e outros aspectos institucionais, nos termos da emenda Constitucional nº 8, de 1995.

5 Disponível no site http://www.cg.org.br/regulamentacao/notas.htm. 6 RODRIGUES, Silvio. Op. cit., p. 70.

Fonte: Amadeu dos Anjos Vidonho Júnior Cedido pelo autor via online.
Revista Jus Vigilantibus

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