A figura jurídica da Sociedade de Propósito Específico (SPE) passou a existir no ordenamento jurídico brasileiro a partir da Lei nº 11.079, de 30 de dezembro de 2004, a qual instituiu o regime das Parcerias Público-Privadas ou PPPs, cujo objetivo era somar forças entre os setores publico e privado para a realização de parcerias, mediante processo licitatório.
Posteriormente, em 19 de dezembro de 2008, foi promulgada a Lei Complementar nº 128, a qual alterou o artigo 56 da Lei das micro e pequenas empresas (LC nº 123/2006), inserindo a figura da Sociedade de Propósito Específico organizada estritamente por microempresas e empresas de pequeno porte (EPP), optantes pelo regime tributário conhecido como Simples Nacional, representando então uma forma de constituição empresarial, através da qual é criada uma nova empresa limitada ou uma sociedade anônima com objetivo determinado, podendo ter como sócios, pessoas físicas e/ou jurídicas.
Por outro lado, é sabido que o mercado nacional já detinha conhecimento de sua natureza por meio de joint venture (equity ou corporate), muito comum no sistema norte americano e que guarda semelhança estreita com a figura da SPE brasileira, através da qual duas ou mais pessoas, sejam elas físicas e/ou jurídicas, empregam suas competências, recursos econômicos, tecnológicos, científicos, industriais, dentre outros, a fim de concretizar um propósito determinado e específico.
As características da SPE são definidas a partir da escolha de seu tipo societário, observando-se as determinações legais de constituição e de funcionamento do tipo societário, isto é, se for uma SPE sociedade limitada ou se for uma sociedade anônima e uma vez constituída, a SPE passa a ter personalidade jurídica própria, com direitos e obrigações, além de consistir em estrutura diferenciada dos demais empreendimentos do incorporador.
A SPE deve possuir um registro de CNPJ, além de ter contabilidade própria e características comuns às sociedades limitadas ou anônimas, podendo também adquirir bens e participações em outras sociedades, facilitando a emissão das certidões negativas necessárias para o registro da incorporação, além de possibilitar a opção por regime tributário diferenciado de seus sócios.
A SPE é uma empresa criada com objetivo determinado e se encerra após a conclusão da obra, podendo vir a ser renovada para um novo negócio a critério do incorporador.
Com o crescimento do mercado imobiliário nos últimos anos, a partir do aumento na concessão de crédito à população, com forte presença do Governo Federal por meio dos bancos publicos, além da redução das taxas de juros do financiamento imobiliário e capitalização das incorporadoras, muitas delas passaram a criar empreendimentos na forma de Sociedade de Propósito Específico ou SPE, sejam eles empreendimentos residenciais ou comerciais.
A maioria das incorporadoras, a partir de 2008, passou a utilizar em larga escala a figura das SPE´s para cada empreendimento lançado no mercado imobiliário de todo o país, sendo as principais motivações para isso a independência administrativa, obrigacional e fiscal do empreendimento perante os demais; maior agilidade na contratação de empréstimo bancário para a construção da obra e flexibilidade na realização de parcerias na incorporação; além de melhorar a transparência entre as partes envolvidas no negócio, sejam eles fornecedores, credores ou compradores.
Vale lembrar que o incorporador tem a opção de criar a SPE para o empreendimento, não estando obrigado por Lei.
Ocorre que as incorporadoras passaram a utilizar o modelo jurídico da SPE em detrimento da aplicação do patrimônio de afetação nos empreendimentos.
Cumpre esclarecer que patrimônio de afetação não é o mesmo que sociedade de propósito específico e vice-versa. São coisas distintas.
Uma SPE criada no âmbito de uma incorporação imobiliária, devidamente averbada perante o cartório de registro de imóveis competente, pode ou não apresentar a figura do patrimônio de afetação.
Enquanto o patrimônio de afetação visa propiciar melhores garantias ao comprador em caso de falência do incorporador, a SPE é apenas uma empresa criada por este para a gestão de determinado empreendimento do ponto de vista fiscal e de independência administrativa perante os demais empreendimentos do incorporador.
Embora a SPE possua capital social separado dos demais empreendimentos, bem como objeto específico e prazo determinado de existência, ela é controlada diretamente pelo incorporador e não existem garantias legais de proteção ao comprador em caso de falência, diferentemente do que ocorre quando o empreendimento conta com a figura do patrimônio de afetação constituído.
Por sua vez, ao contratar a aquisição de futuro imóvel na planta, o comprador poderá vir a assinar um Contrato de Compromisso de Venda e Compra com uma SPE, na posição de promitente-vendedora, contendo ou não a figura do patrimônio de afetação.
Evidentemente é recomendável ao adquirente, antes de assinar o Contrato com a incorporadora, pesquisar no cartório de registro de imóveis onde o empreendimento está registrado, se aquela obra está ou não sujeita ao patrimônio de afetação, a fim de auferir melhor garantia quanto à efetiva entrega, mesmo se tratando essa aquisição de negócio de risco.
Na prática, é fato que o comprador não tem conhecimento e habilidade necessários para saber se determinado empreendimento está ou não constituído com as regras do patrimônio de afetação, a fim de garantir-se contra eventual má gestão do negócio pelo incorporador.
Ainda que haja um desinteresse por parte das incorporadoras na criação do patrimônio de afetação em seus empreendimentos, sejam eles uma SPE ou não, pelo fato de não se sentirem confortáveis com a ideia de prestar informações de forma transparente e detalhada sobre os mesmos, mostra-se inegável diferencial perante seus concorrentes e elemento captador de possíveis compradores, além de permitir a realização de parcerias com instituições financeiras de forma mais ágil e atraente para os bancos, permitindo maior segurança para seus clientes, uma vez que os imóveis são segregados do patrimônio geral do incorporador.
A incorporadora que opta pela instituição do patrimônio de afetação em suas operações imobiliárias, inclusive mediante a criação de SPE para determinado empreendimento, tem a seu favor importantes elementos como, por exemplo:
a) diminuição de riscos e melhor segurança para seus clientes e para a instituição financiadora da obra, assegurando o patrimônio do empreendimento dos bens do incorporador em caso de falência;
b) apuração individualizada no lucro de cada empreendimento;
c) transmite maior transparência na gestão de seus empreendimentos perante as partes envolvidas;
d) obtém redução da carga tributária de 6% para 4%, através do Regime Especial de Tributação da Lei Federal nº 10.931/2004, que em seu artigo 4º e seguintes estabeleceu o percentual de 4% da receita recebida, correspondendo ao pagamento mensal e unificado do Imposto de Renda das Pessoas Jurídicas (IRPJ); Contribuição para os Programas de Integração Social e de Formação do Patrimônio do Servidor Publico (PIS/PASEP); Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL) e Contribuição para Financiamento da Seguridade Social (COFINS); e
e) se o empreendimento constituído do patrimônio de afetação for enquadrado nas regras do programa do Governo Federal chamado Minha Casa, Minha Vida, o incorporador pagará apenas 1% de carga tributária sobre o faturamento total da obra, conforme determinado pela Medida Provisória nº 497, de 27 de julho de 2010 e estendido até o ano de 2018 para imóveis em valor de até R$ 100.000,00.
E para o comprador resta sempre contar com uma importante arma a seu favor no momento da decisão em fechar ou não a compra de um imóvel na planta: a INFORMAÇÃO.
Fonte: Mercadante Advocacia