Em razão da docência, tenho refletido sobre o novo Código Civil, cujas conseqüências, nada obstante a abundante literatura que surge dos mais renomados juristas, são muito mais amplas do que pode imaginar a abstração daqueles que escrevem sobre o tema.
Na verdade, alguns dispositivos do ab-rogado Código Civil de 1916 ainda estavam sujeitos a divergências, mesmo depois de 86 anos de interpretação doutrinária e jurisprudencial.
Em razão disso, tenho dito aos meus alunos que a interpretação remansosa de alguns dispositivos do novo Código Civil, Lei n. 10.406, de 10 de janeiro de 2002, certamente será depositada sobre a nossa lápide.
Ainda assim, tratando do condomínio edilício – aquele que se desenvolve nos edifícios de apartamentos e conjuntos de edificações com áreas privativas e comuns – o novo Código Civil impõe algumas novidades que só o tempo terá o condão de aclarar a conveniência e utilidade.
De qualquer forma, é cediço que o condomínio é administrado por um síndico, cujos deveres gerais são impostos pela lei e complementados pela Convenção, que regula a vida comum que se desenvolve nessas edificações.
Pois bem. Ao tratar das incumbências do síndico, o novo Código Civil acrescentou alguns deveres que antes não constavam da derrogada Lei n. 4.591/1964, que disciplinava a matéria.
Sendo assim, a par de outros deveres, o novo Código Civil dispõe no inciso V, do art. 1.348:
Art. 1.348. Compete ao síndico:
V – diligenciar a conservação e a guarda das partes comuns. (g.n.)
Nada há nesse sentido na anterior Lei n. 4.591/1964.
Portanto, como não há na lei comandos inúteis, vislumbramos importantes conseqüências para a novidade.
Com efeito, sob a égide da Lei n. 4.591/1964, se a assembléia não autorizasse, o síndico nada podia fazer para impedir a deterioração das partes comuns.
De fato, basta verificar o estado de conservação – talvez fosse melhor dizer “estado de deterioração” – de alguns edifícios, para descobrir, sem muita dificuldade, que em nome da falsa economia, colocam em risco a vida e a saúde dos que o habitam e até de terceiros.
Deixando de lado os extremos, podemos exemplificar: são comuns os edifícios cujo revestimento externo demanda pintura.
Essa pintura, além de embelezar a construção, impermeabiliza a fachada.
Também é sabido que os fabricantes das tintas recomendam que a pintura seja refeita, com o fechamento de pequenas fissuras, a cada período de três ou cinco anos.
Ocorre que, em nome da economia ou desautorizados pela assembléia especialmente convocada para votar a pintura do edifício, essas construções passam anos além do prazo sem que a indispensável providência seja tomada.
Quando, enfim, se decide pela pintura, os gastos são muito maiores em razão do avançado estado de deterioração da fachada, desmascarando a falsa economia.
Outros exemplos podem ser dados: postergação da troca de colunas de água, caixilhos, fiação, impermeabilização de lajes etc.
As conseqüências são desastrosas.
Conheço um edifício comercial que teve toda sua parte elétrica incendiada, colocando em risco a vida dos condôminos e demais ocupantes, em razão da negligência na manutenção.
De qualquer forma, ainda que não haja esse risco que, afinal, não consta do dispositivo, o síndico deve – isso mesmo, DEVE – diligenciar e conservar as partes comuns.
Não há mais escolha: fazer ou deixar de fazer. A conservação é um dever do síndico que, se não for respeitado, pode lhe impor responsabilidade civil em razão da omissão bem como motivar a sua destituição nos termos do art. 1.349 do novo Código Civil, que defere à maioria absoluta dos membros da assembléia a faculdade de destituir o síndico que não cumprir seus deveres.
De fato, ¼ dos condôminos podem convocar a assembléia e deliberar acerca da destituição do síndico que não conservar as partes comuns de acordo com o que lhe impõe a lei.
Com ou sem a destituição, o síndico omisso, ou seja, aquele que deixar de conservar as partes comuns, será responsabilizado civilmente pelos prejuízos que causar.
Voltando ao nosso exemplo, se o síndico não providenciou a pintura ou a recuperação da fachada no momento oportuno e, ao depois, essa pintura ou recuperação demandar maiores gastos em comparação com os gastos decorrentes do mesmo serviço no tempo oportuno, a diferença pode ser imposta judicialmente ao síndico omisso.
O suporte para tal inferência encontramos no próprio Código Civil, que, assim como no direito anterior, impõe o dever de reparar e ressarcir os danos a todo aquele que os causar por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência (novo Código Civil, art. 186 c/c art. 927).
Mas poder-se-ia redargüir, alegando que, nesses casos, a aprovação das despesas pela assembléia sempre deve existir.
Não!
