Muito embora o Estatuto da Cidade (artigos 21 e 23, da Lei nº 10.257, de 10 de julho de 2001) tenha tratado do “Direito de Superfície”, com o escopo de ordenar o desenvolvimento das funções sociais da cidade e da propriedade urbana, o novo Código Civil, regulado pela Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002, que entrará em vigor em 10 de janeiro de 2003, codificou o novo instituto de Direito denominado “Da Superfície” (artigos 1.369 a 1.377). Trata-se de um direito real em que se permite que o proprietário conceda a outrem denominado superficiário, o direito de construir ou de plantar em seu imóvel, por tempo determinado, mediante escritura pública a qual deverá ser registrada no Cartório de Registro de Imóveis, de sorte a gerar efeitos “erga omnes”, contra terceiros.
A mencionada escritura pública de concessão do direito de construir ou de plantar deverá regular as relações entre as partes, estabelecendo os respectivos deveres e obrigações.
A superfície, como direito real vincula o imóvel gravado, acompanhando-o até o termo final da concessão. Neste sentido, o inciso II, do artigo 1225, do novo Código Civil é taxativo no sentido de introduzir “a superfície” como direito real de garantia, de maneira a resguardar satisfatoriamente o superficiário, no sentido de obrigar o proprietário a dar cumprimento integral à concessão.
A concessão do direito de construir ou de plantar poderá ser a título gratuito ou oneroso. Na hipótese de ser a título oneroso, o pagamento poderá ser à vista ou parcelado. Nesta condição, depreende-se que a concessão terá um preço certo, o qual deverá ser pago de conformidade com as condições estabelecidas, de comum acordo, entre as partes contratantes. Na hipótese do pagamento não ser à vista, mas sim a prazo, deverão ser respeitados os vencimentos dos pagamentos das respectivas parcelas, ou da única parcela, com a ressalva de que impede que se preveja a atualização da(s) parcela(s) de acordo com a variação periódica da moeda, observadas as normas então vigentes, que regulam o período mínimo para atualização monetária, atualmente fixado em 12 meses (parágrafo 1º, do artigo 2º, da Lei nº 10.192, de 14 de fevereiro de 2001).
A concessão do direito de construir poderá compreender a exploração do subsolo caso este seja inerente ao objeto da concessão, e desde que prevista expressamente na competente escritura.
No que tange aos encargos e tributos que incidirem sobre o imóvel, objeto da concessão, estes são de responsabilidade do superficiário, ou seja, de quem vier a explorar o imóvel, por definição contida no artigo 1.371, da Lei. Contudo, no caso de ficar estabelecido que os encargos e tributos sejam de responsabilidade do proprietário, a responsabilidade tributária pelo pagamento, mesmo assim, será do superficiário, restando ao mesmo o exercício do direito de regresso contra o proprietário.
Outrossim, a concessão do direito de construir ou de plantar poderá ser cedida e transferida a terceiros ou, em caso de morte do superficiário, aos seus herdeiros. Desta forma, para que a cessão se torne factível, é importante que esteja previsto na escritura que o superficiário ou seus herdeiros deverá(ão) dar conhecimento ao proprietário da transferência. Em qualquer modalidade de transferência, a previsão legal é a de que não poderá ser estipulado qualquer pagamento a favor do proprietário, por vedação expressa do disposto no parágrafo único, do artigo 1.372, do novo texto legal.
É importante ter presente que o proprietário poderá alienar o imóvel, e o superficiário poderá ceder e transferir o seu direito de superfície, respeitado o direito de preferência de cada um. Nesta hipótese, em caso de alienação ou cessão, vale observar que a superfície, como direito real, vincula o imóvel gravado, acompanhando-o sempre. Com a ocorrência do termo final da concessão, o proprietário passará a ter a propriedade plena sobre o imóvel, construção ou plantação independentemente de indenização.
O inadimplemento do superficiário quanto às obrigações contraídas com o proprietário, sobretudo quanto ao pagamento regular do preço avençado, ou alteração da construção ou da plantação convencionada, poderá ensejar a rescisão do contrato de concessão, gerando direito a indenização em favor do proprietário. Na hipótese de desapropriação do imóvel concedido, a previsão é de que extinto o direito de superfície, ao proprietário e ao superficiário, caberá indenização no valor correspondente ao direito real de cada um.
Por outro lado, interessante destacar que o texto legal permite que o direito de superfície seja constituído por pessoa jurídica de direito público, o que deverá possibilitar à Administração Pública promover licitação, na modalidade concorrência pública, para a construção de um bem, que reverterá aos cofres públicos o valor determinado, assim como o imóvel propriamente dito ao final da concessão do direito de superfície.
A concessão do direito de superfície deverá observar as diretrizes gerais da política urbana estabelecida pelo Plano Diretor dos respectivos municípios, haja vista as disposições contidas no Estatuto da Cidade. A par de tais considerações, o fato é que o novo instituto efetivamente deverá dinamizar sobremaneira a exploração de muitas áreas, na medida em que o proprietário, carente de recursos, ou sem capacidade de viabilizar um negócio em sua propriedade, poderá conceder a terceiro, empreendedor, a possibilidade de torná-la rentável, de sorte a recuperar a sua função social. O direito de superfície está centrado na possibilidade de conciliar a exploração de áreas inativas ou não produtivas, seja construindo ou seja plantando, por um prazo certo e determinado, a um preço previamente avençado entre as partes, sendo assegurada sua execução pela constituição de um direito real de garantia.
Inegavelmente, o novo instituto de direito representa um avanço nas relações negociais das partes, haja vista a inexistência de regras no direito vigente que regulassem a exploração do direito de construir ou plantar em propriedade de terceiro, conferindo uma garantia real. Ademais, “a superfície” em sendo um direito real de garantia, desde que levado a registro perante o Registro de Imóveis, assegura ao superficiário a exploração da propriedade concedida até final cumprimento da concessão outorgada, protegendo o seu direito de explorar o imóvel contra eventual oposição de terceiros. Efetivamente, o direito de superfície deverá trazer uma nova dinâmica, alavancando novos negócios imobiliários ou fundiários, dentro de um quadro seguro para quem explora, superficiário, como para quem o concede, proprietário, nos limites das obrigações previamente estabelecidas pelas partes, conforme definido na competente escritura pública de sua constituição.
Pedro Romeiro Hermeto - Advogado
Fonte: Artigos Jus Navigandi