Passados significativos vinte e três anos de vigência da lei que a instituiu (lei 9.514, de 20 de novembro de 1997), não restam dúvidas a respeito da enorme importância da alienação fiduciária de coisa imóvel para a sociedade brasileira. Seu advento, combinado com as inovações implementadas pela lei 10.931, de 2 de agosto de 2004, criou os pilares sobre os quais se ergueu um sólido, moderno e efetivo Sistema de Financiamento Imobiliário, imprescindível para o desenvolvimento do mercado imobiliário em particular e da economia como um todo1.
Para ilustrar tal afirmação de forma bastante simples, didática e livre de preconceitos, assuma-se, como premissa de raciocínio, que bens imóveis - seja para morar, seja para desenvolver atividades econômicas, seja para atender a outras finalidades - são necessários à vida das pessoas, tanto físicas quanto jurídicas. No entanto, são raríssimas aquelas que dispõem de recursos próprios suficientes para comprá-los à vista. Por tal razão, os interessados na aquisição de imóveis, em regra, dependem de financiamento; isto é, necessitam de crédito, e, para obtê-lo, recorrem a quem se disponha a emprestar-lhes, antecipadamente, o dinheiro para pagamento do preço do bem pretendido. Considerando que o valor dos imóveis é relativamente alto - quiçá o mais expressivo dentre os bens adquiridos pelo homem médio - o montante emprestado haverá de ser restituído em longo prazo, normalmente de mais de uma década.
Na economia de mercado, para que alguém se interesse em emprestar dinheiro a outrem, tenderá a fazê-lo como investimento, contra o pagamento de juros e mediante a legítima expectativa de que, no prazo programado, terá de volta o que emprestou mais os juros combinados. No que tange aos negócios de venda e compra de imóveis, o volume de recursos disponíveis para financiar as aquisições deve ser expressivo (porque igualmente expressivos a demanda e o valor necessário para atendê-la), o prazo para restituição deve ser longo e a taxa de juros não pode ser elevada, de modo a que o empréstimo possa ser efetivamente pago.
Neste ciclo, ganha o comprador (que obtém antecipadamente o montante necessário para adquirir o imóvel contra a obrigação de restituir no futuro os valores antecipados, acrescidos de juros ), ganha o vendedor (que recebe o preço cobrado pelo imóvel), ganha o construtor (que recupera o capital empregado na produção e o ganho correspondente), ganham os investidores (que recebem de volta os recursos disponibilizados, acrescidos dos juros pactuados), ganham os fornecedores de produtos e serviços para a construção civil (que disponibilizam material e mão de obra necessários para construir os empreendimentos) e ganha a sociedade como um todo (que se beneficia da geração de emprego e renda, da redução do déficit habitacional, do aumento da oferta de edificações comerciais e industriais etc.).
Para que o sistema se viabilize, dois sólidos alicerces são indispensáveis para apoiá-lo. O primeiro é a ampla captação de recursos privados destinados ao financiamento imobiliário2 - inclusive junto aos "cidadãos comuns", pulverizados na sociedade civil, que corriqueiramente aplicam seu dinheiro no mercado financeiro ou no mercado de capitais visando à obtenção de retorno satisfatório e seguro -. O segundo, que aqui nos interessa mais de perto, é a garantia de retorno do crédito liberado ao tomador. Esta não pode falhar, para que se assegure a realimentação financeira do sistema e, em consequência, a contínua reaplicação em novos empréstimos. Para esse fim, deve proporcionar não apenas a segurança de que os recursos captados serão restituídos, mas também municiar o credor dos mecanismos destinados a, no caso de falta de pagamento por parte do tomador, permitir a restituição forçada dos valores devidos, de forma efetiva e célere3.
A tais propósitos o arcabouço jurídico instituído pela lei 9.514/97 vem se prestando com alto grau de efetividade. A experiência haurida no emprego em larga medida da alienação fiduciária de coisa imóvel em garantia do financiamento imobiliário - e, havendo inadimplemento, da técnica de execução extrajudicial que lhe é correlata (arts. 26 e ss. da lei 9.514/97) - ao longo desse período de mais de duas décadas permitiu efetiva expansão do crédito imobiliário, importante redução da taxa de juros e, por conseguinte, torna realidade o propósito de mais e mais brasileiros adquirirem sua casa ou seu local de trabalho.
Essa mesma experiência, por outro giro, fez com que surgissem ao longo do tempo questões jurídicas relevantíssimas a respeito de tal garantia e de sua excussão. As soluções dadas a essas questões pela doutrina e, sobretudo, pela jurisprudência - algumas delas, por sua relevância, positivadas por meio de ajustes na lei 9.514/97 -vêm, de modo geral, contribuindo para o desejável aperfeiçoamento dos procedimentos legais.
No entanto, importa advertir: equívocos nas soluções, no mais das vezes cometidos em razão da não compreensão dessas figuras jurídicas, podem levar à sua perigosíssima e indesejável derrocada e à ruptura do sistema, em prejuízo de toda a sociedade.
