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Questão de grande relevância quando se pretende adquirir um imóvel em qualquer cidade costeira é a relacionada aos terrenos de marinha.
Não se pretende aqui dar explicações aprofundadas juridicamente sobre as minúcias do tema, porém é necessário entender, ao menos superficialmente, o que são os famigerados terrenos de marinha ou áreas de marinha.
Tudo tem início quando a Secretaria de Patrimônio da União — SPU, que está incumbida da tarefa de administrar, fiscalizar e outorgar a utilização, nos regimes e condições permitidos em lei, dos imóveis da União, “cadastra”[1] quaisquer imóveis que estejam na seguinte situação:
Decreto-Lei nº 9760 de 5 de setembro de 1946:
Art. 2º São terrenos de marinha, em uma profundidade de 33 (trinta e três) metros, medidos horizontalmente, para a parte da terra, da posição da linha do preamar-médio de 1831:
a) os situados no continente, na costa marítima e nas margens dos rios e lagoas, até onde se faça sentir a influência das marés;
b) os que contornam as ilhas situadas em zona onde se faça sentir a influência das marés.
Parágrafo único. Para os efeitos dêste artigo a influência das marés é caracterizada pela oscilação periódica de 5 (cinco) centímetros pelo menos, do nível das águas, que ocorra em qualquer época do ano.
Art. 3º São terrenos acrescidos de marinha os que se tiverem formado, natural ou artificialmente, para o lado do mar ou dos rios e lagoas, em seguimento aos terrenos de marinha.
O mesmo decreto estipula que são bens imóveis da União os terrenos de marinha e seus acrescidos, conforme previsão em seu art. 1º, alínea “a”. Nesse contexto, surgem duas espécies de terreno de marinha, o aforamento ou enfiteuse e a ocupação.
Resumidamente, o aforamento consiste na possibilidade que a União (senhorio) atribui a terceiros (enfiteutas) de exercerem o domínio útil de seus imóveis mediante o pagamento do foro, mais conhecida como “taxa de aforamento”. Tal instituto baseia-se na conveniência para a União de se manter um particular em seu bem imóvel, mantendo-se o caráter público do mesmo e ainda recebendo por isso. O particular que adquire um imóvel aforado não tem a sua propriedade, mas goza de todos os atributos da posse[2].
Anualmente, paga-se à União a título de foro o valor correspondente à 0,6% do valor do respectivo domínio pleno, que será atualizado pelo mesmo período. Tais imóveis — aforados — podem ser financiados por instituições financeiras sem maiores problemas.
A ocupação, por sua vez, consiste na inscrição de imóveis pela SPU (União) que, a seu juízo, podem ser aproveitados por ocupantes, ou seja, no caso da ocupação a União exerce mera tolerância para com o particular que está na detenção da posse do imóvel público (o ocupante sequer tem a posse do imóvel), ou seja, o ocupante apenas conserva a posse em nome de outra pessoa, no caso, a União.
Percebe-se que o regime de ocupação é bem diferente do aforamento, na medida em que não há posse na ocupação, não há exercício do domínio útil de um imóvel da União, mas apenas uma precária detenção da posse que pode ser retirada, nos termos dos arts. 131 e 132 do Decreto-Lei nº 9.760/1946:
Art. 131. A inscrição e o pagamento da taxa de ocupação, não importam, em absoluto, no reconhecimento, pela União, de qualquer direito de propriedade do ocupante sôbre o terreno ou ao seu aforamento, salvo no caso previsto no item 4 do artigo 105.
Art. 132. A União poderá, em qualquer tempo que necessitar do terreno, imitir-se na posse do mesmo, promovendo sumariamente a sua desocupação, observados os prazos fixados no § 3º, do art. 89.
A ocupação, assim como o aforamento, gera a obrigação ao ocupante de pagamento anual da taxa de ocupação na alíquota de 2%, recentemente fixada por meio da Lei Federal nº 13.240/2015 em seu art. 27. Essa alíquota da taxa de ocupação é calculada sobre o valor do domínio pleno do terreno de propriedade da União, não devendo ser incluído nesse cálculo o valor das benfeitorias ou construções erigidas pelo ocupante e será atualizada anualmente pela SPU.
Por não ser atribuído às ocupações nenhum direito real sobre a propriedade do imóvel, a obtenção de financiamento por instituições financeiras para a compra desses imóveis é rara, pois estas áreas nunca serão de propriedade destas instituições, ou seja, não há garantia alguma caso a União solicite o imóvel.
Na negociação desses imóveis no mercado imobiliário, após a venda e no momento de realizar a transferência de titularidade perante a SPU, é cobrado ainda o laudêmio, segundo o art. 3º do Decreto 2.398/1987, alterado pela Lei Federal nº 13.240/2015:
Art. 3º A transferência onerosa, entre vivos, do domínio útil e da inscrição de ocupação de terreno da União ou cessão de direito a eles relativos dependerá do prévio recolhimento do laudêmio, em quantia correspondente a 5% (cinco por cento) do valor atualizado do domínio pleno do terreno, excluídas as benfeitorias.
Há ainda que se dizer que o laudêmio, via de regra, deve ser pago pelo vendedor, a não ser que as partes expressamente estipulem em contrário no negócio jurídico que está sendo realizado. Tal obrigação tem fundamento no art. 2.038 do Código Civil que remete ao art. 686 do Código Civil de 1916 e no art 9º, inc. II da INSTRUÇÃO NORMATIVA Nº 1, DE 23 DE JULHO DE 2007/SPU:
Art. 2.038. Fica proibida a constituição de enfiteuses e subenfiteuses, subordinando-se as existentes, até sua extinção, às disposições do Código Civil anterior, Lei nº 3.071, de 1º de janeiro de 1916, e leis posteriores. §1º – Nos aforamentos a que se refere este artigo é defeso: I – cobrar laudêmio ou prestação análoga nas transmissões de bem aforado sobre o valor das construções ou plantações; II – constituir subenfiteuse. § 2º – A enfiteuse dos terrenos de marinha e acrescidos regula-se por lei especial.
