É sabido que constitui dever do locatário, além do pagamento pontual dos alugueres, a restituição do bem imóvel nas mesmas condições em que o recebera do locador, exceção feita àquelas deteriorações decorrentes de seu uso normal, não sendo por estas, portanto, responsável.
Em que pese o dever acima, é possível verificar, no dia a dia, inúmeros contratos de locação celebrados de forma descuidada, sem a devida vistoria inicial, apta a resguardar ambas as partes – inquilino e proprietário -, dentro de um contrato de locação.
A Lei nº. 8.245/1991 (Lei do Inquilinato) impõe, dentre os deveres do locador, a necessidade de entregar o bem imóvel locado em estado de servir aos fins a que se destina, devendo fornecer ao locatário, caso este solicite, a descrição minuciosa no momento de sua entrega, com expressa referência aos eventuais defeitos existentes.
Quanto ao locatário, a mesma Lei impõe que ele se sirva do bem imóvel conforme o uso convencionado ou presumido, tratando-o como se fosse seu e levando ao conhecimento do locador os danos porventura nele verificados ou em suas instalações, bem como o restituindo, como já dito, no estado em que o recebera.
Ocorre que, em que pese a Lei falar que o locador deve fornecer a descrição minuciosa do estado do imóvel caso o locatário solicite, o entendimento é que a vistoria é o instrumento adequado a comprovar eventuais danos, sendo, portanto, antes uma cautela do próprio locador para que ele possa se vir ressarcido se necessário for. Afinal, é presumida a culpa do locatário pelos danos existentes no prédio locado quando o desocupa e o entrega ao locador, no entanto como apurar se os danos são anteriores à locação, não havendo prévia constatação do estado do bem?
Na verdade, muito embora qualquer meio de prova moralmente legítimo possa ser utilizado para a comprovação de fatos e atos dentro do Ordenamento Jurídico brasileiro, a experiência mostra que o melhor instrumento, em casos como o que aqui se analisa, é mesmo a vistoria inicial acompanhada e assinada pelos inquilinos e fiadores. O que se vê, nos entendimento dos mais diversos magistrados, é que dificilmente outros meios de provas acabam se revelando idôneos à comprovação de que o locatário teria causado danos com a ocupação do imóvel. Veja, por exemplo, o entendimento jurisprudencial colhido e reproduzido abaixo:
APELAÇÃO. AÇÃO DE COBRANÇA LOCAÇÃO VALORES REFERENTES À REFORMA APÓS DESOCUPAÇÃO DO IMÓVEL. ALEGAÇÃO DE QUE O LOCATÁRIO DEVE ARCAR COM O PREJUÍZO. AUSÊNCIA DE PROVA DE QUE A DETERIORAÇÃO NÃO OCORREU EM VIRTUDE DO USO NORMAL DO BEM. LAUDO DE VISTORIA ELABORADO UNILATERALMENTE. QUEBRA DO PRINCÍPIO DO CONTRADITÓRIO. FOTOGRAFIAS SEM DATA E QUE NÃO PROPORCIONAM VISÃO GERAL DO IMÓVEL. INEFICÁCIA. Recurso não provido. (TJSP – Apelação APL 4571693120108260000 SP 0457169-31.2010.8.26.0000. Publicado em 23/11/2012).
Ação de reparação de danos. Locação de imóvel. Pretensão de cobrança de supostos reparos no imóvel após a desocupação. Ausência de vistoria assinada pelas partes. Prova insuficiente para imputar à ré a responsabilidade pelos danos alegados.
1. Não havendo termos de vistoria inicial e final assinado pelas partes, não há como acolher o pedido de reparação de danos em face do locatário, haja vista que não há parâmetro para confrontação do estado do imóvel antes e depois da locação.
2. Assim, ausente prova no sentido de que o imóvel foi devolvido em condições diversas das que recebido pelo locatário, salvo as deteriorações decorrentes do uso normal (art. 23, III, da Lei 8.245/91), não há obrigação de indenizar.
3. À parte autora incumbe o ônus de demonstrar o fato constitutivo do seu direito, de acordo com o que dispõe o art. 333, I, do CPC. No caso, não se desincumbiu o autor de tal obrigação, razão pela qual não há como determinar a responsabilidade do fiador pelos pagamentos elencados na inicial. Da mesma forma, não há provas de que a ré tenha, de alguma forma, descumprido o contrato, de modo a ser condenada ao pagamento da multa contratual.
Sentença confirmada por seus próprios fundamentos.
Recurso improvido.
(TJRS. Recurso Inominado nº 71003613841. 1ª Turma Recursal Cível )
Importante mencionar, ainda, que as cláusulas gerais previstas contratualmente, tais como “este imóvel se encontra em perfeito estado de conservação”, não se prestam a substituir a vistoria, uma vez que prevalece o entendimento doutrinário e jurisprudencial de que referidos contratos seriam de adesão, envolvendo relação de consumo, na qual o locatário é tido como hipossuficiente e, portanto, as cláusulas contratuais interpretadas a seu favor. Havendo destaque (negrito, caixa alta, etc) a afirmações como estas, há até quem considere passível de comprometer, sim, as partes, no entanto como explicar, na prática, após a entrega das chaves, o que seria este tal perfeito estado de conservação para aquele imóvel específico?
Vale ressaltar, enfim, que os documentos unilateralmente produzidos pelo locador após a saída do locatário do bem imóvel (orçamentos,etc.) mostrar-se-ão imprestáveis para fins de ressarcimento de eventual pedido de indenização. Uma perícia judicial, em caso de impasse, poderá ser realizada, muito embora o custo e tempo que exames como estes exigem podem acabar se mostrando ineficazes ao intento das partes.
O ideal, assim, é que, já no momento da captação de um imóvel – caso do bem vir a ser administrado por terceiros – aconteça uma vistoria inicial, que permitirá ao proprietário e futuro locador do bem acompanhar a conservação e valorização de seu bem dentro do mercado.
Esta vistoria será repetida a toda e nova formação contratual, podendo as partes se valer de instrumentos diversos, como fotos, filmagens, muito embora o aconselhável é a redução a termo das constatações feitas e assinatura pelas partes envolvidas. Só assim haverá a necessária segurança à relação locatícia estabelecida!
Josiane Mafra - Advogada, consultora e assessora jurídica; especialista em Direito Público e mestre em meio ambiente e sustentabilidade.
Fonte: Blog Lopes
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