Por unanimidade, o STF reconheceu a existência de repercussão geral da questão constitucional suscitada sobre a não incidência do ITBI na cessão de direitos de bens imóveis, reafirmando assim, a jurisprudência dominante sobre a matéria, em razão das controvérsias instauradas na cobrança realizada pelas fazendas públicas municipais em total desacordo com o determinado pela legislação.
A Constituição Federal, em seu artigo 1561, prevê que os Municípios têm competência para instituir o Imposto sobre Transmissão de Bens Imóveis Inter Vivos (ITBI), que deve ser cobrado pelo município em que o bem está localizado. O ITBI tem como fato gerador a transmissão de bens imóveis, inter vivos, a qualquer título, por ato oneroso, por natureza ou acessão física, e de direitos reais sobre imóveis, exceto os de garantia, bem como a cessão de direitos relativos às transmissões anteriormente mencionadas, o que se perfectibiliza na forma prevista no art. 1.227 e 1.245, ambos do CC2, ou seja, no momento da realização do registro.
O CC é claro ao mencionar que a transmissão de bens imóveis só ocorrerá no momento em que se der a lavratura da escritura pública no Registro de Imóveis, o que corrobora o preconizado pelo CTN, que ao mesmo tempo, estabelece em seu artigo 113, §13, a ocorrência do fato gerador do ITBI que desencadeia a obrigação de pagamento do tributo e a extinção da obrigação.
A controvérsia se instaurava em decorrência da dúvida acerca da possibilidade ou não da incidência de ITBI em cessão de direitos de bens imóveis, em razão de a propriedade não ser transferida naquele momento.
Em vista da cessão de direitos não transferir a propriedade, o entendimento se encontra pacificado no STJ, tendo doravante sido reafirmado pelo STF, no sentido de permitir a incidência do ITBI somente no momento da transferência no registro de imóveis.
Para os ministros, o fato gerador do ITBI ocorre com a efetiva transferência da propriedade imobiliária, tal como já vinha sendo decidido nos tribunais estaduais, bem como pelo STJ.
A discussão consta no Recurso Extraordinário com Agravo - ARE 1294969, analisado no tema 1124 como Repercussão Geral, quando no mesmo julgamento, os ministros também votaram a tese a ser reafirmada. Neste caso, além de reconhecer a repercussão geral da matéria, foi acolhida a proposta do ministro relator de julgar o mérito reafirmando a jurisprudência do Supremo4.
Assim como o STF, o STJ já decidira no mesmo sentido, inclusive, no REsp 57.641/PE, em que a ministra Eliana Calmon, entendeu que não incide ITBI em "promessa de compra e venda", pois, o contrato preliminar não necessariamente levará à celebração do contrato definitivo, que consiste no único instrumento hábil a ensejar a cobrança do referido tributo.
O ministro Francisco Falcão coaduna com mesmo entendimento, tendo em seu voto no Ag.Rg no RE 798.794/SP, afirmado que "o fato gerador do ITBI só se aperfeiçoa com o registro da transmissão do bem imóvel, incidindo, portanto, o tributo somente após o registro no Cartório de Imóveis, sendo descabida a exigência nos moldes da lei municipal 5.430/89".
Mesmo com o entendimento do STJ, não raramente se instauravam controvérsias diante do caso concreto, o que demandou a pacificação do posicionamento também pelo STF, que decidiu no mesmo sentido (ARE 1002666-65.2018.8.26.0053 SP), in verbis:
[...] O entendimento da jurisprudência desta Corte é de que o fato gerador do ITBI somente ocorre com a transferência efetiva da propriedade imobiliária, mediante o registro competente [...]
(STF - ARE: 1241480 SP - SÃO PAULO 1002666-65.2018.8.26.0053, Relator: Min. MARCO AURÉLIO, Data de Julgamento: 07/11/2019, Data de Publicação: DJe-250 18/11/2019)
Vale destacar que a dúvida sobre o pagamento do tributo não se restringe ao contrato de promessa de compra e venda, espraiando-se ao contrato de alienação fiduciária, quando há incidência do ITBI em razão da compra e da venda na transferência de imóvel, mas não há incidência do ITBI sobre o direito real de garantia oriundo do pacto acessório de alienação fiduciária, porquanto legalmente excetuado como hipótese de incidência (art. 156, II, CF; art. 35, II, CTN).