Art. 686. Sempre que se realizar a transferência do domínio útil, por venda ou dação em pagamento, o senhorio direto, que não usar da opção, terá direito de receber do alienante o laudêmio, que será de 2,5% (dois e meio por cento) sobre o preço da alienação, se outro não se tiver fixado no título de aforamento.
Art. 9º – O laudêmio é a receita patrimonial correspondente à compensação que a União recebe pelo não exercício do direito de consolidar o domínio pleno sempre que se realize transação onerosa de transferência ou promessa de transferência do domínio útil ou da ocupação de imóvel da União, verificados:
II – como sujeito passivo, o alienante ou cedente;
Ressalta-se ainda que o pagamento de laudêmio não exclui o pagamento do ITBI (tributo municipal que incide sobre transferência de bens imóveis), assim como o pagamento de foro e taxa de ocupação não excluem o IPTU. Importante lembrar que, após o pagamento o adquirente deve proceder com a transferência do imóvel perante a SPU, na forma do art. 10º da INSTRUÇÃO NORMATIVA Nº 1, DE 23 DE JULHO DE 2007/SPU e do art. 3º, §4º, do Decreto-Lei nº 2.398/1987:
Art. 10º – A Multa de transferência é a receita patrimonial decorrente da perda do prazo estabelecido nos termos do art. 3º do Decreto-lei nº 2.398, de 1987, verificados:
I – como hipótese de incidência, o atraso no requerimento para averbação da transferência no cadastro da SPU, quando for ultrapassado o prazo de sessenta dias a contar da data do título, nas ocupações, ou da data de seu registro no cartório competente, nos aforamentos;
II – como sujeito passivo da obrigação, o adquirente do domínio útil ou da ocupação do imóvel;
III – o valor, aplicando-se a alíquota de 0,05% (cinco centésimos por cento) do valor atualizado do domínio pleno do terreno e das benfeitorias nele construídas, por mês ou fração.
Art. 3º A transferência onerosa, entre vivos, do domínio útil e da inscrição de ocupação de terreno da União ou cessão de direito a eles relativos dependerá do prévio recolhimento do laudêmio, em quantia correspondente a 5% (cinco por cento) do valor atualizado do domínio pleno do terreno, excluídas as benfeitorias.
Art. 4º Concluída a transmissão, o adquirente deverá requerer ao órgão local da SPU, no prazo máximo de sessenta dias, que providencie a transferência dos registros cadastrais para o seu nome, observando-se, no caso de imóvel aforado, o disposto no art. 116 do Decreto-Lei nº 9.760/1946.
Explicados os pontos acima, fundamentais para o entendimento do tema, percebe-se que os imóveis em área de marinha são dotados de especificidades as quais os compradores e vendedores desses imóveis precisam estar atentos.
Os compradores devem exigir, caso contratem o profissional corretor de imóveis ou empresas que atuem no ramo, que estes apresentem certidões imobiliárias que comprovem toda a evolução do imóvel, indicando os antigos proprietários, bem como que, de posse destas certidões, verifiquem no site da SPU, por meio de uma pesquisa bem simples, se há qualquer registro desses antigos proprietários, se existem débitos inscritos em divida ativa da união, ou seja, procurem informações completas sobre o imóvel.
É fundamental ainda que tais informações integrem o contrato de compra e venda a ser celebrado, para que no futuro não surjam surpresas desagradáveis, tais como dívidas com a União em virtude do não pagamento das taxas, laudêmio ou eventual multa por atraso na transferência do imóvel.
Há que se atentar ainda para que não se confie somente na Escritura Pública do imóvel, pois a SPU e os Cartórios de Registro de Imóveis, muitas vezes, falham em se comunicar e estabelecer nestas escrituras se os imóveis estão sob o regime de aforamento ou ocupação, como resultado deste problema tem-se diversos imóveis que estão inscritos na SPU, mas tal dado não aparece na escritura pública.
Portanto, ao tomar esses cuidados o consumidor pode evitar a surpresa de ser executado pela União, em razão de nunca ter recolhido as taxas de aforamento ou ocupação, bem como pelo não pagamento de laudêmio e da multa que incide sobre a transferência tardia perante a SPU, do imóvel adquirido.
Referências
[1] Tal cadastro ou demarcação está disciplinado nos arts. 10 a 14 do Decreto-Lei nº 9.760/1946, porém nem sempre a SPU observa todas as regras para efetuar tal procedimento o que pode gerar problemas (tributários principalmente) para eventuais foreiros/ocupantes perante a União.
[2] http://dados.gov.br/dataset/imoveis-dominiais-da-uniao
Fonte: JurídicoCorespondentes
Quantos anos de posse do terreno pode-se requerer Carta de Aforamento?
ResponderExcluirOtimo artigo, mas essa lei... isso e arcaico, ultrapassado, precario, abusivo, fere varios principios do direito e de qualquer ser racional... eh pura ma fe do poder publico, que nao possui qualquer argumento que sustente essa baboseira esse lixo juridico que fede a bolor...
ResponderExcluirMinha mãe recebe essa taxa absurda anualmente Laudemio. A casa era do meu avô e passou pra ela. Como cancelar isso? Que lei que posso me basear para parar com essa cobança?
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