Dentre tantas outras questões que merecem acurada reflexão, dedica-se este breve ensaio a tecer considerações sobre o regime jurídico a ser adotado na hipótese de, em contrato de venda e compra de imóvel com pacto adjeto de alienação fiduciária em garantia, o adquirente - que pagou o preço com recursos do crédito que tomou de um banco ou do próprio vendedor e, em garantia, depois que se tornou proprietário, alienou o imóvel fiduciariamente ao credor, constituindo-se então como devedor fiduciante - no mais das vezes sob alegação de dificuldades financeiras, vir posteriormente manifestar desinteresse na aquisição do imóvel e postular a extinção do contrato e restituição (ainda que parcial) do preço pago, mormente na particular situação de fazê-lo quando ainda está adimplente - isto é, postular o desfazimento do contrato antes de deixar de pagar parcelas do preço.
A análise dessa específica questão - qual seja, do regime jurídico a ser aplicado à hipótese de o devedor fiduciante manifestar seu desinteresse no prosseguimento do negócio antes de estar inadimplente - impõe que seja antes examinada em seu contexto e apartada de outras a ela assemelhadas, mas que com ela não se confundem.
Como pano de fundo, tenha-se em vista o fenômeno caracterizado pela ruptura do contrato de promessa de compra e venda por iniciativa do promitente comprador de imóvel, sem que tenha havido inadimplemento do promitente vendedor. De há muito essa situação é objeto de atenção da doutrina e, especialmente, da jurisprudência.
A rigor, reconhecendo-se que a promessa de venda e compra é irretratável, superadas eventuais hipóteses de arrependimento, não poderia ser lícita a desistência imotivada do promitente comprador, que, por ato unilateral de vontade, pusesse fim ao vínculo por resilição. Demais disso, repugnaria ao sistema jurídico que o comprador invocasse a sua própria falta como fundamento para impor a resolução do contrato ao vendedor.
No entanto, o fenômeno - quiçá potencializado pela instabilidade econômica brasileira - grassava no tecido social, irrompia nos Tribunais e alguma solução pacificadora haveria de ser encontrada. Se "(A)s primeiras decisões foram no sentido da impossibilidade, sob consideração de que não cabe ao inadimplente pleitear a resolução do contrato", ao menos a partir do final da década de 1990 a jurisprudência se encaminhou em sentido contrário e passou a admitir que "(M)esmo que o inadimplemento seja decorrente de fato imputável ao devedor, a ação pode ser de sua iniciativa"4.
A construção jurisprudencial5 buscou fundamento jurídico na teoria do inadimplemento antecipado e no artigo 53 do Código de Defesa do Consumidor. De um lado, o promitente comprador invocava incapacidade patrimonial superveniente, não dolosa, que impossibilitava que o contrato atingisse suas finalidades social e econômica, tanto para si quanto para o promitente vendedor: as parcelas do preço não mais poderiam ser pagas, a transferência dominial não poderia ser concretizada6. De outro, insensível à ruína financeira do promitente comprador, vislumbrava-se abusiva e injusta inércia do promitente vendedor em aceitar a ruptura do contrato e recusa em restituir parcialmente o preço pago pelo adquirente, impondo-lhe, na prática, o perdimento total das quantias pagas. Para essa peculiar situação passou-se a admitir o desfazimento do vínculo contratual por iniciativa do promitente comprador7.
O fenômeno em questão se manifestou de maneira especialmente intensa na última década8. Os Tribunais, na prática, flexibilizaram os requisitos para admitir o desfazimento do vínculo por culpa e iniciativa do promitente comprador não mais diferenciaram o inadimplemento antecipado - mais condizente com os parâmetros de boa-fé - do inadimplemento já verificado. Tantas vezes a matéria foi julgada que acabou sumulada no Superior Tribunal de Justiça (Súmula 5439) e no Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo (Súmulas 110 e 211), e, por final, veio a ser regulada em lei específica12.
Nesse processo de construção jurisprudencial ficou pacificado o entendimento segundo o qual, em compromissos de venda e compra de imóveis, são legítimos os pleitos tanto de resolução do vínculo por iniciativa do promitente comprador - esteja ele adimplente ou não no momento do pleito - quanto de restituição, ainda que parcial, do preço até então pago13.
Inadimplemento da obrigação de pagamento do preço na venda e compra de imóveis com pacto adjeto de alienação fiduciária.
Provavelmente impulsionadas pelas mesmas causas do fenômeno em tela, avolumaram-se nos Tribunais, em anos mais recentes, as disputas nas quais se pretendia aplicar aos contratos de venda e compra de imóveis com pacto adjeto de alienação fiduciária em garantia solução jurídica idêntica àquela concebida para as hipóteses de simples promessas de venda e compra de imóveis.
