É o negócio jurídico pelo qual se transmite um estabelecimento comercial, em sua integralidade, ou seja, transfere- se o direito de propriedade sobre o estabelecimento. Salvo disposto contratual em contrário, a venda do estabelecimento abarca todos os bens corpóreos e incorpóreos, sejam eles imóveis ou móveis, desde que considerados indispensáveis à continuidade do exercício da atividade empresarial pelo adquirente.
O instituto possui regras próprias prescritas nos artigos 1.142 ao 1.149 do Código Civil, os quais, a inobservância podem geram grandes transtornos.
Vejamos artigo 1.144:
“O contrato que tenha por objeto a alienação, o usufruto ou arrendamento do estabelecimento, só produzirá efeitos quanto a terceiros depois de averbado à margem da inscrição do empresário, ou da sociedade empresária, no Registro Público de Empresas Mercantis, e de publicado na imprensa oficial.”
Conforme dispositivo, o registro em órgão competente é requisito de validade para que seja dada publicidade e para surta efeitos em relação a terceiros.
Segue artigo 1.145:
“Se ao alienante não restarem bens suficientes para solver o seu passivo, a eficácia da alienação do estabelecimento depende do pagamento de todos os credores, ou do consentimento destes, de modo expresso ou tácito, em trinta dias a partir de sua notificação.”
Em interpretação sistemática, do artigo supracitado em consonância com o artigo 104 do mesmo diploma, depreende-se que a inobservância dos procedimentos mencionados poderá implicar em nulidade do negócio jurídico celebrado.
Artigo 104:
“A validade do negócio jurídico requer:
I – agente capaz;
II – objeto lícito, possível, determinado ou determinável;
III – forma prescrita ou não defesa em lei.”
Ademais, a Lei nº 11.101/95 de Recuperação de Empresas e Falências, quando interpretada em conjunto com demais dispositivos, culmina em consequência mais gravosa, qual seja, a falência da empresa.
Na mesma linha de raciocínio, vejamos o artigo 1.146 do Código Civil:
“O adquirente do estabelecimento responde pelo pagamento dos débitos anteriores à transferência, desde que regularmente contabilizados, continuando o devedor primitivo solidariamente obrigado pelo prazo de um ano, a partir, quanto aos créditos vencidos, da publicação, e, quanto aos outros, da data do vencimento.”
O dispositivo é objetivo e claro, contudo, importante ressaltar que o adquirente responde pelos débitos do vendedor, desde que estejam declarados. Quanto aos débitos trabalhistas e fiscais, restará ao adquirente o regresso contra o vendedor.
Importante ressaltar ainda, que a venda do estabelecimento comercial somente será possível com a anuência dos credores do vendedor, caso contrário o negócio será considerado nulo.
Observa-se, pelo prazo de um ano, o vendedor, solidariamente permanecerá respondendo pelos débitos com o adquirente. Para as obrigações vencidas, esse prazo inicia-se a partir do ato que dá publicidade ao negócio e para as obrigações vincendas, a partir do vencimento de cada obrigação respectivamente.
Buscando maior proteção jurídica ao adquirente, o artigo 1.147 e parágrafo único dispõe:
“Não havendo autorização expressa, o alienante do estabelecimento não pode fazer concorrência ao adquirente, nos cinco anos subseqüentes à transferência.
Parágrafo único. No caso de arrendamento ou usufruto do estabelecimento, a proibição prevista neste artigo persistirá durante o prazo do contrato.”
A norma disciplina como regra a proibição da concorrência, porém, o adquirente poderá autorizar de modo expresso que o vendedor permaneça no mesmo ramo de negócio.
E segue o artigo 1.148 do mesmo diploma:
“Salvo disposição em contrário, a transferência importa a sub- rogação do adquirente nos contratos estipulados para exploração do estabelecimento, se não tiverem caráter pessoal, podendo os terceiros rescindir o contrato em noventa dias a contar da publicação da transferência, se ocorrer justa causa, ressalvada, neste caso, a responsabilidade do alienante.”