Ou seja, o STJ afirma que em operações triangulares, nas quais se encontra a instituição financeira, o vendedor transfere ao comprador a propriedade plena (com incidência do ITBI), de modo que o comprador, agora devedor fiduciante, entrega ao banco, credor fiduciário, a propriedade fiduciária (operação na qual não há a incidência do tributo, pois se trata de transmissão do direito real de garantia, que se consubstancia em hipótese de exclusão tributária).5
Já, quando o assunto se concentra no contrato de compra e venda sem a intermediação financeira, o ITBI incidirá sobre a compra e venda realizada diretamente entre vendedor e comprador e não sobre a constituição da garantia, o que, frise-se, somente pode ocorrer mediante a lavratura da escritura pública no Cartório de Registro de Imóveis, que desencadeia a ocorrência do fato gerador do ITBI, consoante artigos 1.227 e 1245 do CC e 113, §1º do CTN.
Por certo que, se houvesse a adequada interpretação da lei, em especial, dos artigos 1.227 e 1.245 do CC e do art. 113, §1º do CTN, as dúvidas quanto à sua aplicação sequer teriam razão de subsistir, uma vez que todas as hipóteses de incidência, de exceção e do respectivo fato gerador se encontram devidamente contempladas.
Por essa perspectiva, indene de dúvida que, a cobrança na cessão de direitos que vem sendo realizada por muitos municípios não encontra fundamento hábil à demonstração do fato gerador, o que de per se, não caracteriza hipótese de incidência tributária. Ou seja, enquanto não houver a alteração da titularidade do imóvel perante o Cartório de Registro de Imóveis, não há como se conceber a ocorrência do fato gerador a legitimar a incidência do tributo, tampouco a sua cobrança.6
Desta feita, por óbvio que o contribuinte não deve se sujeitar ao pagamento do referido tributo mediante a mera cessão de direitos, o que caso não seja observado, permite a insurgência pela via judicial.
Portanto, diante do posicionamento recente do STF, há de se concluir que, a cessão de direitos possessórios não configura hipótese de incidência do ITBI. Isso porque, o CTN, ao vincular a definição do fato gerador do ITBI ao conceito dado pela lei, delimitou o momento da realização da incidência do referido imposto, que se aperfeiçoa unicamente com o registro no Cartório de Registro de Imóveis e não em razão da cessão de direitos possessórios.
Por fim, considerando os inúmeros questionamentos que desaguam no Poder Judiciário mensalmente, visando discutir a incidência do pagamento do tributo, espera-se que com o assentamento da jurisprudência no STF, haja uma diminuição gradativa, porém, substancial, de discussões acerca do tema.
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1- Brasil. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Disponível aqui.
2- Brasil. Lei nº 510.406 de 10 de janeiro de 2002. Disponível aqui.
3- Brasil. Lei nº 5.172 de 25 de outubro de 1966. Disponível aqui.
4- Qual o custo do assédio sexual no ambiente de trabalho?. Acesso em 15/02/2021.
5- STJ. STJ- RECURSO ESPECIAL Nº 1.837.704 - DF (2019/0272711-8). Disponível aqui. Acesso em 16 de fevereiro de 2021.
6- BEIJA, Osvaldo Bispo de. ITBI não incide na cessão de direitos de bens imóveis. Acesso em 16/2/21.
Atualizado em: 23/2/2021 08:31
Debora Cristina de Castro da Rocha - Advogada fundadora do escritório Debora de Castro da Rocha Advocacia, especializado nas áreas do Direito Imobiliário e Urbanístico, Mestre em Direito Empresarial e Cidadania e Professora.
Camila Bertapelli Pinheiro - Advogada no escritório Debora de Castro da Rocha Advocacia, especializado no atendimento às demandas do Direito Imobiliário e Urbanístico, com atuação nos âmbitos consultivo e contencioso.
Edilson Santos da Rocha - Assistente jurídico pelo escritório Debora de Castro da Rocha Advocacia. Acadêmico de Direito pela Faculdades da Industria - FIEP.
Fonte: Migalhas de Peso
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