O zelo pela dignidade da pessoa humana é dever do Estado, direito entabulado na CF, possuindo como finalidade a garantia do bem-estar de todos os cidadãos, servindo como base de inúmeros princípios, principalmente os individuais, coletivos e os direitos sociais, todos interligados ao Estado Democrático de Direito.
Entre os direitos sociais encontra-se a garantia do acesso a moradia, haja vista que a existência de um teto para o indivíduo dormir representa o mínimo necessário para a obtenção de uma vida digna, premissa da qual decorre o conceito de bem de família trazido pela lei 8009/90.
Na essência, bem de família representa o patrimônio mínimo necessário para se viver com dignidade, descrito no art. 1º da mencionada lei como o imóvel residencial próprio do casal, ou da entidade familiar.
Dessa forma, a lei 8.009/90 protegeu com o benefício da impenhorabilidade o bem de família, isentando-o da responsabilidade por dívida civil, comercial, fiscal, previdenciária ou de qualquer outra natureza.
Contudo, a mesma lei trouxe hipótese de exceção a regra da impenhorabilidade do bem de família, a exemplo da fiança, prevista no art. art. 3º, VII, ou seja, impondo ao fiador o risco de ter seu bem de família penhorado caso o contratante não honre suas obrigações.
Não obstante, tal exceção deve ser analisada com olhos criteriosos, eis que expor o fiador a penhora do seu bem de família pode representar latente desprestígio ao princípio da dignidade da pessoa humana, isonomia, proteção à família e acesso a moradia, bem como afronta direta a EC 26/00, notadamente o art. 6, como ocorre em fianças prestadas em contratos de locação comercial.
Nesse contexto, ressalva-se que embora tenha sido reconhecida a constitucionalidade do art. 3º, VII da lei 8009/90 na hipótese de penhora do bem de família do fiador em locação residencial, através do RE 612.360 - Tema 295 da Repercussão Geral, o mesmo não pode ser estendido a fiança oriunda de contratos de locação comercial, em respeito ao princípio da isonomia, pois, como poderia o devedor principal ter resguardado seu imóvel caracterizado como bem de família, enquanto o fiador, que por regra, é pessoas que se presta a ajudar a outra para que ela possa alugar um imóvel por razões que não são econômicas, suportar o ônus de ver seu bem de família penhorado.
Ou seja, a penhorabilidade do bem de família do fiador quando a fiança houver sido prestada em contrato de locação residencial justifica-se porque configurava medida de proteção ao próprio direito à moradia dos locatários, o que inexiste no caso de fiança prestada em contrato de locação comercial, eis que admitir a penhora do bem de família do fiador, com a vedação do mesmo ocorrer ao devedor principal, ao eu ver, constitui violação ao princípio da isonomia.
Nesse sentido foi o julgamento do Recurso Extraordinário 1.296.835, de atuação pessoal, no qual o cliente patrocinado pelo escritório Ratc e Gueogjian Advogados, obteve o reconhecimento da impenhorabilidade de seu imóvel caracterizado como bem de família, sendo reconhecido pela min. Relatora Cármen Lúcia a inaplicabilidade do Tema 295 do STF, com base nos argumentos supra mencionados, seguindo pretérita decisão tomada pela 1º turma do STF no julgamento do RE 605.709, implicando dizer que com o advento da EC 26/00, é inconstitucional o disposto no art. 3º, VII da lei 8009/90, na hipótese de o contrato de locação tratar de imóvel comercial.
Assim, percebe-se que o STF vem reconhecendo a inexistência de equidade em possibilitar ao devedor principal a resguarda do seu bem de família, enquanto o fiador, que de bom grado anuiu ao contrato, sofrer o ônus de não dispor de um teto sob sua cabeça, como o mínimo a salvaguarda de sua dignidade humana.
Desta forma, seguindo entendimentos do STF, é inadequada a penhora do bem de família do fiador quando a fiança houver sido prestada em contrato de locação de imóvel comercial, em rígida aplicação aos princípios da isonomia e equidade, ainda, em respeito a dignidade da pessoa humana, considerando inadequado o fiador suporta a consequência de ter seu imóvel residencial penhorado, enquanto o devedor principal permanecer com seu bem de família intocável.
Atualizado em: 16/2/2021 07:49
Gabriel Lazzari - Advogado no escritório Ratc e Gueogjian Advogados. Pós-graduando em Direito Tributário. Pós-graduando em Direito Penal e Processo Penal.
Fonte: Migalhas de Peso
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