O polêmico tema sobre a cobrança de taxas de manutenção e conservação de loteamento imobiliário urbano, por parte de associações de moradores de condôminos, em relação a proprietário não associado, foi tema de repercussão geral (Tema 492/STF) no julgamento do Recurso Extraordinário 695.911 pelo Supremo Tribunal Federal.
A demonstração da repercussão geral, como se sabe, tem como finalidade a uniformização da interpretação constitucional, envolvendo o princípio da legalidade e o da liberdade associativa (incisos II e XX do artigo 5º da CF). A decisão foi por maioria de votos.
No caso sob comento, foi fixada tese de que: "É inconstitucional a cobrança por parte de associação de taxa de manutenção e conservação de loteamento imobiliário urbano de proprietário não associado até o advento da Lei nº 13.465/17, ou de anterior lei municipal que discipline a questão. A partir da Lei da Reurb torna possível a cotização dos titulares de direitos sobre lotes em loteamentos de acesso controlado, que: 1) já possuindo lote, adiram ao ato constitutivo das entidades equiparadas a administradoras de imóveis pela mencionada lei; ou 2) sendo novos adquirentes de lotes, o ato constitutivo da obrigação esteja registrado no competente registro de imóveis".
Em resumo, somente será possível a cobrança do proprietário não associado quando o dever obrigacional estiver disposto em ato constitutivo da associação (ou outra entidade civil organizada), firmado após o advento da Lei nº 13.465/2017 e que este esteja registrado na matrícula atinente ao loteamento no registro de imóveis. A outra possibilidade de cobrança será quando houver anterior lei municipal, ante a competência concorrente (Tema 348 — RE 607.940), definidora da obrigação de cotização dos proprietários que, possuindo lote, aderiram à associação ou, sendo novos adquirentes, houver o registro da associação no ofício de registro de imóveis.
Portanto, diante da impossibilidade de retroatividade da norma, aqueles proprietários que adquiriram lotes antes da vigência da lei (local ou federal) somente serão onerados caso tenham anuído expressamente à obrigação.
O Superior Tribunal de Justiça, por sua vez, apreciou a questão (Tema 882) em sede de recursos repetitivos, tendo concluído pela impossibilidade de cobrança de taxas de manutenção por meio das associações civis: "Para efeitos do artigo 543-C do CPC, firmou-se a seguinte tese: 'As taxas de manutenção criadas por associações de moradores não obrigam os não associados ou que a elas não anuíram'".
A proliferação do modelo híbrido entre loteamento fechado e loteamento aberto foi tão intensa e geradora de celeuma, surgindo a necessidade de normatização federal. Esta veio por meio da Lei 13.465/2017, que, além de dispor sobre a regularização fundiária rural e urbana, modificou o teor da Lei 6.766/1979, para nela inserir em seu artigo 2º, §8º, a modalidade denominada de "loteamento de acesso controlado". Também se inseriu na "Lei Lehmann" o artigo 36-A, dispondo sobre a constituição de associações para a "administração de áreas públicas de uso comum", com natureza jurídica (critérios de afinidade, similitude e conexão) "atividade de administração de imóveis".
Algumas premissas foram ponderadas no julgamento pela não constitucionalidade da cobrança de não associado, quais sejam: a existência de obrigação pressupõe imposição legal ou voluntariedade; ao contrário do que ocorre com os condomínios, nos loteamentos inexistia previsão legal para pagamento de taxas voltadas ao seu gerenciamento; ausente previsão legal impositiva de pagamento, a liberdade de associação é de ser plenamente exercida, não se podendo coagir aquele que não deseja se associar ou se manter associado a realizar pagamento que respeite à associação de terceiros.
Outros pontos debatidos foram: a existência de obrigação propter rem (imposição ao proprietário/possuidor de lote na participação das despesas comuns como decorrência direta do direito de propriedade sobre o imóvel. Contudo, esta decorrência legal aplica-se a condomínio e, no caso, há loteamento); a alegação de enriquecimento sem causa que justificaria o pagamento da mensalidade como consequência da necessidade de não se onerar a outrem (no caso, associação mantenedora do loteamento) e por haver ocorrência de acréscimo patrimonial advindo do trabalho da associação; e o dever de eticidade.
Em verdade, o STF entendeu que "é o princípio da legalidade o instrumento de sopesamento constitucional ao princípio da liberdade de associação. De um lado, assegurando que obrigação só é imposta por lei; de outro, e por consequência, garantindo que, na ausência de lei, não há aos particulares impositividade obrigacional, regendo-se a associação somente pela livre disposição de vontades".
