Nos casos em que o Condomínio possui destinação exclusivamente residencial, há noticias de alguns de seus proprietários que têm realizado várias locações em curto espaço de tempo (ex. Um, dois, três dias ou até um final de semana ou feriado), locando ou cedendo o imóvel para diversas pessoas estranhas ao condomínio, semelhante ao que ocorre nas estadias em hotéis, flats e pousadas.
Este tipo de locação ou hospedagem tem ocorrido com frequência ultimamente, estimulado por empresas que administram ou indicam essas estadias em sites de buscas nainternet. Grosso modo, o serviço é ofertado aos proprietários com apartamentos vazios e sem utilização ao longo do ano, com a promessa de ganhos rápidos e sem muita burocracia, explorando o seu imóvel mesmo fora de temporadas e por períodos curtos. Ao passo que é oferecido aos interessados, hospedagem com ótima localização e baixo custo de mercado, se comparado com os preços praticados por hotéis e congêneres.
Os imóveis ofertados são bem localizados, mobiliados e com a segurança de um condomínio residencial privado, em ambiente acolhedor e familiar. O locador é chamado dehóspede e o interessado na locação ou cessão de uso do apartamento de anfitrião.
O fato é que essa nova modalidade de locação – ou hospedagem como é chamada - tem causado muitas dúvidas e insegurança à comunidade condominial. A principal reclamação é a de que esses “hospedes”, por serem pessoas estranhas ao condomínio (estrangeiros em alguns casos), acabam transitando livremente pelas áreas comuns e se utilizando de toda estrutura da edificação, tais como: piscina, sauna, salão de festas, churrasqueira, quadras de esportes, etc. Isso sem falar no aumento das despesas condominiais devido ao maior uso das áreas comuns e dos equipamentos e funcionários do condomínio.
Pois bem, num ambiente estritamente residencial, os condôminos se conhecem e sabem, exatamente, quem mora e quem não mora no condomínio, diferente do que ocorre em um empreendimento comercial. Aliado a isso, o período de estadia é muito curto e sequer existe a identificação desses hospedes, de modo que havendo algum dano à edificação ou algum condômino, dificilmente será alcançada a reparação civil contra o hóspede que já poderá estar longe. Maior insegurança existe ainda com relação aos filhos dos condôminos que circulam juntamente com os hospedes pelas áreas comuns.
Ou seja, dá-se uma destinação diversa ou ampliativa ao condomínio, transformando-o numa espécie de hotel ou pousada para hóspedes, podendo acarretar, como visto acima, diversos transtornos aos seus condôminos, gerando uma situação de insegurança dentro de um ambiente que deveria ter o acesso controlado e de uso residencial e privativo.
Ora, não há dúvidas de que o proprietário-locador está dando uma destinação diversa da prevista na Convenção do Condomínio, pois, sendo um edifício exclusivamente residencial, não poderia ser dada destinação comercial ou para a finalidade empresarial.
Segundo dispõe o Código Civil é proibido ao condômino alterar a destinação dada à edificação, fazendo uso de forma diversa da prevista em Convenção. Confira-se:
Art. 1.332. Institui-se o condomínio edilício por ato entre vivos ou testamento, registrado no Cartório de Registro de Imóveis, devendo constar daquele ato, além do disposto em lei especial: III - o fim a que as unidades se destinam.
Art. 1.335. São direitos do condômino: (...) II - usar das partes comuns, conforme a sua destinação, e contanto que não exclua a utilização dos demais compossuidores;
Art. 1.336. São deveres do condômino: (...) IV - dar às suas partes a mesma destinação que tem a edificação, e não as utilizar de maneira prejudicial ao sossego, salubridade e segurança dos possuidores, ou aos bons costumes.
A alteração da destinação do edifício, somente seria possível mediante a realização de assembleia geral, com quórum de aprovação unânime dos condôminos, nos termos do art.1.351, do Código Civil: (...) a mudança da destinação do edifício, ou da unidade imobiliária, depende da aprovação pela unanimidade dos condôminos.
Desse modo, sendo o condomínio exclusivamente residencial, não poderia exercer atividades empresariais ou profissionaisdentro das unidades.
