Em meio à possibilidade de impeachment da presidente Dilma Rousseff, construtores e entidades avaliam as possíveis mudanças no setor em uma gestão de Michel Temer. Entre as especulações, o congelamento da primeira faixa do programa Minha Casa Minha Vida surge como principal temor de empresários.
“Mesmo discordando da política econômica da presidente Dilma, o fato é que não temos garantias de continuidade do programa em uma mudança de governo. Isso nos preocupa”, afirmou o diretor de uma das empresas com mais contratações na faixa um do programa habitacional, que falou ao DCI sob condição de anonimato.
Para o executivo, a orientação na empresa é que não se contrate novos empreendimentos enquanto não houver segurança política no País. “Vivemos um momento definitivo. Por mais que o vice-presidente tenha sinalizado que daria continuidade ao programa, achamos que haverá um amplo corte, que atingirá, invariavelmente, a faixa um”, disse ele, ressaltando que essa modalidade é a mais onerosa para as contas públicas, já que o governo arca com 95% dos custos.
Uma outra fonte do ramo imobiliário, essa mais focada em empreendimentos das faixas 2 e 3 do programa, alertou para as dificuldades advindas de uma mudança na gestão da Caixa. “Nós [do ramo imobiliário] somos muito dependentes da Caixa e qualquer mudança de gestão pode resultar em revisão de processos e morosidade dos contratos”, diz a fonte, que também preferiu não se identificar.
Entre os dois executivos, um discurso é comum: é preciso ter cautela. “2016 será um ano perdido para boa parte da construção, mas nossa esperança é que os cortes do governo eleve a saúde financeira da máquina pública, e ela possa voltar a financiar imóveis para a parcela da população onde reside o maior déficit habitacional”, afirmou o executivo ligado a empreendimentos da faixa um do Minha Casa Minha Vida.
Situação atual - Mesmo cautelosos em uma eventual mudança de presidente, os executivos também não se mostram otimistas com a atual gestão. “Lidamos com um governo que promete mais habitação do que entrega, e que tem, sistematicamente, atrasado pagamentos para as construtoras”, disse o executivo que atua com as faixas intermediarias do programa.
De opinião similar partilha o economista do núcleo de finanças públicas da Universidade Federal do Ceará (UFC), Carlos Cardoso. “Não há como maquiar os números. O governo gastou mais do que arrecadou, e hoje a faixa um do Minha Casa é muito cara. Ela precisará ser revista, independentemente do governo”, afirmou ao DCI, lembrando que a única alternativa seria o governo arrecadar mais com impostos, o que é muito mais difícil em tempos de crise.
O presidente da Associação Brasileira das Indústrias de Material de Construção (Abramat), Walter Cover, concorda. “Em qualquer cenário político, o governo deve rever a faixa um, pois com a necessidade do ajuste de contas, é muito difícil financiar 95% da casa”, disse ele em entrevista recente ao DCI.
Especulações - O presidente da Câmara Brasileira de Indústria da Construção (CBIC), José Carlos Martins, defende que, independentemente de quem estiver no poder, o governo precisa retomar a credibilidade. O executivo concorda que os gastos com a faixa 1 do programa são altos, mas as outras fatias do programa podem ajudar a fortalecer a economia brasileira. “Estamos com dificuldades fiscais. Em vez de focar na faixa um, deveríamos concentrar nas faixas dois, três e na recém-criada 1,5″, disse ele, acrescentando ter certeza que um eventual novo governo entenderia que esses são os únicos segmentos e talvez o único programa social que funciona.
Um estudo recente da Fundação Getulio Vargas apontou que a faixa dois do Minha Casa tinha apenas 9% de subsídio do governo, com o resto financiado pela Caixa Econômica Federal. O segmento também representou 62% das unidades entregues e 53% das contratadas até o final de 2015. “Essas faixas são responsáveis pela retomada do PIB da indústria. Não podemos deixar que esse movimento seja enfraquecido, seja qual for o governo vigente”, alertou a fonte.
Segundo o ministério das cidades, o orçamento do programa até 2018, somará R$ 210 bilhões, sendo R$ 41 bilhões do governo e R$ 39 bilhões em subsídios do FGTS. Além disso, os R$ 130 bilhões restantes devem vir de crédito do FGTS. Já o orçamento atual para 2016 é de R$ 7 bilhões. “Com o atual cenário econômico, não temos garantia que esse valor seja empenhado, mas em uma mudança na cena política as chances são ainda menores”, alertou o executivo que atua na faixa um.
Movimento setorial - Responsáveis por analisar a construção de maneira mais ampla, as associações do setor também afirmam que é imprescindível a continuidade do programa, independentemente de quem ocupe a cadeira de presidente. “A previsão é de que o governo dê continuidade ao programa habitacional, tendo em vista os benefícios dele. Seja quem for o governo, nós defendemos a manutenção do Minha Casa”, afirma o vice-presidente de habitação popular do Sinduscon-SP, Ronaldo Cury.
De opinião similar partilhou o vice-presidente de habitação econômica no Secovi-SP em um evento recente na capital paulista. “Se as pessoas tiverem o mínimo de bom senso e de preocupação com o Brasil, tratarão o programa como política habitacional de Estado e não de governo”, afirma.
O diretor da Associação Brasileira de Incorporadoras Imobiliárias (Abrainc), Luiz Fernando Moura, acredita que esta nova fase política possa melhorar a credibilidade do governo. “O setor imobiliário precisa de confiança para crescer.”
Na última semana, o vice- presidente Michel Temer disse que, em caso de impeachment de Dilma, o Minha Casa seria mantido, mas não esclareceu se haveria redução da faixa 1.
Fonte: Paula Cristina / DCI
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