Quanto à teoria de vedação ao enriquecimento ilícito ou sem causa, o ministro Alexandre de Moraes destacou em seu voto que esta deve ser discutida à luz da liberdade de associação. Tendo esta "duas perspectivas: uma, positiva, em que se garante ao indivíduo o direito de se associar; outra, negativa, que confere o direito de se desassociar. Seguindo esta premissa, a exigência de taxas de manutenção dos proprietários que optaram por não aderir viola a liberdade de associação em sua dimensão negativa, bem como viola o princípio da legalidade. A garantia constitucional alcança não só a associação sob o ângulo formal como também tudo que resulte desse fenômeno e, iniludivelmente, a satisfação de mensalidades ou de outra parcela, seja qual for a periodicidade, à associação pressupõe a vontade livre e espontânea do cidadão em associar-se".
O ministro relator ressaltou que: "Toda restrição a um direito de liberdade configura, em essência, a imposição de uma obrigação (fazer, não fazer ou dar). E obrigações — em razão do princípio da legalidade — só possuem validade quando expressamente consignadas em normas jurídicas: lei ou ajuste entre as partes. Nesse passo, restrições ao direito de liberdade, a par de exigirem restrição mínima, requerem necessariamente previsão em lei".
Portanto, diante da ausência de adesão de proprietários às normas da associação de moradores, bem como a ausência de determinação legal que institua a obrigatoriedade de pagamento de taxas, foi reputada inconstitucional a cobrança até o advento da Lei 13.465/17 ou de lei municipal que disciplinasse o tema.
Divergentemente, o ministro Ricardo Lewandowski, que nesse ponto restou vencido, entendeu que a obrigatoriedade de participação nas despesas arcadas pela associação de moradores não está, necessariamente, atrelada ao vínculo associativo. Que "o morador é livre para associar-se ou permanecer associado. Porém, a obrigação de ratear as despesas decorrentes das benfeitorias e dos serviços prestados por aquela entidade, que são de fruição comum, é ínsita ao dever de probidade a todos imposta".
Outra tese vencida foi a apresentada pelo ministro Edson Fachin, e seguida pelos ministros Roberto Barroso, Gilmar Mendes e ministra Rosa Weber: "A discussão encetada no tema em tela não justifica a invocação do direito fundamental à liberdade de associação para esquivar-se de obrigação pecuniária, pois que a cotitularidade verificada diz respeito ao interesse comum de todos os cidadãos-moradores de que, diante da impossibilidade de o poder público atender às suas necessidades coletivas básicas de infraestrutura, sejam feitas obras e serviços que beneficiem a todos, indistintamente. Não se está, portanto, diante da obrigação de associar-se, nem de manter-se associado, mas, sim, da obrigação de partilhar das despesas que beneficia diretamente todos os cotitulares daquele espaço geográfico urbano que lhes é comum. Isso para que não se caracterize a locupletação pelo esforço alheio".
Uma vez estabelecida a constitucionalidade da cobrança após 12/7/2017 (data da publicação da Lei 13.465/17), somada ao cumprimento dos requisitos legais e considerando o prazo prescricional de cinco anos, poder-se-á cobrar a taxa dos não associados.
Por fim, tendo em vista que a decisão majoritária deverá ser seguida pelos tribunais do país em razão da repercussão geral, surge a necessidade de se enfrentar casos como: os de não associados, que foram coagidos e pagaram a "taxa condominial" até 11/7/2017 (cabe restituição?); e para os que não pagaram, mas o fornecimento de água está incluso nas taxas (não precisam mais pagar?).
Para o enfrentamento de tais questões, importante registrar a eficácia dos instrumentos da mediação pré-processual ou mesmo da processual (processo judicial em andamento) para resolução de todos os imbróglios mencionados no parágrafo anterior. A mediação não se restringirá apenas ao pagamento, mas será instrumento de pacificação social e desobstrução do Judiciário.
Andreia Mara de Oliveira é advogada, mestre em Direito pela Unesp-Franca, ex-conselheira do Núcleo Docente Estruturante da FESL, ex-professora de Direito na FESL, Unip e Fafram, ex-conferencista na Unesp, participante do Summer Program in North American Law in University of Florida — Fredric G. Levin College of Law (EUA), do Postgrado em Derecho, Politica y Criminologia na Universidad de Salamanca (Espanha), do Conselho Administrativo de Defesa Econômica do Ministério da Justiça (PI-Cade) e da Gestão do Meio Ambiente da Fundação Getúlio Vargas (FGV).
Ivan Carneiro Castanheiro é promotor de Justiça do MP-SP, mestre em Direito pela PUC-SP, membro do Ministério Público Democrático (MPD), professor convidado da Escola Superior do Ministério Público (ESMP-SP), professor da UNIP (Campus Limeira/SP e Nacional EAD), consultor do Projeto "Conexão Água" do Ministério Público Federal (MPF), coordenador do 17º Núcleo Regional (Piracicaba) da Escola Superior do Ministério Público, membro do Comitê Temático do Meio Ambiente (Grupo de Trabalho de Enfrentamento à pandemia do COVID — MP-SP — PGJ) e vice-diretor da Associação Brasileira dos membros do Ministério Público (Abrampa) — Região Sudeste.
Fonte: Revista Consultor Jurídico
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