Subsidiariamente, ainda que se alegue, por amor ao debate, não se tratar de alteração na destinação, posto que utilizado o imóvel com a finalidade de residência (hospedagem) e não para o exercício de uma atividade típica de comercio (ex. Escritório ou consultório), o fato é que esse tipo de utilização em muito se assemelha à locação para temporada, como dispõe o artigo 48 da Lei de Locações (8.245/91), in verbis:
Art. 48. Considera-se locação para temporada aquela destinada à residência temporária do locatário,para prática de lazer, realização de cursos, tratamento de saúde, feitura de obras em seu imóvel, e outros fatos que decorrem tão-somente de determinado tempo, e contratada por prazo não superior a noventa dias, esteja ou não mobiliado o imóvel.
Com efeito. A locação para temporada se dá por um período curto não superior a noventa dias, na realidade, costuma haver a contratação de uma locação por um período maior (um mês, dois, um semestre, um período de férias ou veraneio). Já nas locações realizadas neste novo formato de hospedagem, o prazo é muito curto, havendo casos de locações por um único dia ou final de semana prolongado. Por esse ângulo, igualmente seria afastada a ideia de locação típica para temporada, seja pelo exíguo prazo (em que pese não superior a noventa dias), como também seria descaracterizada pela denominação empregada “hospede”, tentando afastar a lei de locações à essa nova modalidade de negócio.
Certamente que o proprietário tem o direito de alugar sua unidade para quem lhe interessar, pelo período que desejar. Quanto a isso não há discussão.
A questão é que mesmo para temporadas curtas, o locador (assim como seus hóspedes e visitantes) deverá respeitar às regras de convivência estabelecidas na Convenção o noRegulamento Interno a todos imposta, até mesmo aos não condôminos, havendo o registro em cartório (efeito erga omnes).
Ao desvirtuar a finalidade do edifício ou, no caso de utilizar a unidade de modo incompatível e prejudicial aos demais condôminos, estaria o proprietário (assim como seu hóspede) infringindo as normas condominiais, bem violando diretamente a Lei – que no caso e o artigo 1.336, IV, do Código Civil.
Para Biasi Ruggiero[1], a proibição de desvio da destinação visa coibir um uso tão intensivo que exceda o limite do normal em uma residência, evitando que a afluência de pessoas chegue a conspirar contra a tranquilidade e a segurança dos demais ocupantes, a desvalorização patrimonialmente às unidades e a aumentar as despesas com maior solicitação de serviços.
Segundo Hamilton Quirino Câmara[2]: “A convenção de prédio tipicamente residencial proíbe, via de regra, a utilização das áreas privativas ou áreas comuns com atividades mercantis, não especificando a atividade, pois são inúmeras as possibilidades. Assim, em princípio, estaria proibida a utilização de apartamento em qualquer atividade comercial, ainda que se trate de um atelier. Reforça a proibição a presença constante de pessoas estranhas ao prédio, como empregados, fregueses e fornecedores, o que, geralmente, prejudica a segurança dos demais moradores”.
O uso irregular da unidade pelo inquilino, por exemplo, configura ato ilício e motivo para a rescisão do contrato de locação, propiciando ao locador a propositura de ação de despejo, por mau uso da unidade, nos termos do art. 23, da Lei de Locações[3].
O direito de propriedade não é absoluto. A contrário, sendo constatado um abuso de direito por parte do proprietário quanto ao uso regular da sua unidade, o Judiciário poderá intervir até mesmo na propriedade privada e restringir o uso de maneira irregular e atentatória ao direito de vizinhança. É o que prevê o Capítulo V, Seção I, do artigo 1.277, do Código Civil, ao tratar: “Do direito de vizinhança – do uso anormal da propriedade, in verbis:
Art. 1.277 - O proprietário ou o possuidor de um prédio tem o direito de fazer cessar as interferências prejudiciais à segurança, ao sossego e à saúde dos que o habitam, provocadas pela utilização de propriedade vizinha.
Na mesma linha é o art. 187 do Código Civil que: “também comete ato ilícito o titular de um direito que, ao exercê-lo, excede manifestamente os limites impostos pelo seu fim econômico ou social, pela boa-fé ou pelos bons costumes” (teoria do “abuso de direito”).