Fiduciantes que se desinteressaram da aquisição imobiliária, em regra inadimplentes, muitos já confrontados por iniciativas dos fiduciários para recebimento dos valores não solvidos - em especial, pela instauração do procedimento extrajudicial para excussão da garantia, regrado pelos artigos 26 e ss. da Lei 9.514/97 - defenderam em juízo seu suposto direito de pôr fim à compra do imóvel e do consequente dever do credor fiduciário de a eles restituir o preço até então pago, ainda que parcialmente. Invocaram, para tanto, a proteção do artigo 53 do Código de Defesa do Consumidor e a aplicação do regime jurídico reconhecido pelas Súmulas retro mencionadas, em detrimento da disciplina específica da lei 9.514/97.
Neste ponto, é necessário estabelecer a premissa fundamental para o exame da matéria em tela. A promessa de venda e compra de imóveis e a venda e compra de imóveis com pacto adjeto de alienação fiduciária em garantia são figuras jurídicas distintas, que reclamam tratamento jurídico igualmente distinto.
O primeiro é um contrato preliminar que apenas estabelece vínculo pelo qual as partes se comprometem a futuramente celebrar negócio de compra e venda. Enquanto não quitado o preço, esse contrato não produz efeito de transmissão do domínio ao promitente comprador e, muitas vezes, sequer transmite a posse do imóvel.
No segundo - compra e venda com pacto adjeto de alienação fiduciária -, ainda que amalgamados em instrumento único, compreendem-se negócios jurídicos distintos, de financiamento (i. é, antecipação dos recursos necessários ao pagamento do preço de aquisição do imóvel, seja concedido pelo incorporador imobiliário, por instituição financeira ou por terceiro), de venda e compra do imóvel (com efetiva transmissão de posse e propriedade ao adquirente) e de subsequente transferência da propriedade fiduciária e da posse indireta (pelo adquirente que, ao fazê-lo, convola-se em devedor fiduciante) em favor do credor fiduciário, como garantia do financiamento14.
A clareza na distinção15 é sobremaneira importante para enfrentar as consequências jurídicas de sua extinção anômala por iniciativa do devedor que, por razões financeiras, perde o interesse no contrato.
No caso de promessas de venda e compra de imóveis, como se viu, admitem-se a resolução do contrato e a restituição ao menos parcial do preço pago, solução jurídica amparada pela jurisprudência, posteriormente consignada nas súmulas retro mencionadas e mais recentemente contemplada na Lei 13.786/18, notadamente nos artigos 35-A e 67-A por ela inseridos na lei 4.591/64.
De maneira bastante diversa, nos contratos de venda e compra de imóveis com pacto adjeto de alienação fiduciária em garantia, no momento em que o devedor fiduciante (que tomou crédito para pagar o preço de aquisição) manifesta interesse no rompimento do negócio, a venda e compra já se exauriu, o preço do bem já foi quitado com os recursos antecipados pelo credor, a propriedade já foi adquirida pelo comprador e ato contínuo transmitida a propriedade fiduciária ao credor em garantia de pagamento do financiamento. Ao credor fiduciário cabe apenas receber e ao devedor fiduciante cabe apenas pagar o valor antecipado acrescido dos juros pactuados. Efetivado o pagamento, a garantia se extingue, a propriedade fiduciária se resolve e a propriedade plena reverte ao patrimônio do (então) fiduciante. Inadimplida a obrigação de pagar, a propriedade fiduciária é incorporada ao patrimônio do (então) fiduciário, mediante consolidação, devendo ele ofertar o imóvel em público leilão para obter a satisfação do crédito em dinheiro, com o produto do leilão.
Por bem compreender a distinção, o Superior Tribunal de Justiça tem entendimento consolidado no sentido de que, nos contratos de venda e compra de imóveis com pacto adjeto de alienação fiduciária em garantia, em havendo inadimplemento do pagamento do preço, aplicam-se as regras próprias da lei 9.514/9716.
Logo, às promessas de venda e compra se aplica o regime jurídico pertinente a tal modalidade contratual, forjado na jurisprudência, cristalizado na Súmula 543 do STJ e atualmente regrado pela lei 13.786/18. Já aos contratos em que se pactua a alienação fiduciária em garantia, diferentemente, o regime jurídico é diverso e está normatizado na lei 9.514/97, como é pacífico na jurisprudência daquele Tribunal Superior; a eles não se aplicam as regras dos artigos 35-A e 67-A da lei 4.591/6417, introduzidos pela lei 13.786/18.
Tal entendimento, permanece - e há de permanecer - estável na jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, não apenas por ser juridicamente correto, mas por ser de extraordinária importância também sob aspecto social e econômico. Do contrário, a confiabilidade do contrato de alienação fiduciária em garantia seria ferida de morte e as estruturas de todo o sistema de crédito brasileiro, sobretudo o crédito imobiliário, seriam fortemente abaladas.
A propósito, bem faria o Superior Tribunal de Justiça se, em nome da isonomia, da previsibilidade e da segurança jurídica - para evitar julgamentos divergentes que vez por outra continuam a ocorrer em instâncias inferiores - assentasse, em precedente qualificado (enunciado de súmula ou acórdão proferido em julgamento de Recurso Especial Repetitivo18), o entendimento, tantas vezes repetido, de que "ocorrendo o inadimplemento de devedor em contrato de alienação fiduciária em garantia de bens imóveis, a quitação da dívida deverá observar a forma prevista nos arts. 26 e 27 da lei 9.514/97, por se tratar de legislação específica, o que afasta, por consequência, a aplicação do art. 53 do CDC"19.
