sexta-feira, 8 de abril de 2016

A REFORMA DOS TERRENOS DE MARINHA


Desde que Dom João VI aportou ao Brasil com a família real, em 1808, fugindo de Napoleão Bonaparte, foi instituído, por Carta Régia de 1811, o regime dos terrenos de marinha, como reserva de áreas públicas da Coroa, ao longo de toda a costa do Atlântico, destinadas à instalação de fortificações de defesa contra invasões marítimas. Uma Lei do Império definiu a demarcação desses terrenos como sendo a “faixa litorânea de 33 metros, contados a partir da linha de preamar médio de 1831 em direção ao continente”, banhados “pelas águas do mar ou dos rios navegáveis”. Os terrenos de marinha são bens ditos dominicais, pertencentes à União Federal. A pessoa que adquire um imóvel em terreno de marinha não é proprietário, mas titular do domínio útil ou mero possuidor. A propriedade pertence à União, que cede o direito de uso ao foreiro ou a posse ao ocupante. Somente no caso do terreno ser próprio, ou alodial, é que existe relação jurídica de propriedade plena.

Os terrenos de marinha, ao longo desses séculos e anos, serviram, apenas, para gerar receita patrimonial para a União. Além do pagamento anual do foro ou da taxa de ocupação, sempre que ocorrer a transferência do domínio útil do imóvel, o alienante deve recolher ao governo federal o laudêmio, calculado sobre o valor total do imóvel, somando o terreno e mais as benfeitorias. O laudêmio, calculado na alíquota de 5% sobre o valor do imóvel, sempre representou, por seu custo elevado, um entrave para a regularização imobiliária nas cidades costeiras brasileiras, como o Recife. O alto custo do laudêmio na transferência ou cessão de direitos sobre os imóveis de marinha provocava o crescimento vegetativo dos “contratos de gaveta”, operações imobiliárias inconclusas, geradoras de incerteza jurídica no âmbito do patrimônio das empresas e famílias. 

Mas eis que agora, premido pela crise, o governo federal, ao aprovar a Lei 13.240, de 30/12/2015, reduziu, drasticamente, o valor do laudêmio na alienação dos terrenos de marinha. Isto porque o laudêmio passará a ser calculado, pela primeira vez na história, apenas sobre o valor da fração do terreno, único bem que pertence à União, e não mais sobre o valor das benfeitorias. Com isso, restaura-se a lógica que sempre regeu o sistema civilista da enfiteuse, em que o valor do foro e do laudêmio deve ser calculado, apenas, sobre o valor da terra nua, propriedade do senhorio, e não sobre o valor das benfeitorias, erigidas e custeadas pelo particular, enfiteuta ou ocupante. E assim, em média, o valor do laudêmio veio a ser radicalmente diminuído, podendo atingir, em condomínios, onde a fração ideal é dividida entre várias unidades, valores de menos de 10% do que até então era cobrado. Assim, por exemplo, para um apartamento no valor de R$ 500.000,00, em que o laudêmio era calculado em R$ 25.000,00, com a nova lei, o valor foi reduzido para menos de R$ 1.000,00. 

E diante de toda essa redução de valores, pergunta-se: e qual a vantagem da renúncia dessa receita patrimonial para a União, ainda mais neste momento de crise? A vantagem será, precisamente, o ganho de escala, na quantidade, na medida em que a redução do laudêmio virá a recolocar, no mercado imobiliário, milhares de imóveis que não eram regularizados, estagnados em contratos de gaveta, sem pagamento dos encargos da transmissão, devido ao seu elevado custo.

Todavia, aconselha-se que os adquirentes de imóveis de marinha que ainda não recolheram o laudêmio o façam logo, pois o governo federal pode mudar de ideia e retornar ao regime anterior, quando perceber que a redução da sua receita patrimonial foi muito além do que ele (não) estimou.

Ivanildo Figueiredo - Professor da Faculdade de Direito do Recife (UFPE) e tabelião do 8º Ofício de Notas do Recife
Fonte: Diário de Pernambuco

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