O Código Civil, em seu artigo 1.336, impõe a cada condômino o dever de não utilizar a propriedade de modo prejudicial, causando prejuízos aos demais condôminos, ao que se refere ao sossego, à salubridade, à segurança e aos bons costumes, in verbis:
Art. 1.336. São deveres do condômino: (...) IV - dar às suas partes a mesma destinação que tem a edificação, e não as utilizar de maneira prejudicial ao sossego, salubridade e segurança dos possuidores, ou aos bons costumes.
Logo, uma vez identificado que o morador da unidade, seja ele proprietário, inquilino, hóspede ou visitante, está causando prejuízos aos demais condôminos, o síndico deverá fazer cumprir a regras internas do condomínio, aplicando àsadvertências e multas previstas na Convenção e no Regulamento Interno.
Frise-se que a multa aplicada ao inquilino (ou possuidor) deve ser imediatamente comunicada ao proprietário, para que este último tome às providências que entender necessárias perante o seu inquilino, inclusive, promovendo ação de despejo com fundamento na quebra do contrato, pois, o inquilino é obrigado a respeitar as regras internas do condomínio, por força do artigo 23, inciso X, da Lei de Locações (O locatário é obrigado a: - cumprir integralmente a convenção de condomínio e os regulamentos internos).
O TJ-SP já enfrentou um caso semelhante, reconhecendo a validade da convenção que restringia o uso das unidades para locação por temporada ou finais de semana, diante dos transtornos causados àquela comunidade condominial. Confira:
“Os autores proprietários de um apartamento de veraneio no condomínio requerido, confessadamente utilizado para locação por temporada ou fim de semana, insurgem-se contra a limitação de ocupantes por unidade residencial, estabelecida em assembleia geral, para os casos de locação ou empréstimo. A convenção condominial estabelece que (...) as unidades autônomas do edifício (...) se destinam exclusivamente a fins residenciais, vedado, portanto, seu uso para qualquer outro fim, tendo cada proprietário o direito de usar, gozar e dispor de sua propriedade exclusiva, como melhor lhe aprouver, desde que não prejudique igual direito dos demais condôminos, e não comprometa a segurança, solidez e o nome do edifício, e nem de às unidades autônomas destinação diversa da finalidade do prédio. (...) Ao que se tem, não estipulou a assembleia geral nenhuma alteração na convenção condominial nem no regimento interno. Ao revés, e sem interferir no direito de propriedade dos autores, apenas fixou regra para casos específicos. Estabelecendo, como lhe era permitido até mesmo por imperativo de segurança e do bom nome do edifício -, diretrizes para hipóteses de empréstimo ou locação a terceiros estranhos ao quadro de proprietários do condomínio. Ademais, a anulação da decisão assemblear perquirida pelos autores confessadamente busca resguardar unicamente a exploração econômica do bem. O que, em assim sendo, além da segurança, deixa de observar o direito dos outros condôminos em não se verem às voltas com toda sorte de aborrecimentos causados pelo excesso de ocupantes nas unidades locadas ou emprestadas, mormente nos festejos de fim de ano e férias (v. G., falta d'agua ocasionada pela excessiva demanda decorrente da desmesurada lotação de unidades). Por outro lado, como bem consignado pela r. Sentença, “a anulação de assembleia de condomínio somente deve ser decretada quando presentes motivos fortes e suficientes que evidenciem ruptura ao sistema legal ou prejuízo concreto à sociedade condominial. Afora esses casos, as deliberações adotadas por coletividade de condôminos, regularmente reunidos em assembleia, devem ser preservadas. Por fim, consigno que a análise de mérito das matérias tratadas nas normas condominiais, uma vez provenientes de deliberações em assembleias, deve-se restringir à legalidade dos comportamentos dos sujeitos nela inscritos, e não à justeza das deliberações, caso em que os interessados deverão se acudir da própria assembleia geral, seara apta a tratar destes assuntos”. (Apelação nº 0020327-73.2012.8.26.0477. Relator: Luiz Ambra. Comarca: Praia Grande; Órgão julgador: 8ª Câmara de Direito Privado; Data do julgamento: 19/01/2015; Data de registro: 19/01/2015).