O que significa dizer que, a compra do estabelecimento compreende todos os bens e todos os negócios jurídicos, ativos e passivos, que dele façam parte, excetuando os contratos de cunho pessoal ou excluídos expressamente em contrato. E respeitando a livre contratação, faculta aos terceiros contratado, a rescisão dos contratos no prazo de noventa dias, a partir do ato de publicidade do negócio se resultar em justa causa, ou seja, quando houver mudanças nos termos da contratação, por exemplo.
E por fim, vejamos o artigo 1.149 do Código Civil:
“A cessão dos créditos referentes ao estabelecimento transferido produzirá efeito em relação aos respectivos devedores, desde o momento da publicação da transferência, mas o devedor ficará exonerado se de boa-fé pagar ao cedente.”
Portanto, assim como os débitos, os créditos do estabelecimento também são transferidos com a realização do negócio, salvo exista expressa disposição em contrário, caso contrário os devedores do estabelecimento deverão honrar seus compromissos perante o adquirente. Contudo, o devedor que de boa-fé realizar pagamento ao vendedor, será exonerado de responsabilidades.
Nas situações em que o vendedor necessita de anuência dos credores para a realização do negócio, se faz indispensável que estes sejam comunicados por meio hábil e eficaz, a fim de que não aleguem ignorância ato negocial.
Como fica a situação dos funcionários?
De acordo a CLT – Consolidação das Leis Trabalhistas, em regra os contratos de trabalho são transmitidos ao adquirente, salvo se, antes da transmissão, o contrato houver findado, ou havido acordo entre o vendedor e o adquirente, no sentido de que os trabalhadores continuarão o serviço em outro estabelecimento. Neste caso, deverá ser observado que o trabalhador não poderá ser prejudicado. Observa-se que a mudança patronal não depende de anuência do trabalhador.
Vejamos o disposto no artigos 10 e 448 do Decreto Lei nº 5.451/93, respectivamente:
“Qualquer alteração na estrutura jurídica da empresa não afetará os direitos adquiridos por seus empregados.”
“A mudança na propriedade ou na estrutura jurídica da empresa não afetará os contratos de trabalho dos respectivos empregados.”
E o contrato de locação do estabelecimento?
Nos termos do artigo 13 da Lei nº 8.245/91 – Lei do Inquilinato, exige-se o consentimento prévio e por escrito do proprietário do imóvel.
Vejamos redação do artigo supracitado e seu parágrafo segundo:
“A cessão da locação, a sublocação e o empréstimo do imóvel, total ou parcialmente, dependem do consentimento prévio e escrito do locador.
§ 2º Desde que notificado por escrito pelo locatário, de ocorrência de uma das hipóteses deste artigo, o locador terá o prazo de trinta dias para manifestar formalmente a sua oposição.”
Notificado, o proprietário do imóvel possuirá o prazo de 30 (trinta) dias para manifestar formalmente sua posição, sendo que o silêncio importa em consentimento tácito.
Caso não haja essa comunicação formal por parte do vendedor ao proprietário do imóvel, a transferência do fundo de comércio será denominada “clandestina”, termo utilizado pelo STJ – Superior Tribunal de Justiça, quando a venda do estabelecimento comercial é realizada sem a anuência do proprietário do imóvel/locador.
Nesta situação o mesmo diploma em seu artigo 9º, inciso II, assegura ao proprietário do imóvel a propositura da Ação de Despejo:
“A locação também poderá ser desfeita:
II – em decorrência da prática de infração legal ou contratual.”
Ainda que o adquirente cumpra com todas as suas obrigações, a lei assegura ao proprietário essa possibilidade.
Notadamente, o Trespasse é um instituto recheado de peculiaridade e variáveis. Há a necessidade de cautela frente aos desdobramentos do caso concreto, logo, se faz indispensável um profissional perspicaz, uma vez que, a realização do negócio é norteada de riscos que podem comprometer a prática da atividade comercial.
Andreia Ribeiro - Advogada
Fonte: Artigos JusBrasil