Pretensão de resolução antecipada manifestada por devedor fiduciante adimplente.
Alcança-se, agora, a particularidade de o devedor fiduciante manifestar seu desinteresse no prosseguimento do negócio antes de estar inadimplente. Teria ela o condão de afastar o regime jurídico da lei 9.514/97? Justificaria a resolução antecipada do contrato? Se sim, poderia o fiduciante postular a restituição parcial dos valores pagos, como se de promessa de venda e compra se tratasse?
Tal hipótese20 foi recentemente examinada pela Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça, que, por unanimidade de votos, decidiu pela viabilidade jurídica da resolução por inadimplemento antecipado, motivada pelo desinteresse em prosseguir com o negócio; resolução que, nada obstante, daria ensejo à aplicação do regime jurídico próprio da alienação fiduciária.
Fundamenta-se a decisão no entendimento de que o pedido de resolução, por si só, denota comportamento contrário à manutenção do contrato ou ao direito do credor fiduciário, a caracterizar inadimplemento antecipado. Por tal razão, mesmo que ainda não tenha havido mora no pagamento das prestações, o pedido de resolução "configura quebra antecipada do contrato ("antecipatory breach"), decorrendo daí a possibilidade de aplicação do disposto nos 26 e 27 da lei 9.514/97 para a satisfação da dívida garantida fiduciariamente e devolução do que sobejar ao adquirente".
Transcreve-se, por sua relevância, o trecho final do voto do I. Ministro relator:
"Na especial conformação do contrato de compra e venda celebrado, em que presente alienação fiduciária em garantia, há de ser acatada a possibilidade de resolução do contrato pelo desinteresse do adquirente em permanecer com o bem, mas a devolução dos valores pagos pelo autor não se dará na forma do art. 53 do CDC, em que, ressarcidas as despesas do vendedor mediante a retenção de parte do pagamento, devolve-se o restante ao adquirente. A devolução dos valores pagos deverá observar o procedimento estabelecido nos arts. 26 e 27 da Lei 9.514/97, pelo qual, resolvido o contrato de compra e venda, consolida-se a propriedade na pessoa do credor fiduciário, para, então, submeter-se o bem a leilão, na forma dos §§1º e 2º do art. 27, satisfazendo-se o débito do devedor demandante ainda inadimplido e solvendo-se as demais dívidas relativas ao imóvel, para devolver-se o que sobejar ao adquirente, se sobejar.
Assim, em resumo, a formulação pelo adquirente de pedido de resolução do contrato de compra e venda com pacto de alienação fiduciária em garantia sem a imputação de culpa ao vendedor, mas por conveniência do adquirente, representa quebra antecipada do contrato e, assim, satisfaz o requisito para a incidência dos arts. 26 e 27 da Lei 9.514/97.
Resolvido o contrato, a devolução dos valores adimplidos pelo adquirente deverá observar o quanto disposto no §4º do art. 27 da Lei 9.514/97, segundo o qual, uma vez exitoso o 1º ou o 2º leilão, "o credor entregará ao devedor a importância que sobejar, considerando-se nela compreendido o valor da indenização de benfeitorias, depois de deduzidos os valores da dívida e das despesas e encargos de que tratam os §§ 2º e 3º, fato esse que importará em recíproca quitação (...)"21.
Não se trata de solução uníssona naquele Tribunal Superior. O próprio aresto aponta divergência de entendimentos a respeito da questão. Confira-se:
"Os integrantes das duas Turmas que compõem a Colenda Segunda Seção desta Corte em relação aos recursos conhecidos, interpostos em sede de ações de resolução do contrato ajuizadas pelos adquirentes, ora têm feito prevalecer o entendimento de que, resolvido o contrato, não há aplicar o quanto disciplinado no art. 53 do CDC atinente à devolução dos valores pagos pelo adquirente, senão o procedimento próprio, previsto na legislação especial a dispor sobre o Sistema de Financiamento Imobiliário e a alienação fiduciária de coisa imóvel, estabelecido nos arts. 26 e 27 da lei 9.514/97, ora tem reconhecido que a ausência de inadimplemento por parte do adquirente afasta a adoção do procedimento extrajudicial de consolidação da propriedade na pessoa do credor fiduciário e submissão do bem a leilão"22.
A hipótese, realmente, reclama atenção especial.
É bem verdade que a declaração de vontade do fiduciante, no sentido de resolver o contrato, por impossibilidade superveniente de pagamento, manifestada em juízo antes do efetivo inadimplemento, representa inequívoco e formal anúncio de sua intenção de não pagar as prestações vincendas. No mínimo, há fundada perda da confiança do credor de que receberá o montante que lhe é devido. Nesse sentido, não é desarrazoado cogitar-se de inadimplemento antecipado, ou quebra antecipada do contrato, ou vencimento da obrigação antes do termo.
