segunda-feira, 13 de junho de 2016

A INFLUÊNCIA DO NOVO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL NA LOCAÇÃO DE IMÓVEIS


O novo Código de Processo Civil entrou em vigor no mês de março de 2016 e trouxe consigo muitos ajustes que a princípio parecem ser complexos. Ao elaborar um Código de Processo Civil é difícil para o legislador antever as repercussões em todos os procedimentos especiais. Muitas delas foram colocadas em segundo plano ao longo do processo legislativo ou sequer imaginadas. Assim, incumbirá à doutrina e à jurisprudência o papel de compatibilizar as regras da legislação com o novo CPC.

– Não é uma mera reforma da legislação processual anterior. Não adianta pegar o Código novo e tentar encontrar o que já se conhecia do velho. É uma profunda reformulação do sistema processual brasileiro e pensar como isso vai interagir com leis feitas muito tempo antes, como é o caso da Lei de Locações, é um desafio. Certamente muitas coisas só iremos perceber depois, quando os problemas começarem a surgir – destacou o Desembargador Aexandre Freitas Câmara. 

Segundo Câmara, as influências mais óbvias estão intrinsecamente ligadas ao que está na Lei 8.245/91, a Lei de Locações.

– As óbvias são as que vão se produzir diretamente sobre a interpretação dos artigos do título II da Lei de Locações, como, por exemplo, o título chamado “Dos procedimentos” que começa no artigo 58 e que trata das disposições gerais e depois das quatro ações locatícias: despejo, consignação de aluguel e acessórios da locação, revisional de aluguel e renovatória de locação.

Métodos de Citação

A primeira dessas influências está contida no artigo 58 da Lei de Locações, pois com o novo CPC terá de ser feita uma nova releitura desse artigo. O inciso IV traz uma redação que na época era reconhecida como grande progresso, mas que não se sustenta no dias de hoje.

O inciso IV do artigo 58 estabeleceu que desde que autorizado no contrato, a citação, intimação ou notificação seria feita mediante correspondência com aviso de recebimento, ou seja, via postal.

Historicamente, esse dispositivo quando editado, em 91, foi um grande avanço. Nessa época o CPC não permitia a citação postal, sendo que, posteriormente, o Código foi sendo reformado e até citação por meio eletrônico ele passou a prever. E aí se passou a considerar que deveria haver uma releitura deste inciso a partir do novo Código, onde a citação poderia ser feita independente de previsão contratual.

– De toda a sorte há no inciso IV que a citação poderá ser feita pelos meios previstos no Código de Processo Civil. E aí que vem o ponto. É que o novo CPC prevê um novo mecanismo de citação para as pessoas jurídicas, salvo apenas as micro e pequenas empresas. Elas têm o dever de se cadastrar junto ao Tribunal, porque as citações serão feitas por meios eletrônicos. Não vão mais receber citação pelo correio, não vão receber mais citação por oficial de justiça, a citação é por meio eletrônico, através do portal de citações e intimações do Tribunal, que foi criado por conta da lei 11.419/2006, a lei da informatização do processo – explicou o Desembargador Alexandre Câmara.

Como a citação é feita pela página virtual, lançada a notícia da citação da empresa no portal, ela terá de acessar em 10 dias e caso não acesse ela já estará citada. Todas as pessoas jurídicas do Brasil tem que se cadastrar, salvo as micro e pequenas empresas.

– No Brasil de hoje, que tudo se faz por meios eletrônicos, inclusive contratos, e-commerce e outras questões, era inevitável que se caminhasse nesse sentido – ressaltou Câmara.

Efeito Suspensivo na Locação

A outra disposição que implica nessa influência do novo CPC diz respeito ao inciso V do artigo 58, conhecido por força do qual a apelação nas ações locatícias se recebe sem efeito suspensivo, ao menos como regra. Existe a possibilidade de obter efeito suspensivo por decisão judicial, mas por força de lei a apelação não tem o efeito suspensivo automático.

– Mas há uma novidade no regime de tratamento deste fenômeno. Pelo CPC de 73, proferida a sentença e cabível contra ela apelação sem efeito suspensivo, a partir do momento em que o juiz recebia essa apelação tornava-se possível postular a chamada execução provisória da sentença. O novo CPC altera esse regime. Ele diz expressamente que quando por força de lei a apelação não tenha efeito suspensivo, a sentença começa a produzir efeitos a partir do momento da publicação e, portanto, já a partir daí, é possível postular a execução provisória da sentença, o que o Código chama de cumprimento provisório da sentença – comentou Câmara.

Com isso, de acordo com o Desembargador, o processo de despejo vai ganhar mais rapidez:

– Perceba a importância disso, por exemplo, no despejo. Publicada a sentença, cabe apelação sem efeito suspensivo. No regime do Código anterior era preciso aguardar que a apelação fosse interposta, 15 dias, e aguardar que o juiz declarasse receber a apelação, que dependendo da Vara ou Comarca, poderia levar perto de um ano. Recebida a apelação, aí era possível postular a execução provisória. Agora, o advogado do locador já poderá postular a execução provisória no dia seguinte à publicação da sentença. Então, nós temos aí um ganho de tempo que pode ser monumental. Essa é uma modificação extremamente relevante, e que para quem está acompanhando os debates travados sobre o CPC pode ter passado despercebido.

