quarta-feira, 17 de fevereiro de 2021

ITBI e a inconstitucionalidade do valor venal de referência


Quando se pensa em aquisição de imóveis, muito se fala na importância do acompanhamento das partes por uma empresa do ramo imobiliário, de modo que essa preste todo o apoio e orientações necessárias. É crescente, ainda, a busca por assessoria imobiliária prestada por escritórios de advocacia especializados na área, de modo a conferir maior segurança jurídica aos negócios que se pretendem firmar.

Mencionada assessoria é capaz, não apenas, de identificar e mitigar os riscos envolvidos para vendedor e comprador, como, também, reconhecer ilegalidades praticadas pelos órgãos públicos que terão consequências, diretas, nos valores dispendidos pelos adquirentes.

O Imposto de Transmissão de Bens Imóveis (ITBI) é devido toda vez que houver a transmissão, inter vivos, a qualquer título, por ato oneroso, de bens imóveis ou direitos reais sobre imóveis, exceto os de garantia. O que isso quer dizer? Que toda vez que alguém vende ou adquiri um imóvel, sobre ele incidirá o ITBI, que deverá ser recolhido aos cofres públicos no ato da sua transmissão.

No município de São Paulo, o assunto é regulamentado pela lei 11.154/91 que traz, em seu corpo, não apenas a definição do contribuinte, mas, também, a base de cálculo para apuração do valor do imposto.

Nos termos da legislação Municipal, a base de cálculo do imposto "é o valor venal dos bens ou direitos transmitidos, assim considerado o valor pelo qual o bem ou direito seria negociado à vista, em condições normais de mercado.", não podendo, entretanto, ser inferior ao valor do bem, utilizado, no exercício, para base de cálculo do IPTU.

Ocorre que o adquirente, ao tentar gerar a guia para pagamento do tributo é surpreendido com o preenchimento, automático, utilizando-se como base de cálculo um terceiro parâmetro para cobrança de ITBI (valor venal de referência), qual seja, o temido "valor venal de referência", que carece de previsão legal.

O questionável "valor venal de referência" surge com a edição do decreto 46.228/05, que tratou do assunto no seu artigo 8º. Esse decreto, porém, foi declarado inconstitucional pelo Órgão Especial do TJ/SP, o que, de per si, não impediu a municipalidade de perpetrar a sua conduta abusiva e ilegal, posto que, em 2010, promulgou novo decreto, sob o 51.627, que nada mais fez se não replicar a redação outrora declarada inconstitucional.

Por nova Arguição de Inconstitucionalidade (0098335-50.2005.826.0000), o Órgão Especial do TJ/SP declarou, também, o decreto 51.627/10, inconstitucional e a razão é simples: a majoração imposta pela municipalidade à base de cálculo do ITBI desrespeita o quantum disposto no inciso I, artigo 150 da CF combinado com o inciso IV, artigo 97 do CTN.

Não se dando por vencida, o município de São Paulo, em 2006, editou a lei 14.256 que alterou os artigos referentes à base de cálculo do imposto, em uma nova tentativa de regulamentar a figura do "valor venal de referência", novamente sem sucesso, posto que parte do seu texto foi declarado inconstitucional na ADIn 0056693-19.2014.8.26.0000.

Provavelmente o leitor se pergunte, agora: "E qual o resultado prático de tudo isso?". A resposta é "simples": a utilização do valor venal de referência como base de cálculo eleva, consideravelmente, o valor do imposto a ser recolhido, na grande maioria das vezes.

Apenas a título exemplificativo, vejamos: um imóvel sito na Zona Oeste da cidade de São Paulo (Butantã) possui valor venal de R$ 603.981,00 (seiscentos e três mil novecentos e oitenta e um reais), ao passo que seu valor venal de referência é de R$ 1.014.496,00 (hum milhão, quatorze mil quatrocentos e noventa e seis reais). Ao calcularmos o ITBI (3%), ter-se-ia, então: R$ 18.119,43 (dezoito mil cento e dezenove reais e quarenta e três centavos) e R$ 30.434,88 (trinta mil quatrocentos e trinta e quatro reais e oitenta e oito centavos).

Observa-se, então, que o "prejuízo" imposto ao contribuinte em razão da utilização de base de cálculo diversa daquela permitida em lei seria de R$ 12.315,45 (doze mil trezentos e quinze reais e quarenta e cinco centavos).

Poucos são os contribuintes, adquirentes de imóveis, porém, que possuem conhecimento sobre o tema e que buscam, no Poder Judiciário, resguardar os seus direitos. A via comumente utilizada por aqueles que buscam desconstituir a cobrança nos termos equivocadamente impostos pelo governo municipal é o Mandado de Segurança, em razão de sua celeridade e efetividade.

É preciso ter em mente, porém, que cada caso deve ser analisado individualmente e que cada município possui suas próprias normas acerca do assunto, a visão aqui exposta refere-se, apenas, às práticas do município de São Paulo.

Atualizado em: 17/2/2021 08:14

Danielle Mansani - Advogada e sócia fundadora do escritório Mansani e Martins Sociedade de Advogados, graduada em Direito pela Universidade Presbiteriana Mackenzie.
Fonte: Migalhas de Peso

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