Há que se considerar, de outro lado, a premissa fundamental retro invocada: diferentemente da promessa de venda e compra, uma vez firmado o contrato de venda e compra de imóvel com pacto adjeto de alienação fiduciária em garantia não há mais venda e compra a ser resolvida. Esta já se aperfeiçoou e já se exauriu no exato momento em que o comprador se tornou proprietário do imóvel e, ato contínuo, transferiu a propriedade fiduciária a quem lhe financiou a aquisição, em garantia do pagamento do financiamento.
O que resta é o negócio jurídico subsequente, cuja natureza jurídica é de mútuo (financiamento), que se aperfeiçoou na ocasião do fornecimento de recursos (pelo fiduciário) - desempenhado na largada, para que o comprador pudesse quitar o preço do imóvel perante o vendedor - cuja contrapartida (pelo fiduciante) é a restituição do crédito tomado, acrescido dos juros pactuados, restituição esta garantida pela propriedade fiduciária.
Nesse contexto, na ocasião em que manifestada pelo fiduciante a pretensão de resolução do negócio, a única obrigação pendente de adimplemento é a de restituição do crédito tomado ao fiduciário, isto é, de pagamento do financiamento, por meio de entrega de quantia pecuniária, líquida e certa. Tal obrigação de pagamento, porque garantida, não pode ser afastada por dificuldade ou impossibilidade de pagamento superveniente do devedor: ou bem o devedor quita o mútuo, ou o credor executa o crédito e excute a garantia. Em hipótese alguma haverá a resolução da venda e compra e nem a restituição de parte do preço pago23.
A execução da garantia, disciplinada nos artigos 26 e 27 da lei 9.514/97, por sua vez e como é de conhecimento corrente, tem por finalidade proporcionar recursos, por meio de expropriação do direito aquisitivo do fiduciante e posterior venda do bem em leilões públicos, para, independentemente ou mesmo contra a vontade do devedor, satisfazer o crédito garantido - vale dizer, entregar ao credor pecúnia em valor equivalente ao saldo devedor do mútuo - e, após pagamento de despesas e encargos, restituir ao devedor fiduciante eventual saldo que sobejar do produto do leilão (art. 27 §4º). Tem, pois, natureza de execução forçada. E para que se possa promover a execução forçada, necessário que a obrigação seja não apenas líquida e certa, mas também exigível (art. 783 do CPC).
Em vista de tais considerações, a aplicação da teoria do inadimplemento antecipado à operação de crédito com pacto adjeto de alienação fiduciária passa a merecer detida reflexão, tanto em relação a razões de natureza teórica, como por razões de ordem eminentemente prática.
Dentre as primeiras, o enquadramento do ato como inadimplemento antecipado, extremando-o das figuras do simples risco de inadimplemento e da mera desistência, reclama o deslinde de questões de direito e de fato, o que exige cognição incompatível com o regime da alienação fiduciária contratada em garantia do pagamento de um crédito. Ademais, a obrigação de pagar quantia não se torna impossível ou inútil ao credor (o inadimplemento é relativo). A três, há divergências teóricas a respeito da exigibilidade da prestação vencida antes do termo; dentre outros aspectos passíveis de discussão24.
Dentre os segundos, por mais que o fiduciante anuncie antecipadamente que não efetuará os pagamentos, e ainda que, em tese, esse anúncio possa proporcionar o vencimento antes do termo, difícil conceber que isso por si só atribua ao fiduciário o direito de - ou, pior, imponha ao fiduciário o ônus de - iniciar os trâmites para o recebimento de seu crédito pela excussão da garantia.
É razoável supor que o fiduciário, na prática, aguardará o prazo de carência previsto em contrato e, só depois de seu decurso, e desde que persista efetiva falta de pagamento, é que promoverá a intimação do devedor para constituí-lo em mora (art. 26 §§ 1º e 2º). Nesse interim, ou bem o fiduciante adimplirá normalmente a prestação; ou, se deixar de fazê-lo e por isso vier a ser intimado, poderá purgar a mora por meio do pagamento das parcelas vencidas até então, acrescidas dos consectários moratórios (art. 26 § 1º) e fazer convalescer o contrato (art. 26 § 5º).
Não parece factível considerar que a manifestação de não pagar apresentada em juízo, não seguida de efetiva falta de pagamento, ponha fim ao financiamento, justifique, por si só, a consolidação da propriedade em nome do fiduciário e os subsequentes leilões públicos para a satisfação coercitiva de todo o saldo devedor antecipadamente vencido.
Também não é razoável cogitar de que tal manifestação permita o depósito em juízo ou autorize o magistrado a determinar a suspensão da exigibilidade das parcelas vincendas. A vontade do devedor é a de não mais efetuar pagamento algum, o que implica extinção anômala do mútuo (não da venda e compra). O credor, por seu turno, não pode ser privado do direito à satisfação de seu crédito.