Cumpre transcrever um trecho do v. Acórdão julgado pelo Segundo TAC-SP, em 29.02.2000 (Apelação Cível nº 609.498-0/9), tendo como Relator VIEIRA DE MORAES:
“Por regra encontrada no artigo 10, inciso II, da já citada Lei do Condomínio e Incorporações, é defeso a qualquer condômino usar a unidade de forma nociva ou perigosa ao sossego, à salubridade e à segurança dos demais condôminos. Essa espécie de propriedade, pois, por sua natureza, apresenta restrições ao exercício do respectivo direito muito mais amplas que aquelas preconizadas pela recorrente. “Consoante lição de João Batista Lopes, ilustre magistrado que já integrou esta Corte, no seu Condomínio, “... A vida em comum, no mesmo edifício, sujeita os condôminos a uma disciplina jurídica especial, em que não há lugar para o individualismo ou o egoísmo... Na solução de conflitos, deverá o juiz dar prevalência, sempre, aos direitos da coletividade condominial e não aos interesses de um único condômino, por mais respeitáveis que sejam... Essa orientação se ajusta perfeitamente aos fins sociais da lei e às exigências do bem comum, na medida em que evita a desarmonia e o dissentimento entre os condôminos, preservando a ordem, a disciplina e a tranquilidade do edifício”. (...) “O exercício da propriedade não pode ser colocado em nível de extremado individualismo, que ignore os interesses coletivos” (in 6a ed. Págs. 153 e 154). Por fim, conclui, “Para que se preserve a harmonia, possível a limitação do número de ocupantes de cada apartamento, desde que o condomínio ou seu representante, com delegação para tal não aja abusivamente”.
Verifica-se que o assunto é bastante polêmico e longe está de ser solucionado, pois, o direito de propriedade não pode colidir com outros direitos igualmente protegidos, como o direito de vizinhança e a função social da propriedade. O abuso no exercício do direito de propriedade deve ser evitado, para que todos possam conviver harmonicamente dentro do condomínio, respeitando a paz, o sossego, a segurança, a salubridade e os bons costumes (art. 1.336, do Código Civil).
O síndico poderá se reunir com os seus conselheiros e propor a deliberação do assunto em assembleia, apontando os reais prejuízos ao condomínio e, se for o caso, colocar em votação se o condômino que aluga sua unidade por curtos períodos de tempo deverá ou não suspender esta pratica, caso considerada prejudicial aos demais condôminos, desvirtuando a destinação residencial do condomínio.
Alternativamente, poderá ser disciplinado em ata ou sugerida a inclusão no Regulamento Interno, para que em situações semelhantes fosse obrigatório ao proprietário-locador informar com razoável antecedência ao síndico os dados básicos e identificação dos hóspedes, o período em que irá permanecer na unidade, constando, ainda, que o proprietário da unidade seria o responsável por eventuais danos causados nas áreas comuns ou aos demais condôminos, ou seja, regras que proporcionassem maior segurança aos condôminos residentes.
Melhor seria ainda o acompanhamento ou monitoramento da entrada e saída dos hóspedes, realizando-se um registro na portaria, cadastrando os dados e contatos daqueles, ajustando a entrega das chaves com o síndico.
Enfim, há muito o que se pensar para fins de se tornar esse novo tipo de negócio vantajoso não só para o proprietário que aluga a sua unidade por um preço razoável, mas também para trazer maior segurança e organização à comunidade condominial, evitando prejuízos ao sossego e aos bons costumes do local.
Referências:
[1] Questões Imobiliárias. São Paulo: Saraiva, 1997, pág. 73.
[2] Condomínio Edilício. Editora Lumen Juris: Rio de Janeiro, 2004, pág. 51.
[3] Art. 23 - O locatário é obrigado a: II - servir-se do imóvel, para o uso convencionado ou presumido, compatível com a natureza deste e com o fim a que se destina, devendo tratá-lo com o mesmo cuidado com o se fosse seu.
Alexandre Callé - Advogado Especializado em Condomínios e Locação
Fonte: Artigos JusBrasil
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