sábado, 21 de janeiro de 2017

A RECONSTRUÇÃO SEM FIM DA PDG


O colapso do mercado imobiliário americano, em 2008, que levou bancos e empresas gigantes à lona, cunhou a expressão too big to fail (grande demais para quebrar, em português). Tratava-se de uma linha de pensamento que defendia a proteção do Estado e do sistema financeiro a companhias essenciais na geração de emprego, renda e impostos. A ideia emplacou para alguns, mas outros, como Lehman Brothers e o Bear Sterns, sumiram do mapa. Por aqui, guardadas as devidas proporções e causas, parece que também ninguém é tão big que não possa correr o risco de quebrar. Um exemplo disso é a PDG Realty, que chegou a ser a maior construtora do Brasil entre 2010 e 2011, com mais de R$ 9 bilhões em lançamentos anuais.

O problema é que, nos últimos cinco anos, desde que anunciou um prejuízo de R$ 2,2 bilhões, a empresa está em queda vertiginosa – e não há sinais de recuperação no horizonte. Após cinco anos de tentativas de reestruturação e três CEOs depois, a PDG acumula uma dívida estimada em R$ 7,5 bilhões. Apenas com juros da dívida ela precisa lidar com cerca de R$ 900 milhões anualmente, para uma empresa com receita operacional bruta de apenas R$ 206 milhões, entre janeiro e setembro do ano passado, e um caixa de R$ 250 milhões, registrado ao fim do terceiro trimestre de 2016 (o último balanço divulgado).

Além disso, a incorporadora quase não lança mais novos projetos. No terceiro trimestre, ela conseguiu a licença de seis empreendimentos. No mesmo período de 2011, havia 36 novos projetos. A luta é por queimar os estoques, que eram avaliados R$ 2,7 bilhões ao fim de setembro. Em um cenário como esse, a expectativa é que a incorporadora entre em recuperação judicial neste ano. Em dezembro, ela anunciou que não vai pagar juros relativos a debêntures emitidas, aumentando as especulações em relação ao seu futuro.

Os primeiros dias do novo ano têm sido de muitas reuniões e decisões importantes para os gestores da empresa. Para um analista do mercado, que prefere o anonimato, será “difícil escapar de uma recuperação judicial”. Para outro especialista no setor, a complexidade do processo pode evitar que esse caminho seja seguido, e diz que a palavra final está com os bancos credores. No caso da Viver, a primeira incorporadora de capital aberto a entrar em processo de recuperação, o processo, anunciado no ano passado, envolve apenas 64 Sociedades de Propósito Específico (SPE) – organizações que a lei exige que sejam criadas para cada projeto imobiliário –, e uma dívida consolidada de R$ 1 bilhão.

No caso da PDG, o processo poderia contar com 700 SPEs, resultando em um complexo nó jurídico. “Depende de permitirem liquidez para as operações, dando carência no pagamento das dívidas e linhas de crédito, ou se vão preferir enfrentar essa complexidade toda e ainda fazer a provisão da perda”, diz a fonte. Pelo porte da PDG, qualquer caminho adotado será um exemplo para o setor. Em novembro do ano passado, toda a cúpula da companhia foi trocada. Ricardo Knoepfelmacher, dono da RK Partners e especializado em recuperação de empresas, foi contratado para liderar uma nova tentativa de salvação da PDG.

Com a sua chegada, o CEO Márcio Trigueiro, que permaneceu apenas por um ano no cargo, foi substituído. O sucessor é Vladimir Ranevsky, que trabalhou com Ricardo K, como é conhecido, no processo de recuperação da OSX, o braço de construção naval do império em ruínas de Eike Batista. Ao mesmo tempo, o conselho de administração também passou por uma reformulação. Gilberto Sayão, criador do fundo de investimentos Vinci Partners, controlador da PDG, deixou o posto de presidente. Trata-se, na avaliação do mercado, de um jogo de sinais.

As saídas e a escolha de substitutos foram interpretadas como indícios dos novos rumos da empresa. Em relação à gestão, indicou-se que a fase de negociações e tentativas de pagamento das dívidas integralmente acabaram. A recuperação não poderia mais acontecer por meio de um simples adiamento de pagamentos. Já a saída de cena do Vinci dá um sinal ainda mais dramático. O fundo, pelos últimos cinco anos, demonstrou acreditar na recuperação do negócio, tendo apontado Carlos Piani, um de seus acionistas, como CEO entre 2012 e 2015, e depois Trigueiro – dois executivos com perfil de gestão financeira.

O Vinci ainda fez, por duas vezes, em 2012 e 2015, aportes no negócio, de R$ 800 milhões e R$ 483 milhões. A sua saída da gestão indica que, uma vez que já absorveu as perdas com a empresa – que chegou a valer R$ 12,5 bilhões e hoje é avaliada em menos de R$ 150 milhões –, não haverá novo socorro por sua parte. O sinal para os credores está dado. Agora, seria a vez dos bancos oferecerem crédito à companhia ou assumirem os prejuízos, que podem pesar em seus balanços. Além de enxugar a operação – que chegou a ter mais de 300 projetos em andamento e agora são 30 – , Piani conseguiu, em sua gestão, concentrar a dívida em alguns poucos grandes bancos, para facilitar a negociação.

A tarefa principal do seu sucessor, Trigueiro, foi renegociar os termos das dívidas. Em agosto do ano passado, conseguiu atrasar a data de vencimentos de R$ 4 bilhões – dos quais R$ 2,9 bilhões são dívidas corporativas com Bradesco, Itaú Unibanco, Caixa, Banco do Brasil e Votorantim – para 2020. O R$ 1,1 bilhão restante tinha relação com financiamentos utilizados para continuar construindo. Mas, em novembro, a nova troca da gestão indica que algo aconteceu. Além de arrastar a quitação das dívidas, a PDG precisava de mais financiamento dos bancos, para manter a operação. Esse dinheiro não veio. Mas como a PDG chegou nesse ponto? A companhia foi um símbolo do crescimento do setor imobiliário e também de sua derrocada.

No momento em que o mercado atingia o pico de valorização em 2011, as empresas entraram em dificuldades devido ao crescimento acelerado. “O plano se mostrou insustentável para um setor que não permite ganho de escala em empreendimentos voltados para a média e alta renda”, diz Luiz Mauricio Garcia, analista do Bradesco BBI. Quando as empresas começaram a diminuir de tamanho, veio a crise, e o congelamento da demanda e do crédito. “O ciclo de negócio da construção é de anos e a crise foi pior do que o imaginado”, afirma Ana Maria Castelo, coordenadora de projetos da construção da FGV.

As dificuldades da PDG também geraram problemas da porta para fora e grande quantidade cancelamento de vendas. Foram registrados R$ 945 milhões em distratos, entre janeiro e setembro de 2016, sendo que a empresa conseguiu apenas R$ 254 milhões em revendas. Os recorrentes atrasos em entrega de imóveis geraram danos à imagem da companhia. “Há reclamações de todo o tipo contra a PDG, de atrasos e vícios construtivos a cobranças indevidas”, diz Vinícius Costa, consultor da Associação Brasileira dos Mutuários da Habitação. Procuradas, a PDG e a RK Partners não concederam entrevista.

Fonte: ISTOÉ Dinheiro

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