Portanto, o que desencadeará o procedimento de excussão da garantia, nos termos dos arts. 26 e 27 da lei 9.514/97 será, invariavelmente, o efetivo inadimplemento da prestação, e não a manifestação antecipada da intenção de não pagar. Se o efetivo inadimplemento não ocorrer, o contrato (isto é, a obrigação de restituir ao credor fiduciário o montante emprestado ao devedor fiduciante) se extinguirá pelo pagamento, como preconiza o art. 25 da Lei 9.514/97, sem deflagração da execução coercitiva.
Conclusão
Ao fim e ao cabo, o que importa deixar assentado - e nisso andou muito bem a Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça - é que, ao contrato de venda e compra de imóvel com pacto adjeto de alienação fiduciária em garantia, aplica-se o regime jurídico próprio da lei 9.514/97.
Desse regime decorre que, se as parcelas forem adimplidas a tempo e modo, a propriedade fiduciária se resolve (art. 25 da lei 9.514/97); já se houver inadimplemento, não sanado após formal constituição em mora, ou se executa o crédito, promove-se a excussão do bem em leilões públicos e se restitui ao antigo fiduciante eventual importância que sobejar após a satisfação do crédito do fiduciário e pagamento de demais despesas (arts. 26 e 27 da lei 9.514/97), ou, como alternativa à execução e com a anuência do fiduciário, mediante transação, o fiduciante dá seu direito eventual em pagamento da dívida (art. 26 § 8º da lei 9.514/97).
Não se aplica à operação de crédito com pacto adjeto de alienação fiduciária a solução jurídica concebida para o inadimplemento (antecipado ou não) da obrigação de pagar o preço nas promessas de venda e compra. Por tal razão, processos judiciais instaurados para buscar resolução do contrato de crédito com garantia fiduciária e restituição de valores pagos - à semelhança do que se passaria na ação de resolução de promessa de compra e venda -, ainda que esteja adimplente o devedor fiduciante, não devem prosperar25.
Em conclusão, a particularidade de o devedor fiduciante manifestar seu desinteresse no prosseguimento do negócio antes de estar inadimplente não justifica a resolução da compra e venda e nem permite a restituição parcial dos valores até então pagos ao credor fiduciário. A solução jurídica deve ser extraída da lei 9.514/97, para que não se viole o direito positivo e nem se comprometam a eficiência do financiamento imobiliário e do crédito com garantia fiduciária, em prejuízo da sociedade.
*Melhim Chalhub é advogado, parecerista, membro do Instituto dos Advogados Brasileiros, da Academia Brasileira de Direito Civil e do Instituto Brasileiro de Direito Imobiliário - IBRADIM. Autor dos livros Alienação Fiduciária - Negócio Fiduciário e Incorporação Imobiliária, entre outros.
**Umberto Bara Bresolin é advogado, doutor e mestre em direito processual pela Faculdade de Direito do Largo de São Francisco (USP), membro do Instituto Brasileiro de Direito Imobiliário - IBRADIM. Autor dos livros Revelia e seus Efeitos e Execução Extrajudicial Imobiliária: aspectos práticos.
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1 A despeito do enfoque deste ensaio, é de se ressalvar que a alienação fiduciária de bens imóveis não se restringe às operações do Sistema Financeiro Imobiliário. Pode ela ser contratada por qualquer pessoa (física ou jurídica), para estabelecer garantia imobiliária aos créditos em geral.
2 Sobre o tema, tratando dos instrumentos para desenvolvimento do mercado secundário de créditos imobiliários, v. CHALHUB, Melhim Namem. Incorporação Imobiliária. 5ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2019, pp. 282 e ss.
3 A respeito da relação entre segurança e efetividade da garantia e satisfação coercitiva do crédito imobiliário, v. Bresolin, Umberto Bara. Execução Extrajudicial Imobiliária: aspectos práticos. São Paulo: Atlas, 2013, pp. 81 e ss.
4 AZEVEDO JR., José Osório de. Compromisso de Compra e Venda. 5. ed. São Paulo: Malheiros, 2006, p.205.
5 Alicerçada sobretudo em decisão do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, assim ementada: "Compromisso de compra e venda. Rescisão por parte do compromissário inadimplente. Ação improcedente. Inadimplemento antecipado do contrato. Fato imputável ao devedor. Interesse legítimo para discutir alcance das perdas e danos. Retenção de importâncias pagas. Inércia das compromitentes. Justiça pelas próprias mãos. Rescisão admitida pelas compromitentes. Art. 1.163 do CC. Observância do princípio da força obrigatória do contrato. Perdas e danos extraordinárias não comprovadas. Incidência do art. 53 do CDC. Impossibilidade de perda total. Devolução parcial (80%) ordenada" (TJSP, 4ª Câmara de Direito Privado, Ap. 9077057-83.1996.8.26.0000, Rel. Des. José Osório de Azevedo Júnior, j. 18.06.1998).
6 "Em síntese, o contrato perdeu sua função social, ao se deparar um dos contratantes com uma impossibilidade relativa de continuar honrando os pagamentos e, assim, obter definitivamente o bem a que visava, como também para o outro contratante, que se vê diante de provável ausência de pagamentos do que lhe era devido, trazendo-lhe prejuízos evidentes, consistentes na ausência de remuneração correspectiva à prestação que se obrigou, fazendo-o ver frustrada também a finalidade contratual para o que se propusera" (CARDOSO, Luiz Philipe de Azevedo. O inadimplemento antecipado do contrato no direito civil brasileiro. Tese de Doutorado. USP, 2014, p. 170).