O § 1°, do art. 1.341, do novo Código Civil, é claro e determina, em consonância com o inciso V, do art. 1.348, que as obras ou reparações necessárias podem ser realizadas, independentemente de autorização, pelo síndico, ou, em caso de omissão ou impedimento deste, por qualquer condômino. Ao depois, determina que essas obras, desde que urgentes, podem ser feitas sem autorização da assembléia e apenas devem ser comunicadas a ela posteriormente.
Mas poder-se-ia redargüir novamente, alegando que, na ausência de urgência, como é o caso da pintura, a aprovação da assembléia para as despesas sempre deve existir.
De fato, determina o § 3°, do art. 1.341, que, não sendo urgentes, as obras ou reparos necessários, que importarem em despesas excessivas, somente poderão ser efetuadas após autorização da assembléia...
Haveria contradição ou antinomia no novo Código?
Como a conservação pode ser um dever do síndico se essa mesma conservação deve ser submetida à aprovação da assembléia?
As respostas, pelo que entendemos, são mais simples do que parecem e resumem tudo o que foi dito:
O síndico deve conservar o edifício sob pena de omissão, responsabilidade civil e destituição (novo Código Civil, arts. 1.348, V e 1.349);
Se a despesa com a conservação for de pequena monta, não há, sequer, a necessidade de assembléia (novo Código Civil, art. 1.341, § 1°);
Se a despesa com a conservação for excessiva e a obra urgente, o síndico realiza de qualquer forma e, ao depois, dá ciência à assembléia, não havendo necessidade de prévia aprovação, como pode ocorrer, por exemplo, com o rompimento da coluna de água (novo Código Civil, art. 1.341, § 2°);
Se a despesa com a conservação for excessiva e a obra não for urgente (novo Código Civil, art. 1.341, § 3°), o síndico providencia orçamentos e os submete à assembléia que apenas decidirá de que forma será feita a conservação e qual dos orçamentos será aprovado, jamais se a obra – que é um dever seu – será ou não realizada. O exemplo é a pintura ou a recuperação da fachada. Portanto, em razão do dever de conservação imposto ao síndico, mesmo que a obra não seja urgente, a assembléia não pode mais decidir pela não realização da despesa que for destinada a conservar o edifício. Poderá, apenas, decidir como será feita a conservação.
Ninguém discute se os funcionários do edifício devem ser ou não pagos e muito menos se o rateio para esse pagamento deve ou não deve ser feito. É dever do síndico diligenciar para cumprir essa obrigação como agora também é um dever seu conservar o edifício.
Por fim, a lei não disse o que é uma despesa excessiva. Sendo assim, repetindo o que já dissemos alhures (Luiz Antonio Scavone Junior e Jorge Tarcha. Despesas ordinárias e extraordinárias de condomínio. 2ª. ed. São Paulo, Juarez de Oliveira, 2000, pp. 34 e 35) - repetimos a critica do insigne Desembargador Gildo dos Santos (Locação e despejo, 2ª ed., São Paulo, Revista dos Tribunais, 1992, p. 86) à alínea “g”, do art. 23, § 1°, da Lei n. 8.245/1991, que impõe ao locatário o pagamento de pequenos reparos nas dependências... e pode ser aproveitada por analogia:
(...) sabe-se que é condenável a existência de adjetivos nos textos legais, exatamente porque, sendo pequeno um qualificativo de significação abstrata, não se pode saber, com exatidão, o que é um reparo ou conserto pequeno. É de se prever, portanto, infindáveis elucubrações sobre a caracterização do que sejam pequenos reparos nas dependências e instalações elétricas e hidráulicas de uso comum.
Tentando solucionar a respeitável crítica do ilustre Desembargador, ousei definir um critério levando em consideração o valor do reparo.
Desse modo, já que a lei não definiu o critério de despesa excessiva, naquela oportunidade dei a minha sugestão e aproveito aqui o mesmo critério.
Vamos a ele: se, após o rateio, a despesa não ultrapassar metade do valor da despesa ordinária de condomínio do mês em que ocorrer, não será excessiva.
Em suma, se a despesa de conservação superar a metade do valor da despesa ordinária do mês em que ocorrer, será qualificada como “despesa excessiva”, caso contrário, não, sendo conveniente, contudo, que essa circunstância conste da Convenção. Observe-se que, no caso de cobrança parcelada, o valor total da despesa rateada deve ser levado em conta, não a parcela mensal.
Luiz Antonio Scavone Junior - Advogado, Administrador pela Universidade Mackenzie, Mestre e Doutor em Direito Civil pela PUC-SP, Professor e Coordenador do Curso de pós-graduação em Direito Imobiliário da EPD. Professor Titular do Curso de Mestrado em direto da EPD, Professor de Direito Civil, Imobiliário e Arbitragem nos cursos de graduação e extensão da Universidade Presbiteriana Mackenzie, autor de diversas obras e, entre elas: Direito Imobiliário – teoria e prática.
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