Um conjunto inovador de instrumentos jurídicos de alta qualidade foi implantado nas últimas duas décadas com o objetivo de fortalecer o crédito imobiliário e permitir que as modalidades de financiamento da moradia e do real estate alcançassem no Brasil o grau de desenvolvimento atingido em outros países. Graças a esses institutos jurídicos - entre os quais despontam a alienação fiduciária de bem imóvel, o patrimônio de afetação, o registro eletrônico e a concentração dos ônus na matrícula do Registro de Imóveis -, bem como o nascimento do Sistema Financeiro Imobiliário (SFI), com mecanismos de captação como o Certificado de Recebíveis Imobiliários (CRIs), as Letras de Crédito Imobiliário (LCIs) e, em breve, as Letras Imobiliárias Garantidas (LIGs), o País deixou para trás um longo e difícil passado, estabelecendo um modelo de financiamento de imóveis competente e promissor.
O revigoramento do crédito imobiliário foi notável. Desde a Lei 9.514/97, que criou a alienação fiduciária e o SFI, e a Lei 10.931/2004, que regulou o patrimônio de afetação, a proporção entre o financiamento de imóveis e o Produto Interno Bruto (PIB) aumentou sete vezes, aproximando-se dos 10%. Mais de dez milhões de famílias tiveram acesso à moradia em condições creditícias favoráveis e o crédito imobiliário tornou-se a principal carteira de pessoa física dos bancos comerciais. A construção civil foi dinamizada e milhões de empregos foram criados. Antes da recessão de 2014/2016, o número anual de unidades financiadas chegou à casa do milhão, mostrando a capacidade de resposta dos agentes econômicos ao crescimento vigoroso da demanda. A qualidade e a integridade do crédito imobiliário foram fatores decisivos para evitar o risco de bolha e a gama de problemas que alcançou mercados desenvolvidos como os dos Estados Unidos e da Espanha, entre outros. Mesmo agora, enquanto não se firma a recuperação do ritmo de atividade econômica no Brasil, persistem os esforços para avançar no aprimoramento institucional do modelo de crédito imobiliário, com ênfase no desenvolvimento de mecanismos de captação adequados e na criação de um mercado secundário de títulos imobiliários, capaz de atrair mais investidores e atender à demanda esperada para os próximos anos.
A revolução vitoriosa no crédito imobiliário não teria sido possível sem a elevada segurança jurídica das operações. O financiamento cresceu, em especial, devido à qualidade das garantias. Voltando ao passado, foi justamente a má qualidade das garantias, bem como a insegurança jurídica decorrente de múltiplos questionamentos judiciais da legislação e regulamentos então vigentes, fatores centrais que provocaram a derrocada do crédito nos anos 80 e 90 do século anterior. Desgastado o instituto da hipoteca, a alienação fiduciária - hoje aplicada maciçamente aos contratos - assegurou condições mais favoráveis não apenas às instituições financeiras e às empresas de incorporação e construção, como também a oferta ampla de financiamento com juros módicos, inclusive para todos os extratos da classe média. Cabe fixar o conceito de que crédito seguro é crédito mais barato do que crédito duvidoso.
Indícios de questionamento da alienação fiduciária constituem, hoje, um dos obstáculos centrais ao futuro do financiamento à moradia. Decisões judiciais que estendam o prazo previsto na Lei 9.514/97 para regularizar o pagamento da dívida em atraso resultam em estímulo à judicialização de um procedimento concebido para ser essencialmente extrajudicial. Partimos, naturalmente, da suposição de que as dificuldades macroeconômicas são transitórias, pois a crise fiscal começa a ser enfrentada e os avanços da política anti-inflacionária permitirão a redução de juros e a retomada do crédito.
Como notou o jurista Melhim Chalub, em estudo recente publicado na Revista do SFI, é essencial "a articulação entre o Código de Defesa do Consumidor (CDC) e a legislação especial sobre a alienação fiduciária", pois o CDC, uma lei geral voltada para o equilíbrio nas relações entre consumidores e fornecedores, "não interfere no regime jurídico das diversas espécies de contrato, convivendo as respectivas normas nos limites dos seus campos de incidência". Ou seja, a regra da Lei 9.514/97 deve preponderar sobre a regra geral do CDC.
A segurança jurídica dos contratos, tratada de uma forma ampla, é a base de sistemas de crédito bem-sucedidos, que cumprem seu papel de promover o acesso de empresas e consumidores aos bens disponíveis. Sem garantia, o crédito tende a se tornar mais caro e mais escasso - e isso é tudo que não interessa a tomadores e credores. Países desenvolvidos construíram vigorosos sistemas de crédito com base em operações seguras e regras previsíveis - inclusive, decisões judiciais previsíveis. A oferta adequada de crédito no Brasil depende do entendimento correto da questão.
Gilberto Duarte de Abreu Filho - Presidente da Associação Brasileira das Entidades de Crédito Imobiliário e Poupança (Abecip)
Fonte: Revista Construção Mercado
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