7 Bem pondera AZEVEDO JR. que "(É) preciso que haja motivação ética e econômica suficiente para justificar o comportamento do compromissário, como, por exemplo, desemprego, graves dificuldades financeiras, morte ou doença na família etc., compelindo-o a dar por findo o contrato, diante da inércia do promitente vendedor que se recusa a resolver amigavelmente a questão, deixando o promitentena contingência de arcar com perdas e danos exageradas" (AZEVEDO JR., José Osório de. Compromisso de Compra e Venda. 5. ed. São Paulo: Malheiros, 2006, p.209.).
8 Sobre o tema, v. a aprofundada análise de GOMIDE, Alexandre Junqueira. Tempos de crise: controvérsias envolvendo a extinção do compromisso de venda e compra de imóveis. Disponível
aqui; acesso em 18.11.2020.
9 "Na hipótese de resolução de contrato de promessa de compra e venda de imóvel submetido ao Código de Defesa do Consumidor, deve ocorrer a imediata restituição das parcelas pagas pelo promitente comprador - integralmente, em caso de culpa exclusiva do promitente vendedor/construtor, ou parcialmente, caso tenha sido o comprador quem deu causa ao desfazimento".
10 "O compromissário comprador de imóvel, mesmo inadimplente, pode pedir a rescisão do contrato e reaver as quantias pagas, admitida a compensação com gastos próprios de administração e propaganda feitos pelo compromissário vendedor, assim como com o valor que se arbitrar pelo tempo de ocupação do bem".
11 "A devolução das quantias pagas em contrato de compromisso de compra e venda de imóvel deve ser feita de uma só vez, não se sujeitando à forma de parcelamento prevista para a aquisição".
12 Lei 13.786/2018, que inseriu o art. 67-A na lei 4.591/64 a fim de permitir, na hipótese de contrato celebrado exclusivamente com o incorporador, a resolução postulada pelo adquirente com fundamento em inadimplemento absoluto de obrigação devida por ele mesmo (adquirente); caso em que fará jus à restituição das quantias que houver pago diretamente ao incorporador, delas abatidas a pena convencional e demais verbas previstas no referido dispositivo.
13 A flexibilização, no entanto, não chegou ao ponto de reconhecer ao promitente comprador uma espécie de direito potestativo. Como explica ABELHA, "é verdade que a jurisprudência, culminada com a Súmula 543 do STJ, permite que o adquirente promova a extinção do contrato se perder o emprego e em outras situações que o impeçam, pessoalmente, de pagar o saldo do preço do imóvel. Porém, não há direito à resilição unilateral ("não pago simplesmente porque não quero"). A resolução por inadimplemento do próprio autor da ação ("não pago porque não posso mais") não é imune a consequências: o consumidor inadimplente pode livrar-se do negócio, mas só terá direito a ter de volta uma parte do que desembolsou (Súmula 543 do STJ), incidindo em favor do incorporador a cláusula penal e outras retenções" (ABELHA, André. Quatro impactos da Covid-19 sobre os contratos, seus fundamentos e outras figuras: precisamos, urgentemente, enxergar a floresta in ISMAEL, Luciana e VITALE, Olivar (coords.). Impactos da Covid 19 no Direito Imobiliário. Porto Alegre: Paixão, Ibradim, 2020, p. 33).
14 A respeito do tema, v., de maneira ampla, CHALHUB, Melhim Namem. Alienação Fiduciária: Negócio Fiduciário. 7ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2021, item 6.10.3).
15 É de muito fácil percepção a diferença entre os negócios de financiamento, de venda e compra e de alienação fiduciária nos casos em que as posições jurídicas de vendedor e credor fiduciário são ocupadas por sujeitos diferentes; como ocorre, por exemplo, nos casos em que o vendedor é um incorporador imobiliário e o credor fiduciário é um banco. Quiçá não tão nítida à primeira vista sob a ótica do comprador, a diferença continua inequívoca ainda que as posições de vendedor e credor fiduciário sejam tituladas pelo mesmo sujeito, porque flagrantemente distintos os objetos desses diferentes negócios jurídicos, como aqui evidenciado.
16 É paradigmático o precedente de lavra do Min. HÉLIO QUAGLIA BARBOSA, assim ementado: "(...) Alienação fiduciária de bem imóvel. Alegada violação do art. 53, do CDC. Restituição dos valores pagos. Prevalência das regras contidas no art. 27, §§4º, 5º e 6º, da lei 9.514/97 (...)" (STJ, 4ª Turma, AgRg no Agravo de Instrumento nº 932.750-SP, Rel. Min. Hélio Quaglia Barbosa, j. 10.12.2007).
