Em julgamento realizado em 12/2/21, o STF, por unanimidade, firmou a tese de que "o fato gerador do imposto sobre transmissão inter vivos de bens imóveis (ITBI) somente ocorre com a transferência efetiva da propriedade imobiliária, que se dá mediante o competente registro".
A questão submetida à Corte Constitucional (ARE 1294969) versava sobre a possibilidade do município de São Paulo exigir o pagamento de ITBI em operação de cessão de direitos decorrentes de compromisso de venda e compra, sob o fundamento de que para a incidência do imposto - nos termos do disposto no artigo 156, II da CF- bastaria a transmissão do direito por qualquer ato.
O STF houve por bem reconhecer a existência de repercussão geral na matéria a ser decidida, haja vista a multiplicidade de recursos que discutem "a cobrança do ITBI, por município brasileiros, sobre a cessão de direitos de compra e venda de imóvel, mesmo sem registro em cartório de imóveis".
De fato, não são poucos os municípios brasileiros que, em equivocada interpretação do disposto no artigo 156, II da CF, ampliam indevidamente a hipótese de incidência do imposto sobre transmissão de bens imóveis a fim de considerar como fato gerador a cessão particular de direitos sobre bem imóvel.
Os cartórios de registros de imóveis, por sua vez, sob o argumento do respeito à cadeia dominial da matrícula, para o registro de instrumentos particulares e escrituras definitivas ou de escrituras historiadas que demonstram que o titular de domínio do imóvel prometeu vender o bem para terceiro, que por sua vez desistiu do negócio e cedeu-o para outrem, o qual será, então, o novo proprietário tabular, alegando ter havido mais de uma transferência do imóvel, exigem o duplo recolhimento do imposto - bitributação. Essa é uma situação absolutamente corriqueira em muitos municípios.
Olvidam-se por completo do quanto disposto nos artigos 1.227 e 1.245 do CC, claros ao determinar que a transferência de bens imóveis - e dos demais direitos reais - só ocorre "mediante o registro do título translativo no Registro de Imóveis", que em geral é a escritura pública - indispensável para a validade do negócio, consoante dispõe o artigo 108 do CC - para imóveis cujo valor ultrapassar 30 (trinta) salários-mínimos. A transmissão poderá ocorrer por instrumento particular no caso de imóveis de valor inferior ao montante referido.
Dessa forma, é certo que por força do disposto nos artigos 108, 1.227 e 1.245 do CC, a transferência da propriedade do imóvel somente ocorre mediante o registro da escritura pública no cartório de registro de imóveis.
Nesse diapasão, não podem ensejar a cobrança de ITBI os compromissos particulares de venda e compra e as cessões de direito, contratos preliminares que não constituem meio idôneo para a transmissão da propriedade e domínio pleno sobre o imóvel.
O STF, acertadamente, reafirmou a posição há muito sedimentada não apenas pela própria Corte Suprema, mas pelo STJ o qual também já assentou que "a promessa de cessão de direitos à aquisição de imóvel não é fato gerador de ITBI"1.
No julgamento ora em comento, o STF ratificou a ilegitimidade da exigência do ITBI em compromissos particulares de promessa de venda e compra e de cessão de direitos e considerando "a necessidade de se atribuir racionalidade ao sistema de precedentes qualificados", propôs a seguinte tese para fins da repercussão geral:
O fato gerador do imposto sobre transmissão inter vivos de bens imóveis (ITBI) somente ocorre com a efetiva transferência da propriedade imobiliária, que se dá mediante o registro.
Com a consolidação do entendimento do STF em tese clara e objetiva, não se deve mais tolerar qualquer exigência de recolhimento ITBI nas operações de promessa de venda e compra e cessão de direitos - assim como em qualquer ato de disposição de direitos que não tenham o condão de transferir a propriedade do imóvel -, ante a evidente inconstitucionalidade das leis e decretos municipais que determinam a incidência do imposto de transmissão além das hipóteses do artigo 156, II da CF.
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1- AgRg no REsp 982.625/RJ. Segunda Turma. Min. Rel. HUMBERTO MARTINS. j. 16.6.2008.
Atualizado em: 22/2/2021 09:16
Flávia Pereira Ribeiro - Pós-doutora pela Universidade Nova de Lisboa (2020). Doutora em processo civil pela PUC/SP (2012). Mestre em processo civil pela PUC/SP (2008). Especialista em Direito Imobiliário Empresarial pela Universidade Secovi/SP (2014). Membro do IBDP, do CEAPRO e do IASP. Membro do Conselho Editorial da Juruá Editora e da Revista Internacional Consinter de Direito. Diretora Jurídica da ELENA S/A. Sócia de Flávia Ribeiro Advocacia (desde 2008). Atuação no contencioso cível e imobiliário e consultivo imobiliário. Integrante da comissão de elaboração do PL 6.204/2019 - desjudicialização da execução civil.
César Augusto Costa - Advogado. Pós-graduado em Direito Processual Civil pela Universidade Mackenzie. Sócio de Flávia Ribeiro Advocacia.
Fonte: Migalhas de Peso
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