I – Introdução à Alienação do Estabelecimento Empresarial
O empresário detentor de um determinado estabelecimento empresarial pode aliená-lo, sendo essa alienação denominada juridicamente como “trespasse” e é popularmente visto com a expressão “passo o ponto”. O trespasse é, sucintamente, o instituto jurídico pelo qual um estabelecimento empresarial deixa de integrar o patrimônio de um empresário (o alienante) para passar a integrar o patrimônio de outro (o adquirente), através de um contrato.
Importante ressaltar que não se confunde, apesar de ter o mesmo efeito econômico, o trespasse com a cessão de quotas sociais de sociedade limitada ou a alienação de controle de sociedade anônima. No trespasse, como supracitado, um estabelecimento deixa de integrar o patrimônio do alienante para integrar o do adquirente, logo, o objeto da venda é o estabelecimento empresarial. Já na cessão de quotas ou alienação de controle, o objeto da venda é a participação societária. Tal distinção é importante de ser ressaltada pois a sucessão empresarial pode existir ou não no trespasse, porém não existirá na alienação de participação societária.
II – A Sucessão das Obrigações no Trespasse
Vários países preocuparam-se, em seus respectivos ordenamentos jurídicos, de disciplinar a alienação do estabelecimento empresarial para preservar os interesses dos credores. Na Alemanha, a regra era de que importava responsabilidade do adquirente pelas obrigações do alienante perante os credores apenas nos casos em que o nome empresarial era mantido. Os franceses davam direito aos credores do alienante a se oporem à alienação do estabelecimento para discutir o preço do contrato, que deveria ser suficiente para a solvência das obrigações por parte do alienante. A lei dos argentinos determina que o valor do trespasse não possa ser inferior ao total das obrigações do alienante e a sua consolidação não pode ser realizada antes de 10 dias da publicação da venda, para que os credores tenham tempo de se opor. Por fim, porém não menos importante, os italianos definem que o adquirente sub-roga todas as obrigações do alienante, sejam elas ativas ou passivas, exceto as de caráter pessoal e as ressalvadas expressamente no contrato.
A princípio, antes da entrada em vigor do Código Civil, nosso ordenamento considerava que as dívidas não faziam parte do estabelecimento empresarial, logo, os credores do alienante não podiam cobrar dívidas ao adquirente. Haviam três ressalvas à essa regra, a primeira era a assunção contratual, a segunda eram as dívidas fiscais e, por fim, as trabalhistas.
Porém, após a entrada em vigor do Código Civil, esse panorama foi totalmente alterado, pois o adquirente torna-se responsável por todas as obrigações relacionadas à atividade explorada em um determinado estabelecimento empresarial, cessando a responsabilidade do alienante apenas após decorrido o prazo de um ano, conforme disposto no artigo 1.146 do Código Civil.
O ordenamento brasileiro estabeleceu uma regra para concretização do trespasse, qual seja, a anuência expressa dos credores do alienante, sendo dispensável caso o alienante continue solvente após a transferência do estabelecimento. Caso essa formalidade seja descumprida, poderá acarretar diversos danos ao adquirente, pois os credores podem até tomar-lhe o estabelecimento judicialmente caso o alienante tenha sua falência decretada, conforme disposto no artigo 129, IV da lei 11.101/05.
III – Não restabelecimento do alienante
A cláusula proibindo o restabelecimento do alienante na mesma zona comercial do adquirente é quase certa nos contratos de trespasse, se não certa, afinal o adquirente paga ao alienante para poder explorar a atividade comercial da mesma forma que era anteriormente explorada, logo, se o alienante se restabelecesse na mesma zona comercial, atrairia a clientela do adquirente, o que caracterizaria o enriquecimento indevido.
Os italianos foram os primeiros a positivar tal situação, proibindo pelo prazo de 5 anos o restabelecimento do alienante. É, porém, unânime da doutrina e na jurisprudência de diversos países que tal proibição tem um limite. O empresário que aliena um determinado estabelecimento comercial não fica impedido de realizar uma atividade não concorrente à alienada, ou de exercê-la em uma zona geográfica diferente da alienada. O objeto da cláusula de não restabelecimento é única e exclusivamente evitar o “roubo” de clientela pelo alienante.
IV – Conclusão
O contrato de trespasse é um instituo jurídico muito importante para manter a atividade de empresas que estão passando por dificuldades financeiras, evitando que sejam decretadas muitas falências, pois o alienante outorga ao adquirente todas as suas obrigações financeiras, como visto anteriormente, com suas devidas ressalvas.
Podemos dizer que nosso ordenamento evoluiu no que diz respeito ao trespasse, pois anteriormente ao Código Civil, as obrigações não eram passadas do alienante para o comprador. Após a entrada em vigor do novo Código, tais obrigações começaram a serem passadas ao adquirente, sendo o alienante responsável solidariamente por elas pelo prazo de um ano, salvo em casos de dívidas trabalhistas, fiscais e ressalvas de contrato.
A cláusula de restabelecimento também passou a ser disciplinada, mais pela doutrina e pela jurisprudência, garantindo ao adquirente, apesar da concorrência natural do mercado, preservar-se de perder clientes para o alienante, doutrina que protege o interesse do adquirente.
Guilherme Oliva - Acadêmico de Direito
Fonte: Artigos JusBrasil
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