Tutela da Evidência

Ainda falando das ações de despejo, a influência do novo Código pode ser percebida nas questões de tutela, por exemplo. O artigo 59 da Lei de Locações, que trata das ações de despejo foi alterado com acréscimo de várias novas hipóteses de despejo liminar, por uma reforma que, posteriormente, se fez na Lei de Locações. Era um dispositivo que a doutrina e grande parte da jurisprudência interpretava a partir da ideia que tutelas provisórias eram, no sistema processual brasileiro, tutelas de urgência. E, portanto, para concessão da medida, seria necessário que se fizessem presentes a probabilidade de existência do direito e uma situação de perigo de dano iminente.

– O novo CPC reformula esse conceito. Ele estabelece que há tutelas provisórias de urgência e há tutelas provisórias que não são de urgência, chamadas tutelas da evidência. A tutela da evidência é uma tutela jurisdicional provisória, obtida no começo do processo, satisfativa do direito, ela realiza na prática a pretensão do autor e que não depende de urgência. Ela exige uma existência de probabilidade que o autor tenha razão, associada à existência de algum dos casos que a lei prevê como sendo da tutela da evidencia – destacou Câmara.

O desembargador ainda explicou como funcionaria na prática as tutelas de evidência com o novo CPC:

– Imagine a seguinte situação: um contrato de locação, em que o locador considera que o locatário teria cometido uma infração ao contrato. Ele propõe a ação do despejo por infração contratual e junta com sua petição inicial prova documental suficiente para demonstrar que a tal infração foi cometida. O réu é citado, e quando vai oferecer a contestação ele não consegue trazer documentos suficientes para gerar dúvida razoável sobre os documentos do autor. O Código diz que nesse caso, cabe ao juiz conceder a tutela da evidência, ou seja, na hora da réplica o autor poderá dizer os documentos que o réu trouxe não são capazes de gerar dúvidas razoáveis sobre aquilo que prova com seus documentos. Despeja primeiro, depois se colhe as provas dele: tutela da evidência.

Isso vai influenciar na releitura dos dispositivos que compõe o parágrafo primeiro do artigo 59 da Lei de Locações, o que vai permitir, portanto, uma obtenção menos complicada, menos difícil, de liminares nas ações de despejo.

Ação Monitória no Despejo

A outra influência é a possibilidade de propor o despejo por ação monitória. No CPC de 73 só poderia utilizar esse procedimento para cobrar dinheiro ou para exigir a entrega de coisa móvel. Pelo novo CPC esse mecanismo pode ser usado nas hipóteses mencionadas, mas também para exigir a entrega de coisa imóvel ou exigir o cumprimento de ações de fazer ou não fazer. É possível exigir a entrega de bem imóvel pelo procedimento monitório.

– A lei exige que haja prova escrita do direito ou dos fatos que servem de fundamento para a existência do direito. É claro que a gente não vai conseguir usar isso em qualquer ação de despejo, mas há pelo menos um caso em que é muito tranquilo usar isso. É o da ação de despejo por denuncia vazia, que bastará o autor juntar a cópia do contrato de locação e a cópia da notificação recebida pelo locatário, com pelo menos 30 dias, para já ter prova suficiente de que já se constitui seu direito na retomada do imóvel. E aí o réu será citado e terá 15 dias para cumprir a obrigação entregando o imóvel ou oferecer embargos – explicou Câmara.

O jurista aborda ainda mais benefícios para quem desejar propor esse tipo de ação:

– Se o réu interpor embargos cairemos num procedimento comum, que é o mecanismo que uma ação de despejo teria de qualquer maneira. Se ele deixar passar o prazo, está constituído de pleno direito e sem qualquer outra formalidade o título executivo, é só executar. E veja que não há que se cogitar em apelação. A execução será definitiva. E caso ele cumpra a obrigação dos 15 dias, fica isento de custas e paga honorários de 5% sobre o valor da causa. Penso que não custa tentar, por que no pior das hipóteses seria como se nós usássemos o procedimento comum. Aí surge um estímulo para a entrega rápida do imóvel, isenção de custas e um valor a menos no pagamento dos honorários.

Ação Revisional

A última influência óbvia, segundo Alexandre Câmara, diz respeito à ação revisional de aluguel. A Lei de Locações diz que essa ação tem um procedimento sumário. Só que o novo CPC aboliu esse procedimento. Então como fazer para dar cumprimento a lei de locações? Existem duas questões diferentes: uma é das ações que já estão em curso e outra é a das futuras. O Código dá solução para ambas.

Na parte do novo Código onde está escrito Disposições finais e transitórias, há a solução para essa questão. Para as que estão em curso, há uma previsão expressa no sentido de que até a sentença aquele processo continuará regido pelas disposições do Código de 73. Então, se seguirá pelo procedimento sumário, nos termos do código anterior, até a sentença. Para as novas, há um dispositivo no Código que diz que quando a lei específica determina a aplicação de um procedimento que por este Código tenha sido abolido faz-se usar o procedimento comum, observadas as disposições específicas da lei especial.

E isso vai fazer com que as ações revisionais de aluguel tenham procedimento singular, absolutamente diferente de qualquer outro mecanismo do Direito Brasileiro. Isso por que terá que se seguir o procedimento comum com as modificações expressamente previstas na lei de locações. E a lei diz que o réu é citado para uma audiência, igual ao procedimento comum, só que não havendo consenso, pelo procedimento comum do novo Código, corre a partir daí o prazo da contestação. Mas a lei de locações tem dispositivo expresso dizendo que a contestação é oferecida na audiência.

– Então vamos ter um procedimento singular, em que o réu é citado para a audiência e não havendo solução consensual ele deverá oferecer contestação na própria audiência. E daí por diante será observado o procedimento comum. É um mecanismo que não será o sumário e nem o comum, ou seja, singular, um procedimento especificamente criado para a ação revisional do aluguel.

Fonte: Revista Stand / CRECI-RJ

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