17 Embora prudente para evitar discussões, a rigor não era necessário que os artigos 32-A da Lei 6766/79 e 67-A da lei 4591/64, introduzidos pela lei 13.786/18, ressalvassem, respectivamente, em seus § 3º e § 14, a aplicação do regime próprio da lei 9.514/97 às hipóteses de alienação fiduciária. A evidente diferença de regime jurídico já teria sido suficiente para alcançar tal conclusão.
18 Houve recentes oportunidades de fazê-lo, mas os recursos tidos por representativos da controvérsia não foram hábeis, por razões formais, para deflagrar o julgamento da questão sob os moldes de recurso especial repetitivo (v. REsp 1.851.592-PR, Rel. Min. Antonio Carlos Fereira, j. 10.03.2020; REsp nº 1.871.911-SP, Rel. Min. Nancy Andrighi, j. 20.08.2020 e REsp 1.873.334-SP, Rel. Min. Marco Buzzi, j. 09.09.2020). Reitera-se, no entanto, que a "superação dessa controvérsia pelo rito dos recursos repetitivos mostra-se efetivamente indispensável para afastar dúvidas e incertezas decorrentes de aplicação uniforme da norma do art. 53 do CDC aos distintos contratos de promessa de compra e venda e de crédito com pacto adjeto de alienação fiduciária, mediante interpretação que considere a distinta natureza jurídica desses contratos, à luz da tese fixada pelo Supremo Tribunal Federal no RE 636.331-RJ e da jurisprudência do STJ" (CHALHUB, Melhim Namem. A execução do crédito com garantia fiduciária e a relação de consumo. Disponível
aqui; acesso em 26.11.2020).
19 V., dentre tantos, STJ, 4ª Turma, AgInt no REsp 1.849.834/SP, Rel. Min. Raul Araújo, v.u., j. 11.05.2020; ou STJ, 3ª Turma, AgInt nos EDcl no AgInt no REsp 1.865.396/SP, Rel. Min. Nancy Andrighi, v.u., j. 26.10.2020.
20 Que, a propósito, estava presente nos já mencionados REsps 1.851.592-PR e 1.873.334-SP.
21 STJ, 3ª Turma, REsp 1.867.209-SP, Rel. Min. Paulo de Tarso Sanseverino, j. 08.09.2020, v.u.
22 REsp 1.867.209-SP, retro referido. Em abono do entendimento divergente, o aresto indica, dentre outros, julgado da 4ª Turma, no qual, por unanimidade de votos, negou-se provimento ao agravo regimental interposto contra decisão de inadmissão de recurso especial, decisão esta na qual constou que "O art. 26 da lei 9514/97 é aplicado quando o fiduciante não paga, no todo ou em parte, a dívida, e é constituído em mora, o que não é o caso dos autos conforme relatado na decisão ora recorrida, verbis: 'A fórmula do artigo 26 diz respeito à inadimplência do fiduciante, que, caso se converta em mora, irá redundar na solução do artigo 27, com a promoção do leilão público para alienação do imóvel. Na hipótese, a situação de fato é outra. Os autores não têm a inadimplência juridicamente definida e não foram constituídos em mora'. (fl. 251) Alterar a situação fática firmada nas instâncias ordinárias é inviável, em razão da Súmula 7/STJ". (STJ, 4ª Turma, AgReg no Ag 550820-SP, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, j. 17.03.2011, v.u.).
23 Com razão pondera CARDOSO que "a se cogitar de eventual inadimplemento antecipado por impossibilidade relativa em alienação fiduciária, não há declaração de inadimplir possível, não há pedido de resolução possível, ou restituição do que foi pago. A solução para um problema econômico superveniente do adquirente deve se pautar por mecanismos de mercado: é preferível que o adquirente antes de cair em mora coloque o bem à venda, para que possa, sem incidir no mecanismo de leilões extrajudiciais, nem ter que arcar com encargos contratuais, quitar a dívida e ficar com a diferença para si" (CARDOSO, Luiz Philipe de Azevedo. O inadimplemento antecipado do contrato no direito civil brasileiro. Tese de Doutorado. USP, 2014, p. 179).
24 Sobre o tema, de maneira geral, v. TERRA, Aline de Miranda Valverde. O chamado inadimplemento antecipado, in Revista de Direito Privado, v. 60, out.-dez. 2014, pp 135-157.
25 Sobrevindo desejável fixação do entendimento em sede de Recurso Especial Repetitivo, será caso de improcedência liminar do pedido (art. 332, II, do CPC). Até que isto ocorra, o processo há de ser extinto sem julgamento do mérito, por falta de interesse de agir, em razão de flagrante e insanável inadequação da via eleita, passível de constatação in statu assertionis - a justificar até mesmo o indeferimento da petição inicial (art. 330, III, do CPC); ou, em prestígio da primazia do julgamento de mérito, ter antecipadamente declarados improcedentes os seus pedidos por fundamento de direito (art. 355, I, do CPC).
V., a propósito, CHALHUB, Melhim Namem, Alienação Fiduciária - Negócio Fiduciário, 7. ed. 2021, item 6.10.3.
Atualizado em: 25/2/2021 09:04
Fonte: Migalhas Edilícias